213. Bem-aventurados
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01.11.2025 | 7 minutos de leitura
Diversos

Todo cristão é chamado à santidade, e isso é repetido em muitos ambientes religiosos. Mas basta dizê-lo para que, então, os manuais de santidade sejam oferecidos. Para ser santos precisaríamos, segundo esses manuais, seguir um amontoado de regras e normas; uma rigorosa lista de comportamentos e pensamentos corretos. Quantas ofertas são feitas para disciplinar a vida! Quantos percursos de vários santos são apresentados! Infelizmente não como inspiração para que as pessoas possam trilhar o caminho de Jesus, de acordo com sua própria singularidade. Não; são manuais que funcionam como uma espécie de receita pronta para que todos se tornem santos igualmente, como numa linha-de-produção em série. Cada cristão, em vez de trilhar seu próprio itinerário, torna-se imitador do percurso de outros – o que desconsidera particularidades, contextos, situações vividas…
Além disso, a busca pela santidade vira uma rotina que parece não levar em conta as trevas e luzes que há na vida cotidiana; parece se tornar um caminho obsessivo e obcecado por eliminar defeitos, ignorar fragilidades; fazer a natureza dar saltos, onde ela só pode dar passos. O caminho da santidade vira um percurso alienante de evitar pecados, uma esquiva doentia da vida. E muito curiosamente, ser santo se resumiria a se concentrar em lutar contra tudo o que se passa abaixo do umbigo. E tudo que é humano, e querido por Deus, vai sendo alvejado não no sangue do Cordeiro que nos redimiu, mas esfolando os dedos nas pedras do tanque da nossa autossuficiência. Pronto: então o chamado se converte em um conjunto de regras, um ideal inalcançável para alimentar o ego de alguns e macerar a tantos outros.
E onde há alguém vendendo a imagem de ser santo, de já a ter alcançado com seus próprios esforços, uma suposta perfeição, será preciso dizer: não estará aí nesse modelo de vida vitrinizado e customizado para os outros, mais um tentativa de parecer-ser e de performar teatralmente? Se os santos, durante a vida, pareciam ter alguma certeza, era a de certamente não serem santos, aos moldes do que se vende por aí.
E é curioso que a “lista” que aparece na boca de Jesus, tantas vezes esquecida nos manuais de santidade modernos, e que é o Evangelho que se repete sempre no dia de todos os santos, começa com uma expressão que não pode ser abandonada: bem-aventurados. Essa expressão deriva do grego e quer dizer: feliz, afortunado, abençoado. E essa felicidade tem a ver com estar em comunhão com Deus, ser amigo de Deus. Alguém, então, poderá dizer: evito pecados para estar mais em comunhão com Deus. Será mesmo? A amizade com Deus consiste em fazer da vida uma luta egóica contra uma infinitude de pecados, multiplicados sem critério, por fariseus modernos que são escrupulosos e perversos, e que mais envenenam e endemoninham a vida, do que a ajudam a encontrar o Salvador?
A expressão bem-aventurados também deriva do hebraico e, desde aí, quer dizer avance, vai adiante, caminhe adiante! Não tem a ver com a felicidade passageira, mas com a felicidade daquele que realiza um caminho, muitas vezes árduo. Logo, ao ouvirmos Jesus proclamar as bem-aventuranças, estamos escutando ele dizer que são felizes aqueles que perseveram, que caminham, que avançam e estão em comunhão com Ele, mesmo em meio a toda adversidade que a vida apresenta.
Estar em comunhão com Deus, essa beatitude, passa para Jesus, pelos pobres de espíritos: todos aqueles que estão acocorados pelo medo, que são subjugados, mas que têm a posse do Reino dos céus, que começa agora. O caminho que são chamados a fazer é o de se colocarem de pé, com coragem na vida, sem resignação às injustiças. Avançar, ir em frente, pois Deus mesmo está ao lado deles. Ora, e os santos de manual, se colocam ao lado dos mais pobres e fracos, dos humilhados; ou fizeram da vida uma preocupação só consigo mesmos?
Também os aflitos são convidados a caminhar, a perseverar, e para isso é preciso que não se fechem em suas aflições, a fim de encontrarem a consolação. Jamais recuar, mobilizar-se, não se deixar paralisar pelos sofrimentos, pois Deus mesmo, afinal, é o consolador. E os que querem comunhão com ele, como se tornam parceiros dessa ação divina?
Os mansos são convidados à felicidade e a perseverança sem fazer uso da violência; e Jesus os convida a caminhar, pois a terra é dom de Deus e sua posse pelos mansos e pequenos é fruto da luta perseverante e da confiança nele. Não se aliar a projetos de violência, buscar essa mansidão que não é alienação, está no projeto dos cristãos que querem ser santos?
E como a fome e a sede são necessidades básicas do ser humano; como a comida e a bebida são coisas fundamentais para viver, também a justiça deve ser uma busca contínua dos cristãos. Onde não há justiça, não há paz. Para ter vida, é preciso se alimentar sempre de justiça, ter fome dela. Ora, isso não é uma invenção teológica moderna, mas é caminho ao qual o próprio Jesus convida.
Também é um convite à felicidade empenhar-se na misericórdia. E misericórdia não é um sentimento, mas é fazer o bem, a começar pelos necessitados. É reproduzir o agir de Deus no mundo. É ser agente do perdão e do amor.
E não é a pureza ritual que interessa para Jesus, essa que divide e é instrumento até de morte. A pureza que interessa é aquela do coração, que está na disposição de viver o amor de Deus na ação. São bem-aventurados os que agem assim.
A promoção da paz, por sua vez, é também requisito básico para quem quer essa comunhão com Deus. Uma paz diferente da paz que o Império Romano oferecia, que não era outra coisa que não ordem, através do medo. A paz que Jesus propõe é o shalom; o bem integral do ser humano, sua boa relação consigo mesmo, com o próximo e com Deus. Os Filhos de Deus, os que o procuram, devem caminhar promovendo a paz.
Esse caminho de felicidade, de beatitude, de comunhão com Deus, de santidade portanto, não é bem uma lista, como dissemos, nem um manual, mas é expressão de uma relação profunda com o Pai e seu Filho Jesus Cristo. É um desejo de fazer a vida se parecer mais com o Reino dos céus. Sem sair de si mesmo, o ser humano será incapaz de fazer esse caminho. A credencial para quem se arrisca na abertura ao Reino é certamente ser perseguido, por causa da justiça. Mesmo aí, será preciso perseverar.
Muitos que se consideram mais santos que outros; santos, porque fazem certas coisas, acreditam em certas coisas, se dedicam a algumas devoções, evitam certos pecados específicos como uma obsessão, seguem certas condutas e criticam as que não o fazem, correm o grave risco de serem perseguidores dos que eles acham serem muito menos santos… Já trocaram de lugar com Deus… quiseram tanto ser anjos e acabaram se tornando pobres diabos.
Antes contar com Deus, que é quem se põe a caminho conosco, que é quem se faz caminho em Jesus, para que o possamos percorrer… Afinal, estar no caminho Jesus é para todo santo autêntico, a verdadeira alegria, a verdadeira bem-aventurança.
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