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212. Exigências do seguimento

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30.10.2025 | 11 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Diversos
212. Exigências do seguimento
Nos Evangelhos, Jesus não esconde dos discípulos as dificuldades que encontrariam no decorrer do caminho. Jesus sempre falou das pedras, das cruzes, dos inúmeros obstáculos do seguimento.

“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13,24). Para seguir Jesus é preci-so se esforçar. Cristo nos faz perceber que pequenas renúncias, possibilitam grandes conquistas. Ele nos pede esse esforço constante, mas também nos garante que sua graça estará conosco a cada dia. Sem a graça divina tudo ficaria mais difícil. 

Como disse Exupéry no livro O pequeno príncipe, “É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar”1.  Cada pessoa dá sua resposta dentro de suas possibilidades e Jesus, com sua graça, oferece um acompanhamento personalizado para cada discípulo. O profeta Ezequiel, inspirando-se na metáfora do pastor e das ovelhas, escreveu: “Procurarei a ovelha perdida, reconduzirei a desgarrada, enfaixarei a quebrada, fortalecerei a doente e vigiarei a ovelha gorda e forte. Vou apascentá-las conforme o direito” (Ez 34,16). 

O caminho de Jesus é exigente, mas Jesus só pede a cada discípulo o que cada um tem capacidade para oferecer. Jesus nunca impõe nada; ele propõe. E, como sabemos, toda proposta pode ser aceita ou recusada. Assim, diante das exigências de Jesus, alguns disseram sim; outros disseram que precisavam de tempo para pensar melhor, para amadurecer. 

No capítulo 6 do Evangelho de João, após a multiplicação dos pães, Jesus faz um grande discurso em que se apresenta como o Pão da vida. Depois de suas palavras, muitos se afastaram e não quiseram mais andar com Ele. Então, Jesus perguntou aos apóstolos: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67). A narração continua com a resposta de Simão Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente que tu és o Santo de Deus” (Jo 6,68-69). 

Os apóstolos compreenderam que, por mais difícil que fosse seguir Jesus, valeria a pena aventurar-se na estrada com Ele. As exigências fazem parte do caminho. Exigências nos fazem pensar em sacrifícios e renúncias. Queremos seguir Jesus, porém, evitamos nos comprometer com as exigências do seu Reino. E, assim, vivemos uma fé desarticulada com nossa vida. Uma fé intimista: um dos grandes perigos de nosso tempo. O encontro com Jesus, no entanto, nos convida a um constante aprofundamento. 

O esforço de seguir Jesus Cristo é o esforço de sempre retornar ao coração, onde moram as intenções de tudo: por que faço aquilo que faço? Por que escolho aquilo que escolho? Por que acredito em Deus? O coração é o motor da vida, é o motor da fé, é também o lugar onde nascem os venenos, as corrupções, as infidelidades [...] Tudo nasce do coração, e rezar é sempre retornar ao coração para que, do coração, nossas mãos, nossos pés, nossos olhos, nossa vida estejam mais sintonizadas com a vida de Jesus.2

As palavras de padre Maicon Malacarne nos ajudam a redescobrir a importância de vivermos uma fé mais integrada com nossa vida. Todo nosso ser precisa e deve estar mais sintonizado com Jesus. Hoje a palavra “integral” está em alta, é utilizada em diversos contextos. Ela chama nossa atenção para algo que está desintegrado. Nossa cultura ocidental possui uma forte característica de delimitar todas as coisas. Temos dificuldade em compreender as coisas de modo integral. Temos uma visão desintegrada ou fragmentada de nós próprios, do nosso corpo, da vida, da fé, do mundo, enfim, de tudo. 

Pensemos, por exemplo, no modo como nós nos compreendemos. Não olhamos para nós de modo integral: preocupamo-nos excessivamente com nosso corpo e esquecemo-nos de cuidar de outras dimensões humanas. O ser humano é um complexo: corpo, alma e mente. O apóstolo Paulo, numa de suas cartas aos Tessalonicenses, afirma: “Que o Deus da paz vos santifique inteiramente e que todo vosso espírito, alma e corpo seja conser¬vado sem mancha alguma para a vinda de Jesus Cristo” (1Ts 5,23). 

Em nossa caminhada cristã, muitas vezes vivemos uma fé desintegrada, sem vinculação com a vida. Apropriamo-nos da fé como de uma capa de chuva, que a gente põe e tira quando é necessário. A fé cristã, porém, exige bem mais que momentos de oração, piedade, culto e pequenas ações de caridade. A fé cristã exige uma vivência integral do Evangelho. Não somos cristãos apenas em alguns momentos do dia ou da vida. Somos cristãos em tempo integral, em todos os lugares: na família, no trabalho, na política, na igreja. Cada ação nossa precisa ser pautada pela fé cristã. O modo como a gente usa os recursos naturais, por exemplo, ou o destino que damos ao nosso lixo, tudo isso diz da nossa fé. Mostra se ela é uma fé ocasional ou uma fé integral. Desde o Concílio Vaticano II, a nossa Igreja tem chamado a nossa atenção para o cuidado com o nosso planeta, nossa casa comum. Essa também é uma das exigências do seguimento de Jesus, pois tudo está interligado. É tempo de superarmos essa visão fragmentada da fé e da vida e buscarmos uma compreensão mais integral. Precisamos nos esforçar para que “[...] aquilo que digo, aquilo que rezo, aquilo que faço, aquilo que vivo não sejam pedaços, mas a unidade do que sou”3. Essa é uma exigência da fé cristã.

Com Jesus, aprendemos a viver em comunhão e em harmonia com todas as coisas, compreendemos que somos parte integrante da criação e estamos conectados com tudo e com todos. “Olhai os pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros... Aprendei dos lírios do campo, como crescem. Não trabalham nem fiam...” (Mt 6,26-28). Jesus nos convida a viver em harmonia, buscando a comunhão. 

Outra exigência de Jesus é com a preocupação excessiva que temos com o futuro. É importante termos um planejamento, contudo precisamos aprender a viver a vida com mais leveza. “Não fiqueis preocupados com o dia de amanhã, pois o amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta seu mal” (Mt 6,34).
 
O cardeal vietnamita, Van Thuan, viveu uma experiência muito marcante em sua vida. Passou 13 anos na prisão durante o regime ditatorial imposto em seu país, entre os anos de 1975 e 1988. Aquela experiência tinha tudo para ser algo frustrante e, de fato, era. No entanto, ele soube fazer do exílio um testemunho de fé e esperança. Em seu cárcere, ele afirmou: 

É no presente que se inicia a aventura da esperança. Este é o único tempo que temos em nossas mãos. O passado já se foi, o futuro não sabemos se existirá. A nossa riqueza é o presente. Viver o presente é a regra dos nossos tempos. Nos ritmos frenéticos de nossa época, é preciso parar no momento presente: é a única chance de “viver” realmente e introduzir, desde já, a nossa vida terrena na direção da vida eterna4.
 
Podemos fazer de seu lema também o nosso: “Eu não vou esperar, quero viver o momento presente, preenchendo-o de amor”5. Aprender a viver cada instante de nossa vida com amor: eis o grande desafio. 

Jesus nos ensina a beleza da vida e nos ajuda a viver intensamente cada momento. Dentre as exigências do seu seguimento, encontra-se o desafio do calvário. A vida é sempre repleta de momentos desafiadores, e até mesmo muito dolorosos. Um dos grandes dilemas do ser humano é o que fazer nesses momentos; é saber como administrá-los sem perder a esperança e a alegria. 

O Evangelho de Lucas conta que, certa vez, em Nazaré – terra natal de Jesus – depois de uma pregação na sinagoga, os conterrâneos de Jesus duvidaram de suas palavras, fazendo-lhe críticas severas e até quiseram matá-lo.

Ao ouvirem as palavras de Jesus, todos na si¬nagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no para o alto do morro sobre o qual sua cidade estava construída, a fim de precipitá-lo. Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho (Lc 4,28). 

Diante de uma situação frustrante, Jesus encontra uma alternativa brilhante. Não se deixou abater pela rejeição dos compatriotas e seguiu o seu caminho. Talvez, por isso, quando foi fazer algumas recomendações para os discípulos, antes de saírem em missão, Jesus tenha sugerido: “Quando, porém, entrardes numa cidade e não vos receberem, saí pelas ruas e dizei: ‘até a poeira de vossa cidade que se grudou em nossos pés, sacudimos contra vós’” (Lc 10,10). O importante é seguir em frente, sem desanimar.

Uma outra exigência que o seguimento de Jesus faz é a simplicidade da vida: “Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias...” (Lc 10,4). Assim, Jesus viveu sua vida, com simplicidade, leveza, desapego. E nos ensinou a viver assim também. Quanto mais tralha a gente carrega, mais pesado fica o fardo ao longo do caminho.

E, assim, por ter vivido uma vida tão transparente e tão simples, Jesus acabou incomodando os poderosos de seu tempo e foi condenado à morte, e morte de cruz. Mas, abraçou a cruz com plena consciência e liberdade. “Ninguém me tira a vida, mas eu a dou livremente” (Jo 10,18). Em todos os momentos exigentes de sua vida – e, sobretudo, na hora da cruz –, Jesus nos ensina a dar um novo sentido às nossas dores. 

O psiquiatra Viktor Frankl enfrentou a experiência de viver em um campo de concentração nazista, durante a segunda Guerra Mundial. No livro Em busca de sentido, ele nos diz que “sofrimento de certo modo deixa de ser sofrimento no instante em que encontra um sentido, como o sentido de sacrifício”6. Ele próprio conseguiu ressignificar a horrível experiência do campo de concentração em experiência humanizante: É preciso “converter nosso sofrimento numa conquista humana. Quando já não somos capazes de mudar uma situação – podemos pensar numa doença incurável, como um câncer que não se pode mais operar –, somos desafiados a mudar a nós próprios”7

Com Jesus de Nazaré, vemos que é possível viver plenamente até na dor. Contemplando a cena do calvário, aprendemos de maneira ímpar que, mesmo em meio à tragédia, podemos nos reencontrar com a esperança. Mas é preciso lembrar: “o sofrimento não é de modo algum necessário para encontrar sentido. [...] Sofrer desnecessariamente é ser masoquista, e não heroico”8. Ninguém deve buscar o sofrimento. Deve apenas ressignificá-lo, ou seja, encontrar nele um sentido. Foi o que Jesus fez diante do injusto julgamento que recebeu. Não buscou a dor da cruz, mas ressignificou-a, transformando-a em salvação para o mundo.

Pensar nas exigências do caminho de Jesus, nos ajuda a vislumbrar os passos que ainda precisamos dar em nossa vida de fé. O caminho com Jesus é exigente, porém não é impossível. Não podemos permitir que o medo nos paralise. Jesus nos desafia a assumir o compromisso de mudar a nós próprios. Obstáculos sempre teremos, mas vale a pena nos esforçamos para passar pela porta estreita, pois a graça divina nos sustenta em cada passo do caminho. 

Vale lembrar-se do conhecido conselho de Inácio de Loyola: “Trabalha como se tudo depen¬desse de ti, confia como se tudo dependesse de Deus” . Na estrada do Evangelho, é importante cultivarmos essas duas atitudes: esforço e confiança. 

Guimarães Rosa, no conto A hora e a vez de Augusto Matraga, resume de modo literário essa constatação teológica: 

Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que às vezes custa muito a passar, mas que sempre passa. E você ainda pode ter um muito pedaço bom de alegria [...] Cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua10.

Assim, inspirados pelo conselho iniaciano e pela prosa de Guimarães Rosa, descobrimos o segredo para conseguirmos viver as exigências de seguir a Jesus: rezar e trabalhar, confiar e agir. Fazer a nossa parte e acreditar que Jesus não nos deixa desamparados.
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1 SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Tradução de Dom Marcos Barbosa. 43. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1996. p. 38.
2 MALACARNE, Maicon André. No princípio, o Verbo. São Paulo: Loyola, 2024. p. 63.
3 idem.
4 VAN THUAN, François Xavier Nguyen. Testemunhas da esperança. São Paulo: Cidade Nova, 2022. p. 61.
5 idem, p. 66.
6 FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido. 58. ed. Petrópolis: Vozes, 2023. p. 138. 
7 idem.
8 idem.
9  INÁCIO DE LOYOLA não deixou registrada essa expressão em seus es¬critos, no entanto, é possível intuí-la em alguns dos seus Exercícios Espiri¬tuais. Esse conselho inaciano também é traduzido de uma outra forma: “Aja como se tudo dependesse de você, sabendo bem que, na realidade, tudo depende de Deus”. Semana de Inácio de Loyola – 1º Dia. Disponível em: https://magisbrasil.org.br/semana-de-inacio-dia1/. Acesso em: 30 jan. 2025.
10  ROSA, João Guimarães. Sagarana. 71. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2013. p. 356.


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