211. Voltou para casa justificado
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27.10.2025 | 4 minutos de leitura
Diversos

É segredo para alguém que a fé se pode tornar um grande instrumento de autoglorificação? A piedade, a religião, tudo pode servir para vanglória do próprio ego: para a egolatria. Há muita fé por aí que dá mais testemunho da falta de fé, e isso não é segredo nenhum. No lugar de fé, o que está presente muitas vezes é aquele sintoma de onipotência, e também a pretensão de conquistar um lugar ao sol e, assim, dar vazão aos desejos inconfessos de poder, domínio e submissão do outro. Além disso, no altar de muita gente, está não o Senhor, mas ideais terríveis, em que se põe toda a confiança... até que, como ídolos com pés de barro, esses ideais se quebram.
E quem nunca presenciou ou foi vítima de uma oração que não era dirigida bem a Deus, que não era relação íntima com o Pai, celebração de um encontro ou da comunhão com Deus, mas era um ataque? Era a oportunidade de verbalizar os próprios interesses como se eles pertencessem a Deus, a chance de manipular ouvintes e chantagear consciências... Quem nunca experimentou tal coisa, ouvindo o outro ser atacado ou sendo a própria vítima? É a oração como veiculação de desprezos, preconceitos, venenos atrozes. Triste realidade!
Assim parecem ser muitas vezes a fé e a oração, usadas como instrumentos de autorreferenciamento e violência contra o outro.
Dois homens sobem ao templo para rezar, conta Jesus. Um é religioso exemplar: cumpre a lei, jejua, paga o dízimo, evita pecados. É correto, é preciso, é uma tábua de tão reto; eliminou de si toda tortuosidade. E agora, depois de ter se corrigido plenamente, assim ele acredita, pode finalmente se sentir... melhor que alguém. Ele não fala com Deus, mas consigo mesmo, como diz o texto. Seu agradecimento não é ação de graças, mas é uma comparação orgulhosa. A oração é apenas sua autorreferência, a exaltação de sua própria justiça. Do outro lado, está um coletor de impostos, um publicano – um pecador público, detestado pelos judeus, colaborador dos romanos. Ele fica à distância, pois assim deve imaginar que mereça ser tratado pelo Deus que lhe ensinaram: como alguém que deve experimentar as lonjuras do amor divino. Não levanta os olhos e bate no peito, sinalizando sua humildade e arrependimento sincero. Não diz muitas palavras, não se autoglorifica e, em vez de pedir reconhecimento, pede reconciliação: “Ó Deus, tem piedade de mim, pecador”. E, assim, volta para casa justificado.
Deus nos justifica, porque sua salvação e perdão são atos seus, não méritos nossos. Não há nenhuma virtude nossa, nenhum mérito ou confiança em nossa própria justiça que possa nos justificar, senão a confiança em Deus e em sua misericórdia. E para quem serve a misericórdia afinal senão para quem sabe que precisa dela e a procura? O que pode Deus diante daqueles que, sufocados pelo próprio ego, não deixaram espaço algum para ele?
A fé e a oração não são performances, e dizer isso numa cultura em que tudo vira performance, tudo é espetáculo, tudo é vitrinizado, até mesmo a fé, é fundamental. Oração é relação, não performance. A humildade da oração do publicano, por sua vez, não é artificial, nem um artifício – como aqueles cada vez mais conhecidos, inclusive, como manipulação e chantagem. Aqui, sua oração é um exemplo da honestidade do coração, da coragem de dizer-se, da audácia de se pôr em questão. Quem se humilha será exaltado, diz o texto, e isso não é convite a teatralizar humildade, mas é ter coragem de fazer da oração um diálogo honesto. No fundo, a oração é um convite não à tentação de nos distinguirmos, confiando nas nossas justiças, mas é um convite à reconciliação, ao refazimento dos laços. Por isso, a oração honesta é o lugar da graça: nela, o pecador descobre que Deus o salva, e o “justo” descobre que também precisa ser salvo... a começar de si mesmo.
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