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257. Deus é amor

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25.05.2021 | 5 minutos de leitura
Diego Lelis Cmf
Crônicas
257. Deus é amor
“Venha logo ao nosso encontro a tua misericórdia” (Sl 79,8)

“Os homens ferozes e vingativos
imaginam um Deus feroz e vingativo”
(Rubem Alves)

Não raro escutamos uma ou outra pessoa atrelando uma graça ou uma mazela da vida à ação de Deus em retribuição a uma boa ou uma má conduta. Essa imagem de Deus, como um banqueiro que nos recompensa a partir das nossas faltas e dos nossos acertos, é muito forte na concepção bíblica do Antigo Testamento e, na atualidade, voltou a povoar o imaginário religioso.
Diversos livros da bíblia tratam dessa teologia retributiva. Uns apoiam-na; outros mostram sua caducidade, como é o caso do livro de Jó. Quando sobreveio a desgraça sobre Jó, três amigos acusam-no de não ser um homem temente a Deus ou de ter se afastado da Lei do Senhor. Seria esse o motivo dos infortúnios de Jó, diziam eles. Ao contrário dos amigos da onça, Jó está seguro de sua justiça e da bondade de Deus.  Assim, o livro combate a Teologia da Retribuição.
Lamentavelmente, essa teologia não ficou no Antigo Testamento. No tempo de Jesus, ela parece estar ainda muito presente, como retratam os evangelistas. Basta recordarmos a pergunta feita pelos discípulos acerca do cego de nascença: “Mestre quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9,2). E Jesus de prontidão respondeu: “nem ele e nem seus pais” (Jo 9,3). O evangelista está certo de que as dores e as mazelas da vida não são castigos divinos em decorrência da nossa infidelidade. Antes, fazem parte da frágil condição da existência humana. A acusação imputada a Jó por seus amigos é transferida para o cego de nascença. Permanece a mesma teologia torta que parte de uma visão equivocada de Deus. Nota-se, pois, que para os discípulos, parece difícil sair das tramas das teias da teologia retributiva. Eles não tinham ainda compreendido o discurso e a prática de Jesus, que revelam a face amorosa e misericordiosa de Deus, o seu Pai.
Em tempos de pandemia, o discurso do castigo divino ganhou destaque de novo. No começo deste ano, por ocasião da data do carnaval, não faltaram imagens circulando nas redes sociais falando da pandemia como uma vingança de Deus por, no ano anterior, uma escola de samba ter representado, no desfile, Jesus Cristo sendo açoitado por Satanás. São cristãos que têm dificuldade de entender a derrota de Cristo; não conseguem pensá-lo como um fracassado, pois tem imagens megalomanômacas de Deus e entendem-no como um mágico todo poderoso que pode fazer o que quiser. Não percebem que a vitória de Jesus sobre a morte não significa que a fraqueza foi vencida, mas sim que ela foi assumida na sua totalidade e, por isso, transfigurada. Agem como os discípulos que, em direção a Emaús, lamentavam a morte do Mestre, pois esperavam um messias invencível e tiveram seus planos frustrados.  A ressurreição não suprime a morte; ela mostra de que lado ele está da história está Deus ressuscita: do injustiçado, do oprimido, do desprezado...
Hoje, longe do evento do carnaval, as reflexões nessa linha teológica continuam. O nosso país se aproxima da marca de 450 mil mortos pela Covid-19 e, muitas pessoas, dentre elas líderes religiosos das mais diversas religiões e denominações cristãs, continuam com o discurso de que estamos padecendo todos esses flagelos por vingança de Deus.
Essa precária explicação teológica faz pensar. Será que realmente entendemos a mensagem de Jesus Cristo que nos revela um Deus que ama, perdoa e não nos julga conforme exigem nossas faltas? Ou continuamos com a imagem de um Deus que, à nossa imagem e semelhança, é cruel e punitivo como nos mostram as imagens antropomórficas do Antigo testamento?
Para essa teologia às avessas, estamos longe de uma solução. Mas, para a pandemia, a solução já foi encontrada: a vacina, o distanciamento social e a higiene. Apesar disso, muitos têm optado por continuar negando a realidade, negando a ciência, desacreditando que a vacina é a solução para a crise sanitária na qual o mundo e, sobretudo, o Brasil está mergulhado. Amparam-se em falsas imagens de Deus, que o mostram como juiz e carrasco, que teria se ofendido com um desfile de escola de samba. Será que esse é o Deus apresentado por Jesus Cristo ou é um deus que criamos para corporificar e justificar nosso distorcido conceito de justiça?
A pandemia trouxe à tona não só as fragilidades sociais, mas a precariedade da teologia popular. Em vez de entender Deus como aquele que nos fortalece em meio a esse pandemônio, dando-nos esperança para suportar as angústias e criatividade para vencer os desafios, atrevemos a depreciar sua imagem e relegá-lo ao nível de nossas crueldades. Triste realidade teológica. Nunca é demais lembrar o refrão litúrgico, que a Igreja canta por ocasião da oração do Sl 79: “O Senhor não nos trata como exigem as nossas faltas”.