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301. Contemplando o mistério

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21.07.2025 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
301. Contemplando o mistério
“Eu falei sem nada entender de maravilhas
que ultrapassam meu conhecimento” (Jo 42,3)

Tudo está vestido de solenidade e de nudez. 
Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras”.
(Sophia de Mello Breyner)

Foi-me dada a graça de conhecer um lugar misterioso e belo, tão belo quanto envolto em mistério. Foi há 2 anos e meio atrás que pus pela primeira vez os pés no Parque Estadual Terra Ronca, em Goiás. Na minha primeira estadia, visitei duas grutas: Terra Ronca 1 e São Bernardo. Fiquei chocada e intrigada. Era preciso voltar para descer de novo aquelas escavações subterrâneas e mergulhar no mistério da vida e da natureza, agradecendo a Deus por contemplar tal beleza, ainda mais depois de saber que uma das grutas tem o nome de minha irmã, Angélica, de quem cuidei tanto tempo e a quem amei de todo o coração. Desta vez, visitamos mais duas grutas: Angélica, já prometida, e São Mateus, uma novidade que superou toda expectativa.
A gruta Angélica está numa propriedade particular dentro do parque (por isso se paga uma taxa de entrada) e pode ser feita por pessoas com um mínimo de mobilidade e disposição. Duas crianças curiosas (de 3 e 5 anos) compunham nossa expedição com seus pais e me surpreenderam, pois fizeram todo o trajeto sem nenhuma reclamação. Foi uma experiência incrível entrar e sair daqueles salões monumentais, esculpidos pela natureza e artisticamente ornamentados pelas mãos das águas calcáreas. Espeleotemas mágicos, com formatos diversos, que nos faziam sentir dentro de verdadeiras catedrais góticas, superando em muito a arte humana. O salão dos espelhos com imagens duplicadas, fruto de uma lâmina d’água, é um caso à parte, pois tanta beleza não pode ser dita a não ser experimentada. Corremos o risco, como disse Jó, de falar de coisas que ultrapassam nosso conhecimento. No entanto, é preciso dizer o inefável, o não-dizível, pelo menos tentar fazê-lo, com humildade e reverência, para glorificar o Criador do mundo, cujas mãos artífices produziram e produzem tanta lindeza. 
Dentre as indizíveis experiências do mistério daquelas vagas profundas, encontra-se a experiência da escuridão plena e do silêncio absoluto, que me transportaram para os braços do artífice da vida. Até as crianças se submeteram à escuridão e ao silêncio com reverência admirável, quando orientados pelo guia. Depois de momentos de breu profundo, as luzes das lanternas se acendiam descortinando novas cores e formas, novos detalhes e sutilezas, que só as almas sedentas são capazes de captar. Eu estava no paraíso e tinha medo de acordar.
No dia seguinte, fomos para a gruta São Mateus, eu – pobre coitada! – achando que já não me surpreenderia com mais nada. Duzentos metros abaixo da terra, passando por túneis estreitos e despenhadeiros gigantes, adentramos (5 pessoas) mais um pouco no mistério da criação. Rio subterrâneo caudaloso e com corredeiras, água gotejando do teto formando novos espeleotemas delicados e finíssimos, cachoeirinha de águas calcárias formando espeleotemas gigantes em formatos de cortina e esculturas diversas. Eu podia morrer ali, como Jó, que diante do mistério, nada mais podia falar, restando-lhe contemplar a grandeza do Criador da vida. Tudo estava revestido de uma solenidade e de uma nudez absurdas e, como Sophia Mello, eu queria encostar minha cara nas pedras e chorar de gratidão. 
Lembrei-me de Teilhard de Chardin, grande teólogo francês do século XX, de sua contemplação do mundo, do Cristo cósmico para o qual estamos destinados, da missa que acontece no altar do mundo e que nem percebemos por falta de sensibilidade poética e de olhos penetrantes. Lembrei-me de Francisco de Assis, de seu amor apaixonado pela criação, de sua pertença ao planeta e sua irmandade com cada ser criado. E também chamei a terra e a água de irmãs, e louvei por suas maravilhas. Lembrei-me também de Francisco, o papa argentino, o homem da Laudato Si’. E agradeci por eles.
Então rezei. Rezei como há muito tempo não rezava. Rezei com alma apaixonada, com o coração vibrante, com a consciência de pertença ao cosmos, com o corpo fadigado e suado, molhado das águas do rio e lambuzado da poeira da caverna. Pus a mão sobre a boca e contemplei. Não havia palavras capazes de traduzir o que eu sentia. Meu ser era todo louvor e gratidão.
Gratidão a Deus pela mãe terra, pela mãe água... Pelo nativo curioso que descobriu as cavernas e mapeou cada uma delas, sr. Ramiro. Pelos guias que nos levaram pelas profundezas da terra em segurança, apesar de saber que nenhuma segurança é total diante dos abismos. Pelos companheiros de expedição que fizeram essa aventura comigo. E por ser de um país que protege minimamente suas riquezas naturais, mesmo sabendo que isso tudo é tão pouco diante do que deveria ser feito. E, por fim, supliquei como nunca: rezei por todos os humanos, tão desconectados do cosmos e da vida natural. E supliquei pela igreja, pelos cristãos, pedindo que uma espiritualidade ecológica nos domine e nos dê juízo para não explorar ou esgotar esse mundo tão belo; pedi que cada cristão se torne guardião da criação e de suas belezas misteriosas, que nos remetem a Deus, o Criador.

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