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1. O bálsamo de Galaad

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02.02.2014 | 6 minutos de leitura
Frei Antônio Fabiano
Crônicas
1. O bálsamo de Galaad

Há um tradicional hino (spiritual) afro-americano, cantado há séculos pelas tradições protestantes norte-americanas, que se refere a um determinado “bálsamo de Galaad”. Um bálsamo é uma substância aromática, geralmente composta de resinas, óleos de essências etc. Mas pode ser um óleo usado para alívio de dores, cura de feridas, com propriedades balsâmicas. Um bálsamo é quase sempre sinônimo de perfume, mas também, figurativamente, de consolo, de alívio...


Galaad na Bíblia – a leste do Jordão e ao norte do Jaboc – é particularmente o lugar associado a bálsamos e aromas. De fato, Galaad ou Guilead aparecerá dezenas e dezenas de vezes na Sagrada Escritura, de modo que não é um nome estranho, mas bem familiar ao conhecimento geográfico e alegórico do povo de Deus.


spiritual a que me referi canta, portanto, que há um bálsamo em Galaad... Esse canto faz clara alusão ao Antigo Testamento. Vejamos alguns exemplos bíblicos, para ilustração do tema.


Em Gn 37,25 quando os irmãos de José o lançam na cisterna para matá-lo, assim que levantam os olhos veem passar a caravana dos ismaelitas, vinda de Galaad, com seus camelos carregados de gomas aromáticas, bálsamos e ládanos ou resinas perfumadas, rumo ao Egito. A estes mercadores, o futuro José do Egito é vendido, dando assim curso ao misterioso desígnio de Deus, que se desvelará numa das histórias mais surpreendentes da escritura santa.


Outra referência emblemática feita a Galaad, no-la encontramos no livro de Jeremias. Ali, o profeta confessa em pungente lamentação: “Sem remédio, a dor me invade, / o meu coração está doente! / Eis o grito de socorro da filha de meu povo, / de uma terra longínqua. / ‘Não está mais o Senhor em Sião? / Seu Rei não está nela? (...)’ Por causa da ferida da filha do meu povo eu fui ferido, / fiquei triste, o pavor me dominou.” (cf. Jr 8,18-21). Em meio a esse quadro de desolação se insinua o poder do misterioso bálsamo de Galaad: “Não há um bálsamo em Galaad? / Não há lá um médico? / Por que não progride / a cura da filha de meu povo?” (Jr 8,22). Essa ideia reaparece mais adiante, em Jr 46,11. Aí, enfaticamente, se dirá: “Sobe a Galaad e toma contigo [procura] o bálsamo”...


Também uma rápida visita ao Cântico dos Cânticos, o livro mais apaixonado da Bíblia, poderá nos deixar perplexos, pela incrível variedade de odores, óleos que escorrem, bálsamos, mirras, cheiros de mandrágoras, vinha... Tudo, da primeira à última página, perpassado de erotismos. Lá, mais que o vinho, nos embriagam tais perfumes!...


E o apóstolo Paulo, no Novo Testamento, nos fala do bom odor de Cristo: para ele o cristão deve exalar o perfume de Jesus.


Mas voltemos ao canto... Apesar de suas raízes estarem fincadas no Antigo Testamento, ele assumiu na boca e no coração dos negros norte-americanos uma conotação totalmente cristã, neotestamentária, estreitamente ligada ao conceito de salvação em Jesus Cristo. Canta-se, inclusive, em uma de suas mais conhecidas estrofes, o próprio Espírito Santo, que nas tradições cristãs é também associado à unção, bálsamo, óleo, poder de cura...


São inúmeras as versões deste hino, interpretadas pelas mais humildes e célebres vozes. O “Bálsamo de Galaad” tornou-se um verdadeiro clássico! Porém, refrão e estrofes podem variar muito, de acordo com o tempo e o lugar de sua execução. Aqui, transcrevo apenas o começo de uma das mais conhecidas versões:


“There is a balm in Gilead
To make the wounded whole;
There is a balm in Gilead
To heal the sin-sick soul.


Some times I feel discouraged,
And think my work’s in vain,
But then the Holy Spirit
Revives my soul again.”


 Eu traduzo este trechinho da seguinte forma:



 Há um bálsamo em Galaad
Capaz de curar todos os feridos.
Há um bálsamo em Galaad
Que cura toda alma enferma de pecado.
 
Às vezes eu me sinto cansado
E penso que meu trabalho é vão.
Mas então o Espírito Santo vem
E reaviva minha alma outra vez.

 Viver é, como dizemos muitas vezes, arriscado demais!... Não se vive tanto, nem se vive de verdade, sem algumas marcas. Nossa existência é alternada por dias bons e dias não tão bons, por estações diversas (pelo menos quatro...), por momentos de felicidade, tanto quanto pela realidade do sofrimento ou da perda, dias de luto e dias de cobrir nossos farrapos com adornos de alegria! Agora é sombra ou claridade? Treva ou luz? Nossas escolhas determinarão o que ao fim se dirá da nossa existência. Pois alguém pode até encontrar razões para ser triste, mas nunca o será por falta de felicidades possíveis!


Ora, nós veremos que se chegamos até aqui (exatamente ao ponto da vida onde nos encontramos), é porque fomos além, não paramos de vez no meio do caminho, não desistimos, apesar dos cansaços. E não se vai tão longe sem muitas marcas, bolhas nos pés, feridas na alma, sofrimentos, derrotas, decepções... Tudo ao lado das muitas conquistas, alegrias, insígnias de glória, primaveras, sol, vitórias!... Em certo sentido somos, como diz o Apocalipse de São João, vencedores de muitas tribulações! Quero enfatizar “vencedores”, mas sem esta de embarcar nos trens baratos da autoajuda.


Os antigos guerreiros não se envergonhavam das cicatrizes que traziam das lutas, muito pelo contrário, orgulhavam-se delas! Também Jesus não apagou, depois da ressurreição, as marcas da cruz. Ele mostrou-as aos seus discípulos como sinal de vitória! Os que se dizem seus seguidores carregam, igualmente, pela fé as suas marcas; e, infelizmente, muitas outras. O que há em nós nem sempre é pacífica cicatriz, mas, às vezes, inflamadas chagas. E, isso, obviamente dói e precisa ser tratado! Mas não nos assombremos, aborda-se aqui a maravilhosa condição humana! Anjos não têm feridas, nem dores de dente! Humanos, sim! E o que somos? Ser anjo deve ser muito chato! Deus nos livre! Ser humano é bom e já nos basta!...


Falei hoje desse misterioso bálsamo de Galaad porque, em meio às agitações do cotidiano e tsunamis da vida, talvez nos convenha parar para rever conceitos, abolir alguns dos muitos preconceitos que sustentamos (inclusive nas religiões), reconfigurar nossa visão de mundo e demais perspectivas, deixar, sempre de bem com a vida, esta mesma vida nos levar... E (re)começar a ser pessoas ainda melhores do que já somos!


Há um bálsamo em Galaad! Busquem-no! E, quando o encontrarem, dividam-no com todo mundo.


“THERE IS A BALM IN GILEAD”… (para ouvir siga os links)


Versão moderna: http://www.youtube.com/watch?v=BN9JALQRMb0


 Versão tradicional: http://www.youtube.com/watch?v=DFMY4V7RdbU&feature=fvwrel







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