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90. Os cristãos não precisam de igrejas

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07.04.2021 | 6 minutos de leitura
Tânia da Silva Mayer
Diversos
90. Os cristãos não precisam de igrejas
A teologia é o prazeroso e exigente exercício de dar razões da fé a todas as pessoas, em todo tempo e lugar, a fim de que tudo o que Deus manifestou ao mundo e ao ser humano não se torne esquecido e não seja apagado com o passar das épocas. Nesse aspecto, nesse cenário fragmentado em que vivemos, no qual prevalecem negacionismos e fundamentalismos, como outras ciências, a teologia se vê obrigada a retomar as razões mais elementares da fé, razões que deveriam estar esclarecidas para todas as pessoas que foram iniciadas e para aquelas que ouviram minimamente os ensinamentos de Jesus. Por isso mesmo, parece que a teologia está impedida de ajudar as pessoas a se aprofundarem ainda mais no mistério pascal de Cristo, porque está ocupada em dizer uma vez mais o que é matéria de um primeiro anúncio.

Em todo caso, é dever nosso insistir nas razões de nossa esperança que parecem não fazer sentido para muitos que se confessam cristãos na atualidade. Especificamente, é um contrassenso toda a discussão político-legislativa que se instaurou em razão do fechamento das igrejas e templos nesse momento agudo da pandemia em nosso país. Precisamente, esse contrassenso decorre do fato objetivo de que as atividades religiosas aglutinam e aglomeram \"assembleias\" de fiéis que, como quaisquer outras pessoas em situações de aglomeração, correm o risco de se infectar e contaminar muitas outras pessoas, ao atuarem como espalhadores de uma doença que mata quem tenha ou não vínculo com uma instituição religiosa. Por isso, a discussão ao redor das atividades religiosas cristãs, que essencialmente reivindicam a reunião da comunidade – dois ou mais –, não deveria nem acontecer, partindo do pressuposto de que o distanciamento social é uma escolha viável de amortecimento do número de casos e consequente diminuição das vítimas fatais e do fato de que aos cristãos é dever maior a defesa da vida digna para todos, devendo, portanto, prezar pelas medidas, ainda que duras, que garantam essa premissa.

Mas é exatamente o contrário disso que temos presenciado no comportamento de parte das igrejas cristãs que há mais de um ano insistem em reunir os fiéis para os cultos e celebrações. Algumas portas de igrejas e templos nunca se fecharam ao longo desse tempo e funcionam na clandestinidade, diante da lei civil e da própria fé. Nesse momento, à revelia do crescimento exponencial de mortes e contaminações diárias pela doença, grupos religiosos apelam para que seus espaços possam aglomerar as pessoas – em nome de Jesus – sob o argumento de ser a prática religiosa uma atividade essencial nesse momento. Não se pode negar que a religiosidade é uma dimensão humana que projeta a pessoa para um nível de relação na qual sua vida é lida a partir de um horizonte de sentido e que esse mesmo sentido é o que norteia nossas existências. Do ponto de vista da fé, é ela que mobiliza nossa esperança, apesar do medo e da dor, e nosso engajamento ético diante dos outros e do mundo, à luz que reverbera da experiência cristã de Deus no mundo e na horizontalidade das relações. Por essa razão, é intolerável que religiosos reivindiquem do alto da arrogância farisaica a realização de atividades que podem levar os próprios fiéis à morte.

É preciso considerar que os cristãos sempre escolheram espaços nos quais pudessem se reunir para celebrar a fé e permanecerem unidos em comunhão. Esses espaços são sagrados para as comunidades, porque acabam se tornando a casa do povo de Deus. Mas esses espaços só podem ser considerados de tal maneira porque o espaço sagrado por excelência são as pessoas. Não sem razões, Paulo, o Apóstolo, já ensinava que somos santuários de Deus, templo no qual habita o Espírito Santo (cf. 1Cor 3; 6). Nesse sentido, vê-se que o lugar no qual os cristãos se reúnem é menos importante que as próprias pessoas e depende exclusivamente delas.

Posto isso, ademais, é importante considerar que a catequese que Jesus realiza com a mulher samaritana junto ao poço de Jacó (cf. Jo 4,1-26) continua válida para nós hoje. É preciso recordar que aquela mulher, ao ser interpelada por Jesus, fala com ele da vida e levanta a problemática da religião verdadeira, se a dos judeus, que adoram a Deus no templo de Jerusalém, ou se a dos samaritanos, que prestam seu culto a Deus no monte Garizim, local simbólico para aquele povo porque ali havia um templo que foi destruído pelos judeus. Diante da questão levantada pela mulher, Jesus ensina que essa briga não vale de nada, porque os verdadeiros adoradores que o Pai procura são aqueles que adoram a Deus \"em espírito e verdade\" (cf. Jo 4,23). Nesse aspecto, nem em Jerusalém e nem em Garizim, mas a adoração se realiza no encontro com o próprio Jesus, o templo de Deus por excelência. A \"adoração em espírito e verdade\" não significa as práticas espiritualistas e desencarnadas da realidade mundana, como realizam alguns grupos e igrejas cristãs, pelo contrário, essa adoração consiste em viver uma vida conformada à vida de Jesus, isto é, viver a prática do amor aos outros e a Deus de modo a promover a vida de todos e romper com as estruturas sociais ou religiosas que impulsionam e geram mortes.

Nesse sentido, retomando a catequese de Jesus uma vez mais, não é cansativo afirmar que os cristãos não precisam de igreja ou de templo para praticarem sua fé, precisamente porque a fé deve ser vivida intrinsecamente no cotidiano à medida que buscamos e nos esforçamos por viver uma vida semelhante à vida de Jesus que é incapaz de negar o que as pessoas estão vivendo, seus sofrimentos e alegrias, suas tristezas e desesperanças. Por isso, do ponto de vista da fé, não há justificativas para requerer na justiça a abertura de igrejas e templos para fiéis realizarem suas práticas religiosas num momento grave em que a prática que a fé nos exige é aquela que faz de nós uma comunidade de cuidadores da vida uns dos outros e não crentes alienados que caminham subservientes e de mãos dadas com práticas e piedades que nada têm a ver com o cristianismo de Jesus, porque prestam culto à morte em total desprezo pela vida individual e dos outros.