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193. Jesus: novo jeito de caminhar

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31.07.2025 | 10 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Diversos
193. Jesus: novo jeito de caminhar
Se Deus se revela no rosto do outro, tomamos consciência de que a nossa vida pode ser resumida na fascinante aventura de perceber os rastros da revelação de Deus em nossa vida, na história e no mundo. Procuramos a Deus, buscamos conhecer seu rosto, mas, na verdade, é ele quem nos procura e vem ao nosso encontro. O Papa Francisco disse: “Deus é assim: está sempre à nossa procura e à nossa espera. Não nos esqueçamos disto: o Senhor procura-nos e espera-nos sempre, sempre!”1

Fernando Sabino, no seu livro O Encontro Marcado, escreve: “De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar”2.

De fato, na vida, temos sempre diante de nós apenas estas três coisas, estas três possibilidades, estas três certezas: a certeza de que estamos sempre começando, a certeza de que é preciso continuar sem desanimar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Meditemos um pouco sobre essas certezas que a vida nos oferece. 

A primeira certeza: “estamos sempre começando”. A vida é um começo sem fim. A cada momento estamos iniciando. Somos eternos aprendizes na arte de viver. Dar o primeiro passo, o chute inicial, é sempre mais difícil, mas é preciso ousar, pois pequenos passos podem desembocar em grandes acontecimentos. 

A segunda certeza: “é preciso continuar”. Após começarmos algo, a vida segue nos impulsionando a prosseguir firmes continuando o que começamos. Não basta apenas ter iniciativa, é preciso que tenhamos também a tão desejada “acabativa”. Não basta dar o primeiro passo e depois ficar parado. É preciso continuar a caminhada.

A terceira certeza: “podemos ser interrompidos antes de terminar”. Essa terceira pode gerar certa angústia. É muito doloroso interromper o que começamos. É muito difícil atrasar os sonhos que desejávamos realizar, mas a interrupção também faz parte do caminho. No entanto, é interessante perceber que qualquer interrupção, por mais brusca que seja, não consegue frear a vida. A interrupção na verdade nos convida a reinventar a vida. Quando a vida nos força a interromper aquilo que nos programamos a fazer, somos chamados a recomeçar. Começar de novo, pois “de tudo ficam três coisas...”
 
Só há uma maneira de começar outra vez: ressignificando a nossa vida, relendo nossa exis¬tência com criatividade. Voltemos a Fernando Sabino. Depois de revelar as três certezas que temos na vida, o escritor conclui: “Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro”. Até a interrupção pode ser ocasião de criatividade, de novos des¬pertares e de novos caminhos.

O caminho é uma palavra importante para Jesus e para os discípulos. Estamos sempre a caminho, estamos sempre fazendo nossa travessia. E podemos nos perguntar: “Como fazer o nosso caminho? Como dar esse passo a mais?”. Para responder essas questões, podem nos iluminar os versos de Renato Teixeira e Almir Sater, na canção Tocando em frente. “Penso que compreender a vida seja simplesmente compreender a marcha, ir tocando em frente; como velho boiadeiro le-vando a boiada, vou tocando os dias, pela longa estrada; estrada eu vou, estrada eu sou”. 

Caminhamos pela estrada, mas também somos a estrada pela qual caminhamos. Por isso, é importante tocar em frente, seguindo a marcha na longa estrada da vida e na longa estrada do Evangelho. Com Jesus de Nazaré, temos a oportunidade de recomeçar a vida todos os dias, ressignificar a nossa história aprendendo que é possível fazer da interrupção um caminho novo. 

Podemos cair na tentação do comodismo, da inércia, por medo de fracassar ou de errar. A fé, contudo, nos leva a prosseguir decididamente. Lembra-nos Dom Tolentino: “Há momentos em que temos a necessidade de recomeçar tudo de novo. Sentir que o apelo da viagem é mais necessário que as cadeiras. Ou, como dizia Dom Quixote, que a estrada tem mais a nos ensinar do que a estalagem”3.

 O encontro com Jesus nos desperta para essa dimensão “quixotesca” da fé; a vocação à itinerância é inerente à fé cristã. A fé nos impulsiona a ir para a estrada e a enfrentarmos os riscos do caminho. Afinal, “peregrinar com fé é abrir caminhos”. E Jesus de Nazaré sempre ousou abrir novos caminhos. 

Num trecho do Sermão da Montanha, Jesus diz aos seus discípulos: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para completar” (Mt 5,17). Jesus não aboliu a antiga Lei, até porque ela tinha muitos valores importantes. Mas Ele não veio para abolir a Lei. Ele a interpreta de um jeito novo, capaz de iluminar nossa maneira de agir. Por isso, Jesus continua o seu discurso dizendo: “Ouvistes que foi dito, olho por olho, dente por dente! Eu, porém, vos digo, não ofereçais resistência ao malvado! Pelo contrário, ao que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra! Ao que quiser te processar para tomar tua túnica, dá-lhe também o manto! Se alguém te obrigar a acompanhá-lo por mil passos, caminhe dois mil com ele! (Mt 5,38-42)”. 

Esse é o caminho aberto por Jesus. A Lei diz que não devemos matar ninguém. Jesus, no entanto, espera algo a mais de nós. Não basta não matar; é preciso ser bom para todos, ser mais caridoso, mais paciente. É preciso não deixar a raiva tomar conta de nós, não permitir que nossas palavras possam ferir alguém. O discípulo de Jesus precisa aprender a olhar sempre para dentro de seu coração, para sua interioridade. Os grandes dilemas e as grandes escolhas da existência passam sempre pelo coração. E, assim, veremos que em cada situação de nossa vida, seremos convida-dos a dar um passo além do esperado. 

Com Jesus, descobrimos que não é nada fácil abrir novos caminhos. Preferimos sempre andar por caminhos asfaltados, caminhos aplainados. Os caminhos que conhecemos estão todos prontos, mas, nem sempre, esses foram assim. As estradas iniciam-se de maneira muito discreta. Primeiro, no meio do mato, vai-se aos poucos abrindo uma trilha. Devagar o mato vai desaparecendo e, no chão, começam a surgir as marcas dos passos de quem por ali passa. Algum tempo depois, de tanto passarem por aquela trilha, vê-se a necessidade de alargá-la. Então vem alguém com um trator e a máquina revira, desaterra, nivela o solo e, assim, aos poucos, a trilha vai se transformando numa estrada. 

Porém, não são essas as estradas que nos interessam. A intenção deste livro não é falar sobre rodovias ou estradas vicinais. Queremos refletir sobre outras veredas, meditar sobre as estradas da fé e a nossa travessia existencial. Sobre esses caminhos, Jesus de Nazaré nos guia, nos orienta e nos ensina um jeito novo de caminhar. Afinal, Jesus foi um desbravador de estradas; Ele abriu caminhos ousados e repletos de criatividade. 

Relembremos alguns caminhos por onde Jesus passou. Jesus peregrinou pelas ruas de Nazaré, Jerusalém, Cafarnaum, atravessou o deserto, subiu e desceu montanhas, andou pelas areias do Lago de Genesaré, se pôs a caminho de cidades vizinhas, lugar de gentios ou pagãos... Marcos diz que as pessoas ficavam admiradas com o estilo de Jesus e diziam: “Tudo Ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37). 

Na Encíclica Cristo Vive, o Papa Francisco escreveu: “Jesus caminha entre nós, como fazia na Galileia. Ele atravessa nossas ruas, para e nos olha nos olhos, sem pressa. Seu chamado é atraente e fascinante”4.

Em sua travessia, Jesus foi transformando todas as coisas. Onde pisava, as sementes da esperança germinavam, as flores da fé cresciam e floresciam, os campos do amor ficavam mais verdes. A grande novidade de Jesus é exatamente esta: Ele nos ensina que o mais importante não é o caminho, mas sim o caminhar. 

O poeta Thiago de Melo escreveu: “Não temos um novo caminho, o que temos de novo é o jeito de caminhar”5

De alguma maneira, Jesus de Nazaré também nos recorda de que a novidade está sempre no nosso jeito de caminhar, na maneira como fazemos a nossa travessia. O caminho não é só nosso. Muitos passaram por ele antes de nós; outros caminham conosco no tempo que se chama hoje e, depois de nós, muitos continuarão a percorrê-lo. Portanto, devemos agradecer aos que abriram caminhos, respeitar o ritmo de quem caminha conosco e cuidar do caminho para os que nos sucederão. Caminhamos sobre o trabalho e sobre os sonhos de outros tantos e construiremos sonhos que outros sonharão.

No seu novo jeito de caminhar, Jesus agia e falava com ternura e, com isso, Ele desembaraçava os caminhos de tantas pessoas que se sentiam excluídas, sem esperança, e desiludidas. Ao se encontrarem com Cristo, essas pessoas encontravam o verdadeiro sentido de suas vidas. Segundo o Evangelho de Lucas, foi assim com Pedro e seus companheiros, que, após uma noite fracassada de trabalho, foram surpreendidos pelo jovem galileu na beira da praia (Lc 5,1-11). Naquela manhã, aqueles pescadores desiludidos já estavam recolhendo as redes. O cansaço e a decepção eram notórios depois de terem passado uma noite em claro sem nada pescar. Jesus lhes aconselhou a começar de novo a pescaria e Pedro decidiu escutar o conselho de Jesus. E as redes voltaram cheias de peixes. 

Interessante notar que Pedro sempre fora pescador e, como tal, o que ele mais queria era fazer boas pescas. Mas, como comentou um amigo, quando Pedro fez a melhor pesca de sua vida, deixou pra trás o barco, as redes e até os peixes (Lc 5,11). Pedro entendeu que só se chega a águas profundas seguindo a Jesus. Pedro e seus com-panheiros compreenderam que os peixes puxados na rede não eram o mais importante. O mais importante era a palavra de Jesus, que fizera com que eles não desanimassem da pesca. Jesus ensinou-lhe um novo jeito de pescar, um novo jeito de caminhar, ressignificou as vidas deles, pois é o próprio Jesus que é o mais profundo e não as águas.

Para seguir Jesus, não podemos ficar apenas na superfície, à margem do caminho. É preciso buscar o mais profundo, assim como Pedro e os primeiros discípulos. As novas estradas abertas por Jesus e os caminhos refeitos por ele são repletos de desafios. Por isso, os evangelistas nunca esconderam as dificuldades e tribulações próprias desse caminho. “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). Essa frase é um refrão que se repete insistentemente nos Evangelhos.

Podemos recordar também a experiência de Zaqueu (Lc 19,1-10), de Mateus (Mt 9,9-13), da mulher adúltera (Jo 8,1-11) e de tantas outras pessoas que se encontraram com Jesus e tiveram suas vidas transformadas. 

Jesus de Nazaré é grande mestre e, em sua pedagogia, Ele mostra que cada pessoa que deseja segui-lo faz o caminho de um jeito. Por isso, Ele respeita o tempo e o ritmo de cada um, compreende que a gente vive de modo diferente essa caminhada pelas estradas do Evangelho.
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1FRANCISCO, Papa. Angelus. Praça São Pedro, Domingo, 24 de setembro de 2023. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/angelus/2023/documents/20230924-angelus.html. Acesso em: 14 out. 2024.
2SABINO, Fernando. O encontro marcado. 94. ed. Rio de Janeiro: Record, 2013. p. 177.
3MENDONÇA, José Tolentino. Pai nosso que estais na terra: o Pai-Nosso aberto a crentes e a não crentes. São Paulo: Paulinas, 2014. p. 56.
4Christus vivit, n. 277. In: FRANCISCO, Papa. Christus vivit: para os jovens e para todo o povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2019.
5MELLO, Thiago. Faz escuro mas eu canto. 8.ed. Rio de Janeiro: Civiliza¬ção Brasileira, 1982. p. 17.


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