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189. Uma pergunta: Quem é Jesus?

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19.06.2025 | 11 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Diversos
189. Uma pergunta: Quem é Jesus?
Muito já se escreveu e, mais ainda, muito se fala sobre Jesus, todos os dias, todos os momentos, minutos, segundos e todas as horas... Uma vez, escutei alguém dizendo que o que eu falo ou penso sobre Deus diz mais sobre mim do que sobre Deus e isso me fez refletir bastante.

Não temos a pretensão de escrever um tratado de cristologia, mas os textos deste livro são meditações sobre Jesus de Nazaré e sobre a experiência do encontro que vivenciei e vivo a cada dia. “Não posso ter medo de um Deus, que por mim se fez pequenino” – essa foi a experiência descrita por Santa Teresinha do Menino Jesus.1 Entretanto, muitas vezes nossa relação com Deus é permeada ou marcada pelo medo. 

Há um relato do evangelho em que os discípulos enfrentaram o desafio de atravessar o mar com tempestades (Mc 4,35-41). O vento e a força das ondas assustaram os discípulos. Jesus estava no barco, contudo, estava dormindo tranquilamente sobre um travesseiro (Mc 4,38). Os discípulos o acordaram e reclamaram que Jesus não estava se importando com eles. Jesus então se levantou, acalmou a tempestade e os discípulos, admirados e repletos de medo, questionaram: “Quem é este a quem até o vento e o mar obedecem?” (Mc 4,41). A pergunta dos discípulos é semelhante às perguntas que fazemos quando estamos diante do mistério de Deus. Se o mar agitado nos assusta, muito mais ficamos admirados por alguém que tem o poder de acalmar as tempestades e o mar revolto. Aliás, o poeta fluminense, Casimiro de Abreu, retrata essa experiência num de seus mais conhecidos poemas: 

Eu me lembro! Eu me lembro! – Era pequeno
e brincava na praia; o mar bramia
e erguendo o dorso altivo, sacudia 
a branca escuma para o céu sereno.

E eu disse à minha mãe nesse momento: 
Que dura orquestra! Que furor insano! 

Que pode haver maior que o oceano, 
ou que seja mais forte do que o vento? 

Minha mãe a sorrir olhou pros céus 
E respondeu: – Um ser que nós não vemos 
É maior do que o mar que nós tememos, 
mais forte que o tufão! Meu filho, é – Deus!2 

Talvez tenha sido por causa da maneira que nossos pais nos falaram de Deus que nós passamos a ter tanto medo dele. Também o grande escritor mineiro João Guimarães Rosa, em seu Grande sertão: veredas, descreve em sua obra, a imagem de um Deus traiçoeiro ou vingativo: “[...] Deus é traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza [...]”3. Através dessas duas citações da literatura brasileira, do século XIX e do século XX, podemos perceber como essa imagem de Deus está enraizada em nossa cultura. Ainda hoje, é muito comum, escutar alguns pais dizerem a seus filhos: “Papai do céu, está vendo tudo; ele vai castigar você”. Frases como essas nos fazem cultivar um terrível medo de Deus. 

O jesuíta Willian Barry, em seu livro Mudar o coração, transformar o mundo, escreve: “Para Jesus, a fé tem a ver com a confiança em Deus, e seu oposto é o medo. Parece que Jesus diz que a evidência de nossa fé é nossa falta de medo”4. Essa é a nova relação que somos chamados a construir com o Deus de Jesus Cristo, fundamentada mais na confiança que no medo. 

No Livro dos abraços, o escritor Eduardo Galeano conta-nos uma pequena história de outro garoto que tinha o sonho de conhecer o mar. 

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava todo na frente de seus olhos. E foi tanta imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E, quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar! 5

Como esse garotinho que desejava ver o mar, assim também podemos descrever o desejo presente em nosso coração de ver a Deus. É esse olhar de admiração que desejo despertar no coração de cada leitor(a) deste livro. Que possamos ter sempre esse novo olhar sobre a pessoa de Jesus; que ele seja sempre uma novidade para nós. 

Assim, com nosso olhar atento e esperançoso, prossigamos decididamente em nossa fascinante aventura da fé, na procura e no encontro com Deus, que faz morada em nosso coração.

O conhecimento de Jesus, o desejo de saber quem é Ele, aparece muito no Evangelho de Marcos. Marcos compõe seu Evangelho com uma pergunta central: “Quem é Jesus?”. E a resposta nos é revelada progressivamente no decorrer de cada capítulo e versículo do seu texto. A pergunta feita pelo evangelista é também a pergunta que cada um de nós faz ao longo do itinerário de fé: “Quem é este homem que encantou a humanidade? Quem é esse Jesus de quem falamos tanto? Quem é esse Jesus que mudou a nossa história? Quem é esse Jesus para mim? Quem é esse Jesus que nos ajuda a reler a nossa vida? Quem é esse Jesus que está sempre caminhando conosco e presente em nosso coração? Quem é esse Jesus?”.

Padre Zezinho transformou em poesia essa indagação de nossa fé, na canção: Quem é esse Jesus?
Quem é esse Jesus 
De quem se fala tanto há tempo e 
tantas coisas, 
muitos contra e muitos a favor?
Quem é esse Jesus? 
Não passa hora, nem minuto, nem segundo
sem que alguém se lembre dele
sem que o chamem de Senhor.
Tamanha é sua luz, tão grande a força 
das palavras que Ele disse. 
Em Jesus não há mesmice,
desde o berço até a cruz
Ninguém disse o que Ele disse,
nem do jeito que Ele disse.

Quem é esse Jesus?
Quem é esse Jesus,
que andou pelas aldeias 
semeando mil ideias 
e do céu mostrou-se porta voz 
Quem é esse Jesus?
Que fez os santos, os profetas e os doutores,
converteu mil pecadores 
não deixou ninguém a sós? 
Tamanha é sua paz, 
tão grande a força dos sinais que foi deixando,
que prossegue transformando 
quem se deixa transformar,
com palavras decididas 
transformou milhões de vidas.

Quem é esse Jesus?
Quem é esse Jesus, 
que gera controvérsias 
onde quer que alguém o lembre
muitos contra e muitos a favor?
Quem é esse Jesus? 
Por causa dele nova História foi escrita.
Não há vida mais bonita
do que a desse sofredor.
Morreu por todos nós
mas foi tão forte o testemunho dessa vida,
pois a morte foi vencida 
ao vencer a dor da cruz.
Poderoso e mais que forte
Poderoso até na morte
Quem é esse Jesus? 

Inspirados nos versos de Padre Zezinho, podemos continuar nos perguntando: Quem é esse Jesus que, em pleno século XXI, nós ainda o crucificamos e lhe viramos as costas? Quem é esse Jesus que insiste em fazer sua morada no coração da humanidade, apesar de nós insistirmos em ficar cada vez mais distantes de sua divina presença?

No centro do Evangelho de Marcos, há um relato curioso (Mc 8,27-38). Jesus está em Cesareia de Felipe, a caminho de Jerusalém. Ele faz duas perguntas aos seus discípulos. Primeira: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”. Os discípulos respondem: “Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, um dos profetas”. Depois, Jesus pergunta: “E para vós, quem Eu sou?” (Mc 8,27-29). Os discípulos ficaram surpresos e desconcertados com essa pergunta de Jesus, afinal é difícil responder questões fundamentais; é sempre mais cômodo falar sobre o que os outros dizem do que sobre o que nós próprios pensamos ou dizemos. 

O padre jesuíta William Barry, no seu livro Uma amizade sem igual, descreve de uma maneira muito instigante uma resposta para essa pergunta: “Para os cristãos, Jesus de Nazaré é agora o lugar onde Céu e Terra se encontram, onde o sagrado está presente de forma singular e para sempre”6. Jesus é o elo ou a ponte que une Céu e Terra, divino e humano, o eterno e o tempo.

Para conhecer Jesus, é preciso conviver com Ele. Jesus deseja que tenhamos intimidade com Ele, que sejamos seus amigos. “Quando você passar a conhecer e amar Jesus, vai perceber que ele o encontra de formas inesperadas. Jesus pode ser um amigo difícil que o questiona e faz exigências, bem como o apoia e consola7. Por isso, é importante e necessário conhecer melhor a Jesus de Nazaré. 

Mais importante do que as respostas, são as perguntas. A fé não nos dá todas as respostas, mas nos ensina a fazer as perguntas certas. É preciso procurar saber o que ainda não sabemos, ter curiosidade, não nos contentarmos apenas com o básico, mas ousarmos saber mais. Na amizade com Jesus, descobrimos que ele também era um grande perguntador. O teólogo Maicon Malacarne, no livro No princípio, o verbo, afirma: “Jesus amava mais as perguntas do que as respostas, amava mais o silêncio do que o palavreado, amava mais o serviço do que o poder, amava mais o Espírito do que a lei”8. Em algumas situações descritas nos Evangelhos, quando alguém lhe fazia alguma pergunta, Jesus costumava responder com outra pergunta.

Rubem Alves era um grande defensor da ideia de que é importante fazer perguntas, refletindo sobre a arte de ensinar. Ele dizia: “Para isto existem as escolas: não para ensinar respostas, mas para ensinar perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”9

Voltemos à nossa pergunta: “Quem é esse Jesus?”. Para nós cristãos, essa questão nos acompanha por toda nossa vida. A cada dia, à medida que caminharmos com Jesus de Nazaré, iremos descobrir algo sobre Ele, mas ainda teremos muito a descobrir. Por isso, permaneceremos nos perguntando sempre: “Quem é Jesus e por que ele nos fascina tanto?”. 

O teólogo português, José Tolentino Mendonça, também nos ajuda a refletir sobre a beleza de nos perguntarmos mais sobre quem é Jesus: 

Talvez precisemos descobrir que, no decurso do nosso caminho, os grandes ciclos de interrogação, a intensificação da procura, as experiências de crise se instalam para que seja evitado o pior. E o que é o pior? Explica-o Jesus de Nazaré: o pior é ter olhado sem ver, ter ouvido sem escutar, ter captado de alguma maneira, mas não ter efetivamente acolhido. O pior é reconhecermos na “oportunidade perdida” que o Evangelho lamenta (ainda que a cultura dominante tudo faça para torná-la normalizada e indolor): “Tocamos flauta para vós e não dançastes! Entoamos lamentações, e não chorastes!” (cf. Lc 7,32)10.

Em nosso caminho com Jesus de Nazaré, desejamos evitar a vivência desse “pior” de que fala Tolentino Mendonça. Queremos fazer do Evangelho uma oportunidade encontrada e acolhida em nossa vida. Ao nos fazermos a pergunta “quem é Jesus?”, almejamos que os nossos olhos possam ver, os nossos ouvidos possam escutar e nosso coração possa acolher a sua Palavra que nos faz viver. A cada dia, à medida que caminharmos com Jesus de Nazaré, iremos descobrir algo sobre Ele, mas ainda teremos muito a descobrir. Por isso, permaneceremos nos perguntando: quem é esse Jesus e por que Ele nos fascina tanto?
__________________

1 CORRESPONDÊNCIA DE TERESA LT 266 – Ao abade Bellière – 25 de agosto de 1897 de MARTIN Teresa, Irmã Teresa do Menino Jesus. Disponível em: https://archives.carmeldelisieux.fr/pt/correspondance/lt-266-a-la-bbe-belliere-25-aout-1897/. Acesso em: 06 jan. 2024.
2 ABREU, Casimiro. Os melhores poemas de Casimiro de Abreu. Organização de Rubem Braga. São Paulo: Global, 1994. p. 51.15 
3 ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. p. 23.
4 BARRY, William A. Mudar o coração, transformar o mundo: a liberdade transformadora da amizade com Deus. Tradução de Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2016. p. 56.
5 GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 18.ed. Porto Alegre: L&PM, 2023. p. 21.
6 BARRY, William A. Amizade sem igual: experimentar o surpreendente abraço divino. Tradução de Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2023. p. 138.
7 BARRY, William A. Amizade sem igual: experimentar o surpreendente abraço divino. Tradução de Barbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2023. p. 62.”
8 MALACARNE, Maicon André. No princípio, o Verbo. São Paulo: Loyola, 2024. p. 142.
9 ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 3 ed. São Paulo: Ars Poética, 1994. p. 67.
10 MENDONÇA, José Tolentino. Pai nosso que estais na terra: o Pai-Nosso aberto a crentes e a não crentes. São Paulo: Paulinas, 2014. p. 14-15.



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