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152. Um paradoxo

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03.10.2017 | 4 minutos de leitura
Leandro Narduzzo
Crônicas
152. Um paradoxo

“Quem ouve a Palavra é semelhante ao homem que,
edificando uma casa,

cavou, abriu profunda vala,
e pôs os alicerces sobre a rocha;

e vindo a enchente, bateu com ímpeto a torrente naquela casa,

e não a pôde abalar, porque tinha sido bem edificada.” (Lc 6,48)



“El tiempo pasa nos vamos poniendo viejos

Yo el amor no lo reflejo como ayer

En cada conversación

Cada beso cada abrazo

Se impone siempre un pedazo de razón”


(Pablo Milanés)



Quando voltei para o meu país, para ter uns dias de férias, me deparei com novidades. Achei algumas muito interessantes. A primeira, e mais barulhenta, tratava-se da assunção de um novo presidente com ideias radicalmente diferentes das dos governos dos últimos quinze anos. As primeiras decisões que o novo presidente tomou, faz perceber claramente o caráter provisório de tudo o que fora construído, mal ou bem, por governos anteriores. As decisões eram contrárias, e jogaram por terra as anteriores.


Isso me faz pensar sobre o caráter provisório de todas as coisas. Lembro-me dos sábios conselhos de minha mãe: “Não tem amizades para sempre”, “para sempre dura três meses”, “você não pode se perpetuar num mesmo emprego por toda a vida”. Estas e outras são frases que escutei com frequência ao longo da vida. E parece que tem chegado a ser um estilo de vida. Até a educação prepara a gente para o provisório, para mudar de tarefa num possível mundo laboral, mudar de chefe, de parceiros, de prédio. Tudo muda e parece que, se tudo está em movimento, está com vida. Não é mentira que a vida é movimento e que é necessário se renovar permanentemente. Porém, o existir não é feito de acontecimentos desconectados uns dos outros. Reconhecemos as pessoas que amamos e nos dói perdê-las. Reconhecemos a casa onde nos criaram, a escola onde estudamos quando crianças. Temos lembranças do passado e projetos para o futuro. E é profundamente feliz quem tem amigos de toda a vida, assim como quem pôde permanecer com o amor de sua vida até a velhice.


A segunda coisa importante da qual fui testemunha é a profissão perpétua de um irmão com quem me formei. Ele entregou, consagrou, doou definitivamente sua vida a Deus e quer viver essa alegria, para sempre, numa comunidade de irmãos. Resulta impressionante que, nestes tempos de provisoriedade, alguém faça uma escolha para sempre, definitiva! E é um paradoxo, porque, a primeira impressão que temos é se alguém escolhe algo para sempre ficará preso nisso o tempo todo; perderá sua liberdade. Mas não é assim. Essas pessoas que construíram a casa sobre a rocha do amor, do respeito, da permanência, da fidelidade, são as mais livres e as mais alegres, as mais felizes. Elas aceitaram que a realidade está em movimento, que tudo muda, e que até eles mesmos devem mudar para progredir, mas também entenderam que tem coisas que permanecem. A maior dessas coisas imutáveis é o amor de Deus, que sempre nos busca e sempre nos chama, e sempre nos salva, e sempre nos acolhe com ternura. Esse é o amor que, desde a firmeza que lhe é própria, tem a capacidade imensa de nos pôr em movimento, e num movimento cheio de palavras e gestos que, desde a sua provisoriedade, constroem o definitivo, o perene.


Estejamos sempre prontos para recomeçar, para demolir e reconstruir, para ver ruir as edificações provisórias da vida, pois a vida é mudança. Sejamos livres, pobres, desprovidos, despojados, mas firmes no amor que não passa, nele, a nossa rocha, a nossa firmeza, a nossa plenitude!