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117. Natal

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20.12.2016 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
117. Natal

“Hoje, na cidade de Davi,

nasceu para nós o Salvador” (Lc2,11)



“O nosso menino

Nasceu em Belém.

Nasceu tão-somente

Para querer bem.”

(Manuel Bandeira)



O nascimento de uma criança é quase sempre uma festa. Na maioria das culturas, a chegada de uma nova vida é celebrada com alegria. A força da vida pulsa em cada bebê que nasce, e as comunidades festejam esse dinamismo da existência. Em alguns casos, porém, como uma gravidez indesejada, a chegada de uma nova vida pode parecer uma ameaça e sinalizar perigo para os pais. Mas, mesmo assim, quando eles têm a criança nos braços – tão grande é o amor por aquele pequenino indefeso – que acabam se esquecendo das adversidades que virão. E a família, que pode ter pensado em rejeitar a criança, na maioria das vezes, se dobra diante do menino que lhe foi dado. Pai e mãe, avós, tios, todos percebem que a vida frágil pede cuidados e se comovem diante do recém-nascido. Afinal, como disse Lenine, “a vida é tão rara” e tal milagre não pode ser ignorado.


A criança – por causa dos cuidados que exige para ter sua vida preservada – tornou-se símbolo de fragilidade. Um bebê não é como um potrinho ou um cachorrinho que, imediatamente após o parto, já se põe de pé e procura sozinho a teta da mãe. Outros mamíferos se viram sem precisar de muitos cuidados da mãe, a não ser de seu leite materno por um tempo pequeno. Bem diferente dos humanos, a dependência desses filhotes de seus pais não é total. Eles acham caminhos para sobreviver.


A vida humana, no entanto, mais parece com a vida de um pássaro. Frágil, dependente do outro, incompleta, inacabada... Se a mamãe ou o papai pássaro não cercarem seus filhotes de cuidados, eles estarão fadados à morte. Qualquer vento forte os derrubará do ninho. Eles não conseguirão se alimentar sozinhos, ao contrário, deverão receber alimento no bico. Uma chuva mais intensa e duradoura poderá revelar toda a fragilidade dos filhotinhos e eles perecerão.


Assim é a vida humana: uma criança precisa de cuidados e de proteção. E foi assim criança que nosso Deus se fez presente na nossa história. Ele, o Deus grande e forte, se fez homem, frágil, necessitado do mesmo carinho e da mesma proteção que nós quando pequeninos. Na catequese cantamos: “Nosso Deus é grande e forte. É mais forte do que a morte. De tão grande é pequenino. Nosso Deus se fez menino”. Em Jesus, Deus se encontra fragilizado, à mercê da história tal qual qualquer um de nós. Deus se fez homem ou, como afirma o evangelista João, “a Palavra se fez carne” (Jo 1,14).


Chegado o Natal, torna-se inevitável a contemplação da fragilidade de Deus, estampada numa criança deitada na manjedoura. Apesar da cultura ocidental ter transformado o Natal numa festa comercial, com muitos presentes, compras diversas, Papai Noel e outras fantasias, o presépio armado num canto da casa ou nos estabelecimentos comerciais continua a nos lembrar o motivo de tanta euforia. Aquele Menino nascido em Belém – Aquele que “nasceu somente para querer bem” – é sacramento do amor de Deus. Deus se dá a nós como dom gratuito. Se faz homem, assume a nossa existência, se deixa prender nas malhas da finitude humana, por puro amor. Porque Deus quis nos divinizar, se humanizou em Cristo Jesus. É isto que o presépio nos mostra: Deus se humanizou e tornou-se o menor de todos. Não havia lugar para ele na hospedaria; nasceu numa gruta onde se refugiavam os animais e foi posto numa manjedoura, para lembrar que ele é o alimento do mundo. Ele alimenta a nossa esperança, a nossa vontade de servir, de nos doar, de nos entregar pelo outro... Ele, um recém-nascido, frágil e pequenininho, já nasceu nos ensinando que a vida só faz sentido quando se torna doação, vida entregue pelo outro.


Neste natal, ao olhar o presépio, nossa esperança em dias melhores deve ser alimentada. Ao celebrar a ceia, nossa memória deve ir até aqueles que nada têm e devemos renovar nosso compromisso de fraternidade – não só nessa ocasião, mas como uma opção constante de vida. Ao trocar presentes, que nosso coração se abra para acolher o Menino-Deus, o maior presente que o mundo já recebeu. Que nos comprometamos também a ser dom – presente – para o outro. Assim, 2017 será natal o ano todo. Não precisaremos esperar o dia 25 de dezembro para celebrar o nascimento de Jesus. Ele nascerá em nosso coração todos os dias, em cada gesto de ternura e fraternidade. Mas, como uma criança precisa de cuidados para crescer forte e feliz, assim também o Menino-Deus precisa de cuidados para se manter vivo dentro de nós. Resta-nos cuidar desse Menininho que nos foi dado.