83. Superstição e correntes de oração


Tem ares de piedade, mas é pura superstição. Tem cara de cristianismo, mas é paganismo na certa. Tem fama de fé cristã, mas está bem longe da fé genuína. Estou falando das correntes de orações que se multiplicam nos ambientes católicos, ainda mais depois das redes sociais: uma vergonha! E isso não é de hoje. Essa prática é antiga. Bem antes da chegada da internet, as correntes de oração já se multiplicavam por meio da imprensa escrita. Não era incomum encontrar nos bancos dos templos aqueles “bolos” de cópias de orações aos santos mais poderosos, como santa Rita, são Judas Tadeu, santo Expedito etc., contendo, no final da fórmula da prece, bem lá embaixo no rodapé da folha, a famosa frase “Se eu alcançar a graça, prometo fazer mil folhetos e difundir essa devoção”. Tenho um amigo bem-humorado que jura – por tudo quanto é santo – que o autor dessas devoções é dono de gráfica.
Polêmicas à parte quanto à origem dos textos, vamos ao que interessa. Por que nossa gente se interessa tanto por essas coisas? De onde vêm o gosto popular por práticas devocionais tão suspeitas? Como superar isso?
Eu já pensei um dia que bastava ensinar ao povo que isso é bobagem para eliminar essas práticas, mas atualmente ando duvidando disso. A coisa está tão entranhada no inconsciente que não sai fácil, não. Tenho alunos e amigos, amantes da teologia, que não conseguem se desvencilhar dessas práticas. Tenho amigos teólogos – alguns até importantes – que, na hora que perdem um objeto, recorrem a são Longuinho ou rezam a Salve-rainha até o “mostrai-nos” (rsrsrsrs). Tanta teologia não resolveu nada! Voltam às praticas medievais da vovozinha! Conheço outros que, no Facebook, não escapam a dizer “amém” quando são marcados nessas correntes. E ainda tenho amigos e conhecidos – todos muito católicos – que participam daquelas correntes do tipo “Hoje um milagre vai acontecer na sua vida” ou “Nossa Senhora vai passar te visitando”... Meu Deus, até onde vamos com essas práticas? E o pior, os presbíteros – que deveriam ser os pastores do povo – se calam, se omitem ou até fazem parte desse circo. Alguns, simplesmente não dão conta de perceber o estrago na fé; outros preferem não comprar briga; uns tantos defendem tais absurdos por puro oportunismo, para popularização de sua imagem; alguns outros acham que é apenas uma manifestação da fé popular, sem maiores perigos.
Estou convencida de que as manifestações de fé do povo são sempre um dom de Deus. Toda chama que ainda fumega não deve ser apagada, e todo caniço – mesmo rachado – deve ser preservado, diz o profeta Isaías (cf. Is 42,3). Mas, em nome do respeito ao povo, não podemos ferir os direitos do mesmo povo de reelaborar sua fé, de crescer e amadurecer na experiência cristã de Deus. Já passou da hora de a gente combater publicamente essas bobagens. Enquanto gastamos tempo com correntes de orações, deixamos de crescer numa amizade verdadeira e sincera com Jesus Cristo, por meio de uma espiritualidade mais consistente. Apesar de eu achar que a teologia somente não resolve, estou convicta que uma formação teológica, que ofereça não só elementos cognitivos, mas também uma espiritualidade razoável, pode fazer muita gente abandonar essas crendices e abraçar outro estilo de fé cristã. Que os pastores são se cansem de tentar esclarecer nossa gente, muito menos de combater publicamente essas estranhezas que estão por toda parte revestidas de piedade. Que as pessoas desconfiem dessa falsa piedade e procurem beber na própria fonte da fé cristã! Fica aí a dica!
Dica anterior: 82. Sistema de som dos templos
Próxima dica: 84. Formalismo versus invencionismo litúrgico
-
67. FAKE: O Papa Francisco cancela a BíbliaExiste uma rede internacional de arqui-conservadores que fazem tudo para acabar com o Papa Francisco. Trata-se de catól...27.08.2020 | 4 minutos de leitura
-
241. Chamados a amarEm agosto a Igreja nos convida a celebrar o mês dedicado às vocações.Geralmente, ao evocar a palavra vocação, vem ...26.08.2020 | 3 minutos de leitura
-
240. Corpos frágeis sob o domínio dos perversosNão é possível passar uma semana nessa Terra de Santa Cruz sem ver exposta a nossa vergonha. A primeira cruz cravada ...25.08.2020 | 7 minutos de leitura
-
280. “Tu lhes falarás minhas palavras – quer te escutem quer não – pois são uns rebeldes” (Ez 2,7)O anúncio da palavra da vida não se apresenta como tarefa fácil, mas sempre necessária apesar dos percalços. Fazer-...24.08.2020 | 1 minutos de leitura
-
35. Catequese em Puebla: teologias em conflitoDesde Medellín, a catequese seguira afirmando a absoluta unidade entre a história humana e a história da salvação, ...21.08.2020 | 36 minutos de leitura
-
66. Quando governa um malvado, o povo gemeUma anomalia teológica é a utilização da Sagrada Escritura como aporte para fundamentalismos que confrontam fatos e ...18.08.2020 | 7 minutos de leitura
-
239. De Miami ao Araguaia: viva profecia!Cada dia que passa, aumentam as incertezas em relação ao futuro da humanidade. A pandemia colocou nossas certezas em x...16.08.2020 | 9 minutos de leitura
-
65. Teologia sem víciosNão é raro o espanto de muitas pessoas quando se deparam com alguém que tenha estudado a teologia na escola. E esse e...13.08.2020 | 4 minutos de leitura
-
279. “Não terás outros deuses além de mim” (Ex 20,3)Uma tentação que sempre perseguiu o povo da Bíblia é a de trocar o Deus da vida por ídolos, que prometem vida fáci...12.08.2020 | 1 minutos de leitura
-
64. Ezequiel, de sacerdote a profetaComo todo sacerdote, Ezequiel vivia a serviço da liturgia: fazer holocausto, receber oferendas, realizar rituais prescr...10.08.2020 | 8 minutos de leitura
- 109. Mapear as necessidadesBasta a gente ter boa disposição e humildade para aprender.05.11.2020 | 4 minutos de leitura
- 108. Organizar para melhor servirPara se fazer uma boa pastoral é preciso planejamento e investimento. É preciso saber onde estamos e onde queremos chegar. Só aí podemos traçar o...21.10.2020 | 4 minutos de leitura
- 107. O caos pastoralNesses tempos de pandemia, por exemplo, não seria difícil acompanhar as famílias, os idosos, os doentes, os desempregados etc., se tivéssemos tudo...15.10.2020 | 4 minutos de leitura
- 106. Em tempos de pandemiaA pandemia revelou a fragilidade de nossa pastoral. Escorada em duas pernas de barro, os sacramentos e a devoção popular, nossa pastoral ruiu quando...13.10.2020 | 5 minutos de leitura
- 105. Sétima arte a serviço da fé cristãO cinema conquistou seu espaço no mundo da arte. Ganhou status, cresceu, caiu no gosto popular. Nos tempos idos, havia a magia da película projetada...14.06.2018 | 3 minutos de leitura
- 104. O bicho papão do comunismoNossa gente vive com medo do bicho papão do comunismo. Reforçam essa fantasia o tal segredo de Fátima, as ditas aparições de Nossa Senhora em Med...06.06.2018 | 3 minutos de leitura
- 103. Elogio à diversidadeFaz parte da cultura judaica a diferenciação. No primeiro relato da criação no Livro do Gênesis (1,1–2,4), essa diferenciação fica muito bem ...15.05.2018 | 3 minutos de leitura
- 102. Crendices e temores quaresmaisCom a quaresma chegam as crendices e os medos. Apesar de toda informação disponível hoje, não falta quem pense que esse tempo é mais perigoso que...28.03.2018 | 3 minutos de leitura
- 101. Penitências quaresmaisQuaresma: tempo de conversão e, por isso, tempo de penitência, ensina a Igreja. A penitência quaresmal ganha diversos formatos, especialmente nas p...14.03.2018 | 4 minutos de leitura
- 100. Rituais apenas10.01.2018 | 2 minutos de leitura