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106. Em tempos de pandemia

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13.10.2020 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Dicas diversas
106. Em tempos de pandemia
Já faz tempos que desejo continuar escrevendo algumas dicas pastorais, mas a vida se tornou muito exigente, especialmente depois da pandemia, não deixando tempo para mais nada a não ser a árdua tarefa de sobreviver. O sistema remoto fez dos professores seus reféns e a vida cotidiana, no âmbito familiar, foi invadida pela vida profissional, numa fusão estranha e perniciosa. Só a muito custo, muita determinação e muita organização, a gente pode separar e distinguir os dois campos. Hoje, no entanto, posso, numa vaguinha, lançar umas ideias sobre a pastoral das igrejas.
A pandemia revelou a fragilidade de nossa pastoral. Escorada em duas pernas de barro, os sacramentos e a devoção popular, nossa pastoral ruiu quando a pedrinha do coronavírus foi ao seu encontro. Vimo-nos totalmente despreparados para a continuação de nossos trabalhos. A pastoral sacramental ficou impedida de se realizar presencialmente e as liturgias foram transportadas, sem nenhuma preocupação de um ajuste mínimo, para os ambientes virtuais. Pulularam nas redes as missas transmitidas virtualmente. Levando-nos à fadiga, chegavam sem cessar pedidos para assinar canais do YouTube para que as paróquias pudessem fazer uso desses canais de transmissão. Já a pastoral devocional, além do problema do isolamento social, sofreu um baque ainda maior: a teologia da devoção popular não deu conta de explicar o mistério da crise sanitária. Foi aí que Deus oscilou entre aquele que manda a pandemia para castigar os pecados da humanidade a aquele que permite que o diabo faça seu estrago no mundo para correção dos pecadores. A crise sanitária transitou entre a compreensão de uma gripezinha a uma praga apocalíptica que antecede o último dia, ainda mais quando as pragas de gafanhotos foram divulgadas na TV, fazendo o inconsciente coletivo recuperar as pragas do Egito. Nesse vai e vem de explicações estapafúrdias, pretensas revelações de Nossa Senhora ganharam corpo, e a pastoral piedosa, que era anêmica, agravou-se para uma leucemia, colocando nosso trabalho em fase terminal.
Alguns, para salvar a própria pele, reafirmaram o valor dos sacramentos, se agarraram ao mistério salvífico expiatório da eucaristia, pleiteando o retorno das celebrações presenciais. Exemplo disso é o movimento “Devolvam-nos a missa!”. Os presbíteros, ao se verem privados do que “sabem” fazer, entraram em crise, pois a vida corre bem sem seu ministério; não realizam uma atividade essencial. Em vez de ler os sinais dos tempos e se reinventar, a maioria deles ficou a ver navios ou as redes. Nas primeiras semanas, não havia nada de mal em ficar alguns dias vendo um filminho na TV e dormindo um pouco mais. Com o prolongamento do isolamento social, entraram em desespero. Lutaram pela reabertura das igrejas mesmo sabendo dos riscos de transmissão da doença, ainda que fossem obedecidas as rigorosas regras sanitárias. Era preciso voltar a celebrar, não tanto pelo povo, mas pelo presbítero, cuja vida tem sido centrada nos sacramentos.
Assim, enquanto não foi possível voltar ao ritmo presencial – hoje já no tal novo normal, que não tem nada de novo nem de normal – a pastoral está praticamente parada. Os grupos de catequese não puderam continuar seus encontros; a pastoral do batismo não pode reunir pais, padrinhos e crianças; a pastoral dos noivos ficou impedida e os casamentos foram adiados; o atendimento às famílias carentes – já tão precário – mostrou que não estamos preparados para o serviço aos pobres. O terço dos homens passou a ser rezado virtualmente; os grupos de oração foram transportados para plataformas de reuniões on-line; as novenas foram interrompidas; as quermesses adiadas; a festa dos padroeiros ficou na lembrança...
Nem sequer pensamos em caminhos pastorais alternativos que não fossem a mera transposição de um evento presencial para um evento em sistema remoto. Fizemos como as escolas: levamos a sala de aula para as plataformas virtuais por meio das aulas síncronas, mas não repensamos o sistema educativo, tampouco dialogamos francamente sobre a problemática dessa transposição. Uma pastoral paroquial totalmente improvisada não tinha como resistir aos abalos sísmicos da pandemia. Os agentes, cheios de boa vontade, mas muito despreparados, ficaram estarrecidos. As águas da crise sanitária encobriram nossa pastoral e acabaram de bagunçar o que já se mostrava perto do caos.
Resta agora reinventar a ação pastoral da Igreja, pois o tal novo normal não combina ela. Além do mais, ainda que venha uma vacina, já sabemos que outra crise parecida com essa, ou até de proporções maiores, nos ameaça. Vamos nos preparar para esses dias como Noé, ou vamos esperar as águas impetuosas caírem sobre nós? Melhor pensar sobre isso. É o que nos propomos a fazer aqui nessa coluna. Que tal você também empreender essa tarefa? Fica aí a dica.