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69. Anestesia geral cristã?

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01.10.2020 | 3 minutos de leitura
Tânia da Silva Mayer
Diversos
69. Anestesia geral cristã?
Na noite do último sábado (8), o telejornal mais famoso da televisão brasileira entrou no ar relembrando o que reza nossa Constituição, a saber, que a saúde é um direito de todos e que é dever do Estado garanti-la a todos os cidadãos. Ao informar sobre a triste marca de mais de cem mil mortes causadas pela Covid-19, o noticiário, ao recordar a indiferença do chefe do Executivo para com a situação de dor e de luto que a sociedade brasileira vive hoje, conclamava sua audiência, num sábado à noite, a não se deixar anestesiar diante desse cenário, que, conforme sabemos, a essa altura dos dias, poderia não ter sido tão catastrófico se houvesse políticas sérias de enfrentamento da pandemia.
O pedido para não nos deixarmos anestesiar acontece num momento em que parecemos relativizar o fato de vivermos um dos momentos mais graves da história mundial. Basta ver como a pressão dos comerciantes fazem até os gestores mais empenhados em promover o distanciamento social relaxarem suas estratégias de enfrentamento da doença para atender às demandas do comércio e da economia. Mas também basta olharmos as ruas, a postura dos nossos parentes, vizinhos, conhecidos etc., que vivem os dias como se não lhes afetasse o fato de mais de cem mil famílias chorarem as vidas de seus entes queridos que foram ceifadas pela apatia coletiva da República.
Diante dessa situação, os cristãos e as cristãs devemos nos perguntar sobre como vivenciamos esse momento histórico. Devemos nos perguntar sobre a nossa fé e a postura dela diante do caos que enfrentamos. Será que já estamos anestesiados, apáticos ao vivido, indiferentes à dor e ao sofrimento dos outros, nossos próximos? A resposta a essas e outras perguntas não deve ser apressada e irrefletida, é preciso voltar ao centro da nossa fé, para discernir, a partir dos gestos, ações e palavras de Jesus, se realmente nos configuramos como discípulos e discípulas que elegeram outro olhar para o mundo e as pessoas. Olhar que vê as singularidades, relações, histórias, para além de números, e mobiliza ações que se alinham na fileira da proteção das vidas. Porque cada vida importa e vale uma dignidade que não pode ser mensurada pelos cifrões monetários.
Revisitando o Evangelho, aprendemos de Jesus que a apatia diante da vida não é uma postura que interesse ao Reino. Tampouco interessa ao Reino de Deus posturas alienadas que negam nosso pertencimento, apesar de transitório, ao mundo e, nessa esteira, aos problemas que afetam a todos e a cada pessoa individualmente. Os noticiários televisivos devem nos ajudar a ler os sinais de nosso tempo e a nos atentar para os acontecimentos da história. Mas não devemos esperar que esses meios de comunicação chamem nossa atenção para o despertar de nossas consciências.
Antes, é a Palavra de Deus que nos exige sermos sentinelas despertos para os acontecimentos cotidianos, pois é neles que o próprio Deus se revela compadecido do sofrimento dos pobres e das nossas muitas vulnerabilidades. Deixar-se anestesiar nesse momento ou nutrir a indiferença egoísta não se trata apenas de se fechar ao próximo, mas, também, de se fechar ao próprio Deus de Jesus, que caminha conosco, por seu Espírito, ao nosso lado, os caminhos tortuosos e tenebrosos, que somos chamados, pela força do Evangelho, a aplainá-los; para que a vida não seja descartada como lixo e o Reino possa começar a despontar em meio a essa catastrófica realidade.