49. Catequese e Sacramento I


A relação entre catequese e sacramentos se mostra estreita ao longo da história, mas com nuances diferentes nos diversos períodos da Igreja. Catequizar ou evangelizar é ordem que Jesus deu à Igreja, a seus discípulos. Cumprir sua ordem é condição de fidelidade a ele. Se seus seguidores arrefecem no zelo evangelizador, pecam contra o projeto do Mestre: anunciar sua Palavra de vida ao mundo inteiro. Assim, seguiram os primeiros cristãos evangelizando e, como consequência, batizando os que aderiam à fé cristã. O batismo era sinal visível da conversão: passava-se da velha vida à vida nova no mergulho em Cristo, o Homem Novo. Como nova criatura, o batizado pertencia a um povo; não estava mais só, não seguia sozinho; azia parte do Caminho, a comunidade dos crentes.
No começo da Igreja, no catecumenato, também evangelização (ou catequese) e sacramentos caminhavam juntos. O catecumenato se apresentava como um itinerário de evangelização. Tendo feito os diversos percursos propostos, os sacramentos da iniciação cristã eram ministrados aos catecúmenos. Mas os catecúmenos não entravam no processo evangelizador para receber os sacramentos, como se fosse um curso preparatório. Eles entravam no catecumenato para fazer o caminho do seguimento, para aderir à fé. O batismo a eles ministrado, juntamente com a participação na Ceia do Senhor, era um sinal da adesão a Jesus Cristo e à comunidade-igreja que os acolhia.
Com o passar dos anos, muita coisa mudou. A Igreja, depois dos imperadores Constantino e Teodósio, que tiraram a fé cristã da clandestinidade e a tornaram lícita no império, passou a batizar crianças. É bem possível que alguma criança já fosse batizada com sua família, mas a prática do batismo de crianças se implantou depois do século V. Aí, o processo catequético se inverteu. Batizava-se na fé dos pais, na esperança de evangelizar depois. Mas as crianças ainda não eram admitidas à mesa da eucaristia, adiada para a idade adulta.
Pio X, em 1905, autorizou a comunhão para os infantes e, desde então, a catequese ganhou esse contorno que ainda a define hoje. Com a tradição do batismo de crianças já implantado, era preciso evangelizar as crianças, dando à fé recebida dos pais um acabamento doutrinário, antes que elas fossem admitidas à mesa eucarística. Com isso, a catequese se tornou preparação para recepção de sacramentos: da eucaristia, para crianças; da crisma, para jovens.
Desde então, a catequese ficou atrelada aos sacramentos como condição para recebê-los. Toda a organização da catequese paroquial passou a girar em torno dos sacramentos. Passaram-se muitos anos, mais de um século, mas a catequese hoje continua com o mesmo formato sacramental do começo do século XX. Nas paróquias, o que se vê? Catequese para a primeira eucaristia (primeira etapa: pré-eucaristia; segunda etapa: eucaristia), pós-eucaristia ou perseverança e catequese para a crisma. Toda a catequese paroquial depende da recepção ou não de algum sacramento. Centrado no sacramento, o próprio processo catequético leva ao afastamento da comunidade eclesial, quando já se recebeu o sacramento desejado. Muitos reclamam da evasão depois da recepção dos sacramentos. Reclamam que as crianças e jovens somem das paróquias. A crisma até já foi apelidada de sacramento do adeus. Agora, ela está cedendo este título para a primeira (e última) eucaristia. Mas, com esse esquema catequético, não vamos conseguir segurar ninguém na comunidade eclesial. As pessoas vêm buscar um produto da fé: o sacramento. Tendo-o recebido, sentem-se dispensadas de continuar conosco. Enquanto nossa catequese paroquial for atrela aos sacramentos e depender deles para ser efetiva, não gerará o seguimento de Jesus Cristo. O problema é que, de um sinal do seguimento e da adesão a Jesus, o sacramento transformou-se em objetivo da catequese, o fim do caminho, a meta alcançada. Enquanto não devolvermos à catequese carta de alforria, independendo-a dos sacramentos, ela vai estar submissa a eles, sem possibilidade de cumprir sua missão: o discipulado de Jesus. Esse assunto é denso e “dá pano para manga”. Continuaremos a falar sobre essa relação catequese-sacramento no próximo artigo.
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