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33. Ruídos litúrgicos

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15.08.2014 | 4 minutos de leitura
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33. Ruídos litúrgicos

Tem muita gente boa por aí preocupada com os tais “ruídos litúrgicos”. Eu estranhei a expressão quando a escutei pela primeira vez. Esclareço: há uma forte corrente litúrgica que tende a eliminar todos os comentários da liturgia, todas as monições que introduzem os ritos e gestos, pois estes são entendidos como ruídos litúrgicos. São barulhos desnecessários na sinfonia litúrgica, que flui por si mesma, como uma peça executada por uma orquestra.


Para eliminar tais ruídos, os adeptos desta compreensão não admitem mais o papel do antigo comentarista ou animador que, juntamente com o presidente da celebração, motivava a comunidade à participação. Nem mesmo aquelas pequenas introduções antes das leituras, cujo objetivo era atiçar o desejo da assembleia para melhor degustar a palavra proclamada, podem ser toleradas. Qualquer observador minimamente atento já reparou a influência de tal pensamento nos costumeiros jornaizinhos de missa ou na liturgia diária, que não trazem mais esses comentários. Alguns dizem: “Para que comentar o que virá? Deixar vir e pronto!”; outros dizem: “Símbolo não é para ser explicado...” e ainda outros “Tais monições quebram a harmonia litúrgica” e assim vai.


Talvez, seja bom a gente se perguntar de que harmonia litúrgica estamos falando. Já foi o tempo em que a celebração eucarística se parecia com um concerto harmonioso e fluido, sem interrupções. Eliminar os comentários, as motivações, não vai harmonizar nossas liturgias, que se tornaram verdadeiros desconcertos. O que temos hoje é presbítero para um lado, leitores para outro, ministros para outro, cantores para outro... e o povo lá à deriva, sem saber o que se passa... sem conseguir mergulhar no mistério celebrado.


E o que falar do argumento que os gestos ou símbolos falam por si mesmos? Fossem gestos e símbolos da vida do povo, símbolos plenos, inteiros, completos, poderíamos concordar. Mas do jeito que as coisas andam, não funciona. Imagina só: até o pão que é consagrado não parece pão mais. Temos que fazer esforço não só para ver o Cristo na Eucaristia, mas primeiramente para ver pão na hóstia. E isso vale para muitos outros símbolos litúrgicos e gestos, cujo sentido o povo ignora completamente, como a gota d’água no vinho, o lavar as mãos do presidente da celebração, etc. Seria bom a gente lembrar que a cristandade faz parte do passado e que a cultura cristã não se impõe mais. Vivemos num mundo pós–cristão, onde as pessoas não são mais iniciadas na fé cristã. E, para não–iniciados na fé, os símbolos da fé podem não dizer nada, mas apenas causar confusão. É só ler o Apocalipse que logo veremos isto: quem não era iniciado não entendia, mas quem era iniciado sabia do que o autor dizia. Ora, a gramática simbólica mudou. A Igreja não se empenhou o suficiente na iniciação. Logo, temos duas linguagens simbólicas diferentes: uma da fé cristã; outra do povo. Precisamos acertar o compasso e não é eliminando os comentários e monições que vamos corrigir isso.


Além do mais, parece-me uma preocupação pouco pastoral essa dos ruídos litúrgicos. Temos verdadeiros estrondos na liturgia e nossa gente já se acostumou com eles, inclusive por parte dos presbíteros. Vamos ser sinceros: todas aquelas devoções dentro da liturgia, inclusive rezar a Ave-Maria depois da comunhão, não é um barulho litúrgico estrondante? E dizer “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo” depois da homilia? E aquele tanto de avisos? E as homilias mal preparadas que falam de tudo, menos do mistério celebrado? São barulhos assustadores. Acho melhor tomar cuidado com isso, pois como disse Jesus, podemos filtrar um mosquito e engolir um camelo, risco que todos corremos quando nos apegamos a detalhes do culto e da religião em geral.


Bom, já deu para perceber que não sou adepta do corte das monições e comentários nas celebrações. A liturgia, entendo eu, é mais que um rito fixo; é a celebração da vida, do encontro de Deus com seu povo. Para pessoas iniciadas na fé (os monges, as freiras, os religiosos, os padres, os bispos, os teólogos), as monições parecem ruídos e incomodam. Celebrem, pois, sem esse recurso. Que façam a liturgia silenciosa e ritual, pois parece bastar. Mas, para o povo, por favor, façamos da liturgia um momento bom, ajudando nossa gente a experimentar o mistério. E a prática pastoral tem mostrado: um bom comentarista, com boas monições, pode ajudar o povo a ser introduzido no mistério. É bom pensar nisso. Fica a dica.







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