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161. As estações do coração

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05.12.2017 | 4 minutos de leitura
Frei Abdias Júnior OFMCap
Crônicas
161. As estações do coração

Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água,

para que eu não  tenha  mais sede,

e nem tenha de vir  aqui tirá-la”(Jo 4,15).


 

“Essa minha secura

essa falta de sentimento

não tem ninguém que segure,


vem de dentro.

Vem da zona escura

donde vem o que sinto.

Sinto muito,

Sentir é muito lento"

(Paulo Leminsk)


 

O tempo anda seco, todos dizem. Realmente, a falta de chuva e a baixa umidade têm incomodado muito em tempos de estiagem. As plantas que o digam. Algumas, por serem mais sensíveis, acabam definhando. Quem tem um jardim em casa sabe como essa secura compromete a beleza e a vida de suas plantas. Hoje mesmo, percebi que uma das minhas prediletas tinha as folhas queimadas e o seu encanto já não era o mesmo. Ela me dizia: “Dá-me de beber”. Até as plantas, como disse Leminsk, padecem de uma secura, que requer cuidados. Em algumas estações, o zelo deve ser redobrado.


Não são somente as plantas que sofrem com as mudanças de estação. Vai verão, vem inverno; vai outono, vem primavera... Se as estações acontecessem somente fora de nós, menos mal. O dilema é que elas habitam no mais íntimo de nosso ser. Todo mundo passa por invernos. Todo mundo tem uma zona escura donde vem aqueles sentimentos com os quais nem sempre é fácil de conviver. Por mais que a gente se esforce, por mais que a gente aprenda a lidar com elas, essas debilidades marcam presença nos apontando a finitude da vida. Não somos deuses, é duro admitir. Viver é passar por diversas estações, sabendo usufruir do calor do verão ou do frio do inverno.


Se tem uma estação que nos amedronta é aquela do inverno dos nossos sentimentos. Quando a gente pensa ter superado a raiva, por exemplo, lá vem ela, qual tempestade, colocando nosso equilíbrio em risco. Trovejam ímpetos de vingança; chovem desejos de indiferença, nos fazendo perceber que nem sempre vivemos tempos bons. Ondas de sentimentos destrutivos alternam com outras menos perigosas. Os sentimentos mais nobres demoram a vir, precisam ser gestados, necessitam de cuidados. A ira vem rápido, mas o amor demora... O desejo de vingança é imediato, mas o perdão é moroso... A violência não pede licença, se impõe; mas a gentiliza só se instala quando convidada. É preciso admitir as próprias escuridões e securas, para que elas não coloquem nossa vida em risco.


O encontro de Jesus com a Samaritana tem muito a nos ensinar. Aquela que achava que tinha água para oferecer, no fundo tinha a bilha vazia. Foi preciso admitir sua falta e suplicar ao que se lhe apresentara carente que, na verdade, a carente era ela. A Samaritana pede a Jesus “dá-me de beber”. Ao assumir sua secura, seu deserto começou a ser irrigado. A presença de Jesus sinalizou para aquela mulher que há um poço que ela não conhecia. Dele flui água viva capaz de saciar nossa sede de sentido e de irrigar as nossas terras mais inférteis. Aqueles sentimentos mais nobres que demoram a vir, quando irrigados pela água viva da fé cristã, brotam qual sementes adormecidas no deserto depois da chuva. A efemeridade do rancor e da mágoa cede lugar à longevidade do amor e do perdão. Bem diz o ditado popular: “a bondade é como a flor, fica bem em qualquer lugar”.  Se Leminsk tem razão que zonas escuras e secas povoam nossas regiões internas, também tem razão o evangelho que nos ensina que há uma água capaz de fecundar nosso coração árido e uma luz capaz de iluminar nossas maiores escuridões. Sempre há esperança de sair dos invernos internos e experimentar primaveras inesperadas. A fé cristã pode ajudar.