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241. Reflexão para o 33° Domingo do Tempo Comum – Mc 13,24-32 (Ano B)

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13.11.2021 | 1 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
241. Reflexão para o  33° Domingo do Tempo Comum – Mc 13,24-32 (Ano B)
A reta final do ano litúrgico é sempre marcada pelo uso de textos do gênero literário apocalíptico, como acontece neste domingo, o trigésimo terceiro do tempo comum. É o penúltimo domingo do ano litúrgico em curso, e o evangelho é Mc 13,24-32. Com esse texto encerramos a leitura dominical do Evangelho de Marcos, por este ano, já que o evangelho do próximo domingo, solenidade de Cristo Rei, será tirado da obra de João. Ao longo dos domingos de todo este ano litúrgico, foi feita a leitura quase completa do Evangelho de Marcos, e hoje nos despedimos dele. Como foi mencionado acima, o trecho lido hoje pertence ao gênero literário apocalíptico, e faz parte do “discurso escatológico” de Jesus, chamado também de “pequeno apocalipse” do Evangelho de Marcos. Antes de entrar propriamente no conteúdo do texto, é necessário contextualizar e fazer algumas observações, como faremos agora.

A primeira observação diz respeito ao gênero literário ao qual pertence o texto: o gênero apocalíptico. Derivado da palavra apocalipse (em grego: αποκαλυψις = apocalípsis), cujo significado é “revelação”, “manifestação da verdade” ou “tornar conhecido algo que estava escondido”, o gênero apocalíptico é bastante empregado na Bíblia, mas tem sido muito distorcido ao longo da história, passando a ser sinônimo de catástrofes e desastres, causando medo nas pessoas, quando, na verdade, é um gênero literário usado pelos autores bíblicos para transmitir mensagens de esperança e resistência às comunidades destinatárias. Logo, ao invés de causar terror e medo, a mensagem do evangelho de hoje deve nos animar, como veremos no decorrer da reflexão. O discurso escatológico está presente nas últimas partes dos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), antecedendo os relatos da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Os evangelistas fazem questão de situá-los no curto ministério de Jesus em Jerusalém. O adjetivo “escatológico” deriva da palavra grega “escatón” (εσχατον), que significa fim. Ao falar de fim, os evangelistas pensam em dois sentidos: fim como extermínio de tudo o que impede a realização plena do Reino de Deus, e como finalidade da criação, sobretudo do gênero humano, alcançando seu verdadeiro destino.

Em Marcos, o discurso escatológico surge como resposta de Jesus à admiração dos discípulos com a beleza e esplendor do templo de Jerusalém (Mc 13,1). A essa admiração, Jesus respondeu que de tudo aquilo “não restaria pedra sobre pedra” (Mc 13,2); os discípulos, curiosos, perguntaram a Jesus quando aconteceria a destruição do templo (Mc 13,4); a essa pergunta, Jesus respondeu com um longo discurso (Mc 13,5-37), do qual o evangelho desse domingo faz parte. É um discurso dirigido essencialmente aos discípulos, os mais necessitados de respostas naquele momento, o que reflete também a necessidade da comunidade de Marcos. Ora, mais de trinta anos separam a ressurreição de Jesus da redação do Evangelho de Marcos. Muitos cristãos da sua comunidade começavam a levantar dúvidas sobre a veracidade das palavras anunciadas como se fossem de Jesus, enquanto surgiam dificuldades com perseguições de todas as partes: tanto do poder imperial romano, quanto da sinagoga que não aceitava mais continuar perdendo adeptos para o movimento cristão. Diante disso, além de levantar questionamentos, muitos membros da comunidade cristã desanimaram, perdendo a esperança e a motivação para continuar acreditando no projeto de Jesus. Por isso, o evangelista recorda o que Jesus disse e convida a sua comunidade a resistir diante das dificuldades.

O texto de hoje começa com uma afirmação importante de Jesus: “Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, As estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas” (vv. 24-25). Percebe-se que essas palavras ainda fazem parte da resposta de Jesus à pergunta dos discípulos a respeito de “quando” aconteceria a destruição do templo, que significa a “grande tribulação” aqui mencionada. Ora, para Jesus, o templo de Jerusalém, que já não era casa de oração, mas casa de comércio, era a primeira das estruturas de poder e dominação a ser destruída. A realização plena do Reino de Deus depende da derrocada das forças opressoras deste mundo, das quais, para Jesus, a mais cruel era a instituição religiosa que oprimia em nome de Deus; depois que essa desmoronasse, também as outras forças malignas desmoronariam, como aqui ele anuncia, ao usar as imagens dos astros: sol, lua e estrelas. Aqui, ele não se refere a uma catástrofe cósmica, mas usa uma linguagem simbólica, típica das literaturas de resistência, como a apocalíptica. Os astros aqui mencionados – sol, lua e estrelas – representam os poderes opressores e as divindades pagãs às quais estes poderes estavam associados. Esses astros eram divindades adoradas pelos romanos e egípcios, os quais acreditavam que seus imperadores fossem imagens e representantes dessas divindades.

O escurecimento do sol e da lua, junto à queda das estrelas, significa, portanto, que as forças opressoras, principalmente o poder religioso império romano, irão cair; desses acontecimentos brotará o Reino de Deus, instaurado definitivamente pelo Ressuscitado que, vivo, retornará: “Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória” (v. 26). Nessa imagem, está a grande esperança de um novo tempo e de um novo mundo para todos os que perseverarem, pois “Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra” (v. 27). Ao invés de um julgamento severo, o evangelista diz que o Filho do Homem vem para reunir a criação inteira; os quatro cantos e as extremidades da terra significam a totalidade da humanidade a ser reunida e renovada; com isso, será instaurada a paz messiânica sobre a terra. São os poderes opressores com suas respectivas ideologias que impedem a convivência fraterna entre todos os povos da terra; com a queda dessas forças, a humanidade alcançará o seu verdadeiro fim e, assim, a paz será instaurada definitivamente. Com isso, os pobres e pequeninos terão vez e voz, serão protagonistas. As imagens que evocam o fim são, portanto, sinais de esperança, pois indicam um novo começo. É o velho mundo dando lugar a um mundo novo, com a instauração definitiva do Reino de Deus.

Assim é a história da salvação: nela, as coisas não acontecem repentinamente, nem através de eventos extraordinários, mas através de processos históricos que se desenrolam no tempo até que, um dia, desses acontecimentos, surgirá o Reino de Deus de modo definitivo. Com isso, ensinam Jesus e o evangelista que, para alcançar o Reino de Deus em sua máxima manifestação, os cristãos não devem fugir do mundo, nem ignorar a história; pelo contrário, inseridos no mundo e construtores da história, esses devem transformar, como agentes habilitados e enviados pelo próprio Cristo. A vitória é fruto e consequência de muita luta contra as forças do mal. Como viviam perseguidos os cristãos da comunidade de Marcos, o evangelista encontrou no gênero apocalíptico o meio para transmitir sua mensagem encorajadora. A autêntica compreensão da história começa pela observação das coisas simples da natureza; por isso, o convite: “Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto” (v. 28). Os sinais estarão sempre disponíveis para quem tem a necessária capacidade do discernimento. E é muito significativo que Jesus convide seus seguidores a observar os sinais dos tempos a partir dos elementos da criação. Mesmo sendo a sua pessoa a plenitude da revelação, ele não abre mão dos elementos da criação – astros e plantas – como sinais mediadores e indicadores do agir de Deus no mundo.

Os cristãos perseguidos da comunidade de Marcos não cansavam de perguntar quando seriam libertados, quando as tribulações passariam. Muitos deles, assim como os primeiros discípulos, queriam até uma data determinada e fixa. Porém, nem Jesus nem o evangelista fixaram datas; apenas convidaram todos a manterem-se vigilantes e atentos, lendo os sinais dos tempos: “Assim também, quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas” (v. 29). “Estas coisas”, aqui, são os acontecimentos históricos representados pela imagem do desmantelamento dos astros (vv. 24-25), o que significa o desmoronamento das forças opressoras, a começar pela queda do templo de Jerusalém, como fim da exploração religiosa e, posteriormente, a derrocada das outras forças, como o império romano. É importante o sentido das palavras empregadas com a sua simbologia: os astros são meras imagens. Mas não é para o alto que os cristãos devem olhar, e sim para o que está ao seu redor, como o renovamento da ramagem da figueira, que é uma imagem mais acessível. Mais do que esperar acontecimentos portentosos, os discípulos devem olhar para os fatos simples e cotidianos. O ciclo de mudanças de uma planta, como sinal de simplicidade e mistério, ao mesmo tempo, é mais pedagógico do que uma imaginária revolução cósmica, pois é algo concreto, observável no cotidiano. Por isso, é preciso ver a história acontecendo e interpretá-la com discernimento, para transformá-la, sem esperar sinais extraordinários.

Aparentemente, há uma contradição entre os versículos 30 e 32: enquanto no versículo 30 está escrito que “esta geração não passará até que tudo isto aconteça”, o versículo 32 afirma que “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (32). O versículo 30 é, com muita probabilidade, uma advertência do próprio evangelista à sua comunidade que via a destruição de Jerusalém e do templo como inevitável – o Evangelho de Marcos foi escrito, provavelmente, já no final dos anos 60, e Jerusalém foi destruída no ano 70. De fato, a destruição de Jerusalém e do templo era vista com a primeira fase “destes acontecimentos” de quedas das forças opressoras. Se aquela grande casa de comércio, o templo, com toda a sua força e ideologia estava prestes a cair, também os demais reinos opressores cairiam um dia, mesmo que num tempo muito distante, efetivando a instauração definitiva do Reino de Deus. Porém, quanto à chegada definitiva desse Reino, somente o Pai sabe; aos filhos, discípulos de Jesus em todos os tempos, cabe apenas lutar perseverantes para um dia isso acontecer. Essa luta depende da disposição de cada pessoa em fazer somente o bem, para que o mal seja completamente destruído e, assim, um novo mundo surgirá.

Não obstante as contradições da história e as dificuldades de ver os sinais do Reino presentes, os cristãos e cristãs são motivados por uma única certeza: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (v. 31). Esse é, de fato, um versículo conclusivo e bastante significativo. Muitos questionamentos eram e continuam sendo feitos, pois, embora dinâmica, a história parece não caminhar para um final feliz. Os processos históricos, em sua grande maioria, ao invés de melhorar a vida das pessoas, trazendo inclusão e bem-estar, parecem piorar, sobretudo, para os menos favorecidos. As contradições aumentam cada vez mais, junto com as desigualdades. Porém, ao invés de desanimar, todas estas contradições da história devem nos animar e alimentar a esperança, pois mostram que nada permanece para sempre, tudo muda. Dessa certeza, resta-nos acreditar e apostar cada vez mais na única realidade que não passa: o Evangelho. É a totalidade das palavras e da práxis de Jesus que garante à humanidade a única alternativa de mudança de rumo e de realização plena de um novo mundo e uma nova história.

É consolador saber que, diante de tantas coisas passageiras e de outras que parecem permanentes, somente as palavras de Jesus nunca passarão, continuarão sempre novas. Por ser eternas, são palavras que resistem e geram resistência. Neste Dia Mundial dos Pobres, é importante recordá-las, bem como todo o evangelho de hoje. O mundo velho, representado no texto pelos astros, vai cair, vai passar, e é importante que os seguidores de Jesus se comprometam em lutar por essa queda. Em seu lugar, surgirá um mundo novo, o Reino de Deus, que o mundo dos pobres e pequeninos, por quem Jesus fez clara opção no seu ministério, e por quem também devem fazer os seus seguidores. O evangelho de hoje é um forte convite a acreditar no mundo novo e a lutar pela sua construção.