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198. Um pouco de esperança

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27.05.2019 | 4 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
198. Um pouco de esperança

“Os que esperam no Senhor

renovam as suas forças” (Is 40,31)



Ainda resta um pouco de esperança

Apesar das desavenças

Afinal não sou criança

Pra que deixar acontecer

E lamentar o dissabor

(Jorge Aragão)



Em tempos de perseguição e de sofrimento, a esperança tem sido o único antídoto contra o desespero. Esperançar é verbo cuja conjugação mantém a chama da vida acesa e alumia o restinho do juízo que ainda persiste. Foi essa a experiência dos primeiros cristãos quando se viram perseguidos pelo Império Romano, na iminência de serem jogados na boca dos leões ou de serem queimados vivos em praça pública. Também nos campos de concentração, não poucos judeus nos testemunharam como a esperança lhes arrancou da loucura e lhes fez acreditar numa luz depois do horror.


A literatura e o cinema não se cansam de mostrar esses testemunhos de esperança. No filme Uma noite de doze anos, Pepe Mujica sobrevive à tortura e ao abandono, graças à voz forte e esperançosa de sua mãe que lhe ressoava na profundeza de sua consciência. No filme O silêncio dos outros, na Espanha, um grupo de familiares se mantém perseverantes na luta contra a violência e o silêncio imposto pelo acordo de anistia na esperança de ao menos enterrar seus mortos. No livro Quarto de despejo, Carolina de Jesus relata suas experiências de favelada, entre revoltas e esperanças. No livro Em busca de sentido, Victor Frankl dá pistas de como a esperança mantém o sentido da vida, apesar de todo o seu absurdo.


Um pingo de esperança pode mudar uma vida, pode acalentar um sonho, pode dar forças para a luta, pode reestabelecer a coragem perdida. E um gesto de bondade e gentileza em meio ao caos pode reacender a esperança perdida, pode nos devolver a lucidez da esperança que os gestos de grosseria e egoísmo obscureceram. Tenho sido testemunha disso.


Comecei o ano com o firme propósito de poluir menos o planeta e ir para o trabalho, pelo menos alguns dias, de bicicleta. Mas a vida do ciclista não é fácil nas grandes cidades, como Belo Horizonte, sem nenhuma pista exclusiva para o uso das bicicletas. O trânsito infernal na hora de pico praticamente inviabiliza nosso bom propósito de deixar o carro na garagem. Trafegamos como sardinhas em latas com carros de todos os lados. Não há faixas para atravessar as avenidas, muito menos sinal de trânsito que obrigue a parada dos veículos para a travessia dos pedestres e dos ciclistas.


Foi numa avenida dessas que, tendo descido de minha bike, eu esperava sem esperança a boa vontade dos motoristas para poder atravessar a pista com segurança, quando um gentil caminhoneiro parou e sinalizou para os outros carros me favorecendo a travessia. Eu quase nem acreditei no que meus olhos viam. Atravessei não só a rua, mas um abismo de desesperança, readquirindo a fé no ser humano. Um pequeno gesto de bondade foi capaz de me abduzir a outro mundo possível, no qual o amor e o respeito são os maiores faroleiros.


Para me manter ainda mais crente na humanidade, cujo projeto atualmente tem me parecido totalmente falido, fui surpreendida pelo testemunho de um casal de catequistas de uma cidade vizinha, onde ministrei um curso no fim de semana. Adotaram uma criança de cinco anos, com debilidades visíveis: não anda, não fala etc. João é seu nome, que significa “o Senhor dá a graça”. Não sei se sabiam do significado do nome, mas sei que ele se torna ainda mais expressivo quando os pais do menino confiam na graça de Deus para dar conta da missão assumida. Como se não bastasse, animados por um amor gratuito, adotaram mais duas crianças também já grandinhas (dois irmãozinhos), para fazerem companhia para o menino João e também para terem o direito ao amor no seio de uma família. Fiquei edificada e comovida ao conhecê-los.


Nem tudo está perdido. Ainda há bondade no mundo. Ainda há amor desinteressado e gratuito que move corações generosos. Esses gestos de gentileza e amor nos animam. Fazem-nos crer que a vida segue bela, apesar de suas pelejas. Como dizia Gonzaguinha, segue “desejada por mais que esteja errada”. É preciso lembrar a máxima já tão conhecida “manter a esperança é um ato de resistência”.