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187. Palavra-pão

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25.08.2018 | 4 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Crônicas
187.  Palavra-pão

“Come, porque o caminho é longo”. (1Rs 19,7)



 “Quando encontrei tuas palavras, alimentei-me,

elas se tornaram para mim uma delícia e a alegria do coração”. (Jr 15,16)


 

“Ó Deus, me deixa trabalhar na cozinha,

nem vendedor nem escrivão,

me deixa fazer Teu pão.

Filha, diz-me o Senhor,

Eu só como palavras”.

(Adélia Prado)


 

            Talvez seja mesmo verdade aquilo que diz Jesus: “Nem só de pão vive o homem” (Mt 4,4). Afinal, todos sabemos o quanto a vida se alimenta de mil outras coisas que não apenas a comida de todos os dias – por mais essencial que ela seja. Uma vida sem carinho torna-se, aos poucos, anêmica e enfraquecida. A falta de compreensão e de abertura sufoca e faz perecer todos os sonhos. E a falta de esperança, essa sim, provoca desnutrições graves na alma da gente! Parece que a exigente tarefa de viver exige, além de estômagos saciados, palavras inspiradoras, capazes de saciar aquelas fomes mais fundas, aquelas necessidades mais secretas, aqueles anseios mais humanos que trazemos em nós. Não é à toa que são tão preciosos aqueles encontros raros da vida, em que a gente pode dividir, sem medo, as palavras de cansaço, de desolação, de desesperança... mas também de conforto, de compreensão, de consolo... ou mesmo aquela palavra silenciosa da simples presença, em que a ternura dos olhos já diz tudo.


            Por isso, é bonito que Deus também tenha nos dirigido uma Palavra. Não que ele tenha escrito um texto, pois Deus nunca escreveu nada. Escrever é coisa de gente. Em vez de escrever, Ele pronunciou essa palavra na narrativa da vida de Jesus, seu Filho. À medida em que ia vivendo, que ia amando, que ia ensinado, que ia acolhendo com amor os mais estropiados, Jesus ia pronunciando essa Palavra de Deus, com seus gestos e suas palavras. Por isso, muito melhor que um texto, que a gente sempre corre o risco de não entender ou de não saber ler, Deus disse a sua Palavra na existência de uma pessoa, de Jesus. E, por isso, todo mundo que é pessoa, que é gente, pode entender com clareza o que Deus quer nos dizer. Afinal, de ser gente, a gente entende.


            E não há melhor palavra do que esta, que Deus nos diz em Jesus: uma palavra que nos convida a viver e a amar. Porque não existe desejo mais sincero no coração humano, que o desejo de viver e de amar. No fundo, talvez seja pra isto que a gente existe: pra viver com profundidade e pra amar com generosidade. Nada nos faz mais felizes, nada nos realiza mais, nada nos faz mais humanos do que esse esforço. Mas a gente sabe que viver sempre cansa e que amar, muitas vezes, desilude. Por isso, como um amigo que nos espera no fim de um dia cansativo, Deus sempre nos encontra nas esquinas da vida, para de novo nos dizer a sua Palavra. E, nessa Palavra, ele nos mostra novamente o seu Filho Jesus, que viveu e amou até o fim, mostrando o quanto vale a pena a fidelidade no amor e a teimosa insistência na liberdade. Essa Palavra costuma fazer tão bem, que a gente de novo se enche de esperança e mais uma vez se lança nos desafios da vida, nos espinhos do caminho... e até consegue ver de novo as flores que, de surpresa, aqui e ali tornam a jornada menos pesada.


            Quem sabe foi por isto que, um dia, alguém decidiu escrever essas histórias na Bíblia: para que nunca faltassem aos caminhantes, na travessia dos desertos da existência, uma palavra que fosse alimento nas canseiras, que fosse refrigério na aridez, que fosse convite à vida quando o desânimo chegasse perto demais. E foi aí que o mais bonito aconteceu com a Bíblia. Pois essa palavra escrita, tão humana, passou a ser um aconchego da Palavra de Deus. E, entre uma linha e outra, a gente volta e meia se surpreende com um sussurro da Palavra d’Ele, que já mora desde sempre em nós, nos convencendo a viver e a amar, com a mesma coragem de Jesus. Se isso acontecer, essa Palavra já terá cumprido a mais nobre de suas lições.