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147. A coragem da fé

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29.08.2017 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
147. A coragem da fé

“Não esmoreçamos na prática do bem” (1Cor 13,7)


 

“Vem vamos embora que esperar não é saber,

Quem sabe faz a hora não espera acontecer”

(Geraldo Vandré)



Tem gente que faz questão de tornar a vida mais pesada, mais difícil do que ela é, mais penosa do que ela se impõe. A gente já tem tanto sofrimento, já tem tanta dor, tanta peleja que parece burrice insistir em tornar o fardo da vida mais pesado ainda. Não foi à toa que Jesus falou no Evangelho de Mateus: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos e carregados de fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Tornar o fardo da vida mais suave é tarefa da vida cristã. Fazer o contrário é falta de bom senso.


Ando estranhando que alguns cristãos não entendam essa mensagem evangélica e perseverem fazendo tudo às avessas. Insistem em apontar os defeitos e pecados das pessoas; adoram discursos moralizantes; tornam a convivência do dia-a-dia insuportável com suas mesquinharias; azedam qualquer ambiente com suas palavras grosseiras e sua cara de limão; nem imaginam o que sejam as palavras tolerância, convívio fraterno, vida comum etc. São donos da verdade. O que fazer, meu Deus? Haja paciência para viver com essa gente! São puritanos que têm dois pesos e duas medidas; uma para si e outra para os outros. São sempre condescendentes consigo mesmos e totalmente intolerantes com os que os cercam! A gente se esforça para viver bem, relativiza as grosserias, tenta conviver na maior paz, mas chega uma hora em que a explosão acontece e vêm as rusgas, os desentendimentos, as rixas. Fazer o quê? C’est la vie, como dizem os franceses. A vida tem mesmo dessas coisas e é preciso saber lidar com o bem e com o mal. Não foi à toa que o Mestre de Nazaré contou a parábola do joio e do trigo. Tem muito joio semeado no meio do campo e não dá para arrancar na pressa. Corremos o risco de arrancar o trigo, cuja colheita valiosa precisa ser preservada. O difícil é discernir a chegada da hora da colheita. Vendo que as espigas começam a madurar, não convém deixar passar o momento. É preciso arrancar o joio e jogá-lo ao fogo, antes de colher o trigo; ou então trigo e joio vão se misturar para sempre, comprometendo a colheita.


Se o evangelho de Jesus incentiva à paciência e à tolerância para não haver precipitação na hora de extirpar o mal, ele também incentiva à decisão e à coragem para tomar as decisões necessárias na hora oportuna. Tibieza não é boa coisa. É preciso um pouco de sangue nas veias para enfrentar aqueles que envenenam a convivência e agridem os outros, mostrando-lhes, com caridade, que a fé cristã não tolera esse tipo de comportamento. Eu ando pensando nas provocações que Jesus viveu. Foi levando tudo de boa, mas chegou uma hora que até ele, como fala nossa gente, “rodou a baiana”: chamou Herodes de raposa (Lc 13,32); expulsou os vendilhões do tempo (Jo 2,13-22); lançou invectivas contra os fariseus (Mt 23,13); fez e aconteceu. Não dá para ficar passivo, aguentando tudo em nome da fé, sem reagir. A fé nos faz reagir; é em nome dela que precisamos traçar estratégias para semear o bem e não deixar o mal se alastrar na comunidade cristã. Ou, como disse Jesus, os filhos das trevas vão se mostrar mais espertos que os filhos da luz (Lc 16,8).


Quando um pobre coitado resolve reagir e mostrar um pouco de energia, não falta quem critique. Mas, como disse o Apocalipse, “até quando, Senhor”, vamos sofrer calados tantos ultrajes e abusos? Não dá para aguentar desaforos a vida inteira. Uma hora é preciso dar um basta. Foi o que aconteceu na comunidade dos Atos dos apóstolos. Tem gente que acha Lucas muito radical naquele relato de Ananias e Safira, registrado em At 5,1-11. Mentindo para a comunidade e trapaceando, Ananias e Safira semeavam a discórdia e geravam a cultura da hipocrisia. Lucas foi muito claro; assim não dá para viver juntos; ou os dois refaziam seus propósitos de respeito à vida comunitária ou era melhor “caçar rumo de casa”, diria meu pai. Na narrativa, Lucas – para falar da impossibilidade da convivência com essa gente – diz que os dois trapaceiros foram surpreendidos pela morte que chegou com a palavra decisiva de Pedro. De fato, a não-fraternidade já é a morte; a palavra de Pedro só lhes fez ver a morte na qual já estavam mergulhados.


Especialmente nesses tempos difíceis pelos quais passamos no cenário nacional, fico torcendo para que não nos cansemos de fazer o bem, para que a gente não esmoreça na fraternidade e na paciência, como disse Paulo. Mas, em meio a tanta corrupção e injustiça, em nome da bondade cristã, vamos ficar eternamente calados ou vamos tomar jeito e reagir? Um pouco de energia no peito e de sangue nas veias também fazem bem a qualquer cristão. Que Deus nos ajude a discernir a hora de agir e nos ilumine para saber o que fazer! Não nos falte jamais a coragem da fé!