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95. Reflexão para o 7º domingo do Tempo Comum (Lc 6,27-38)

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23.02.2019 | 6 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
95. Reflexão para o 7º domingo do Tempo Comum (Lc 6,27-38)

O evangelho deste sétimo domingo do tempo comum – Lucas 6,27-38 – é a continuidade do discurso da planície, conforme Lucas, cuja leitura foi iniciada no domingo passado com a passagem Lc 6,17.20-26. Naquela ocasião, Jesus identificou um mundo escandalosamente dividido entre pobres e ricos, pessoas que vivem chorando e outras que vivem sorrindo, saciados e famintos, perseguidos e exaltados. Movido por uma íntima relação com o Pai (tinha acabado de descer da montanha, onde tinha orado ao Pai e escolhido os Doze), Jesus tinha certeza que aquele mundo dividido e desigual não correspondia aos propósitos de Deus; tomou partido pelo lado mais fraco (os pobres e famintos, os que choram e são perseguidos), proclamando-os felizes e incentivando-os à luta, para superar aquele abismo, conforme o duplo significado da palavra grega “makarios”: ser feliz e pôr-se em marcha, em caminho. Por outro lado, aos ricos, risonhos, saciados e exaltados, Jesus proferiu sérias denúncias, com a proclamação das chamadas “maldições”, introduzidas pela fórmula profética de condenação “ai de vós”.


É necessário recuperar essa imagem de um mundo dividido e desigual, para compreender a mensagem do evangelho de hoje. Jesus não se limitou a diagnosticar a situação; não teve medo de escolher um lado, o dos mais pobres e pequenos e propôs um caminho de superação, correspondente aos propósitos do Pai: “A vós, que me escutais, eu digo: amais os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam” (27). Diante de um mundo ferido pela ganância, desigual e dividido, o caminho de superação não pode ser outro senão o amor. “Inimigos” aqui, são as pessoas que praticam o mal, aquelas que são prejudiciais e responsáveis pelo sofrimento do outro. Jesus propõe uma verdadeira revolução pelo amor, e esse é o grande diferencial da sua mensagem. Para isso, não ilustra seu ensinamento com exemplos abstratos, mas com situações bem concretas: “Bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva” (vv. 28-30). Essas são situações do dia-a-dia, acessíveis a todos e todas e bastante desafiadoras.


Jesus não ensina uma doutrina, mas apresenta uma proposta de vida, cuja regra de ouro é: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles” (v. 31). Essa regra é a resposta a todo movimento ou sistema que prega a violência ou a reciprocidade nas relações. Do outro, nada se exige; o cristão deve é se colocar no lugar do outro e refletir sobre as consequências de suas ações, como será explicitado nos versículos seguintes: “Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia” (v. 32-34). Existe um nível de comportamento e de relações acessível a todos, e que é praticado em praticamente todas as sociedade: a reciprocidade. Por exemplo, amar alguém sabendo que é amado por esse alguém, é uma atitude que não exige o conhecimento do Evangelho nem intimidade com Jesus. “Os pecadores” aqui significa todas as categorias de quem não pauta a vida segundo o Evangelho. O princípio do amor se aplica também a outros tipos de relações, como o fazer o bem de um modo geral, e a prática dos empréstimos.


Novamente no imperativo, o convite a amar os inimigos é reforçado, junto com o fazer o bem: “Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e maus” (v. 35). É necessário que o discípulo e discípula de Jesus façam além do óbvio, que pratiquem o amor e a justiça de modo gratuito e desinteressado. Porém, inevitavelmente a recompensa virá, não como salário em forma material, mas em dignidade: ser filhos ou filhas do Altíssimo. Ser filho, nessa perspectiva, significa ser parecido com o pai. É essa a dinâmica do amor proposto por Jesus: tornar o ser humano parecido com Deus, sendo bondoso como Ele é. Para reforçar ainda mais a necessidade de tornar-se parecido com Deus, Jesus parte da principal característica desse Deus: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (v. 36). Aqui, Jesus ousa reformular o solene mandamento de Levítico 19,2: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo”. Esse mandamento fora decisivo para a construção do orgulho de Israel; compreendia-se a santidade como a separação dos outros povos. Jesus inova e faz uma reinterpretação decisiva para a sua comunidade: ser misericordioso significa ser bondoso, é cultivar somente bondade dentro de si e nas relações com o próximo. Amor e bondade são traços inseparáveis, e são os sinais mais distintivos na vida dos seguidores e seguidoras de Jesus.


Ainda de acordo com a “regra de ouro” das relações (“O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”, v. 31), Jesus acrescenta: Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” (vv. 37-38). É claro que ele não está afirmando que o agir humano é critério para o agir de Deus. Pelo contrário, é Deus o critério, sobretudo na bondade e no amor. Porém, mais uma vez, ele reivindica a coerência de vida. Julgar e condenar não são prerrogativas de nenhum ser humano. É no campo das relações com o próximo que os cristãos e cristãs revelam como se relacionam com Deus e como absorveram o Evangelho de Jesus.


Essa foi, portanto, a resposta e o caminho para um mundo ferido, injustiçado, dividido e desigual reencontrar o seu equilíbrio: acolhendo o ensinamento de Jesus sobre o amor e vivendo intensamente esse amor. Para isso, não é suficiente esperar passivamente a mudança de estruturas, mas cada um e cada uma deve, no dia-a-dia, experimentar esse amor e pautar a vida a partir dele, começando pelas relações com o próximo e as experiências concretas do cotidiano.