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65. Teologia sem vícios

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13.08.2020 | 3 minutos de leitura
Tânia da Silva Mayer
Diversos
65. Teologia sem vícios

No fundo, deveríamos compreender todo discurso teológico como uma penúltima palavra a ser pronunciada com relação aos assuntos e situações vividos (Aaron Burden / Unsplash)


 

O momento em que vivemos carece de discursos

que deem conta da nossa fé e da nossa vida



Não é raro o espanto de muitas pessoas quando se deparam com alguém que tenha estudado a teologia na escola. E esse espanto sempre vem acompanhado de um silêncio e de uma pergunta sobre o objeto que é tomado como estudo por essa ciência. 


A resposta, obviamente, desconcerta e parece não esclarecer nada. Porque se trata de investigar Deus, que está, para a fé e nossas compreensões, para além de toda investigação e de reducionismos. Por isso mesmo, a teóloga e o teólogo são vistos como estranhos, por se ocuparem de uma tarefa que, em si mesma, parece, logicamente, impossível.


Nós compreendemos a teologia como um discurso sobre Deus e sobre as coisas a Ele relacionadas. Por isso, elegendo um olhar sapiencial, conforme ensinado pela tradição bíblica, podemos dizer que o ser humano, o mundo, as sociedades, os indivíduos e suas vidas também recebem atenção especial da teologia. 


Mas, como discurso sobre Deus, a teologia não deve ser mais que uma resposta ao que Deus falou e continua falando de si mesmo na vida de homens e mulheres, na vida do mundo. Por essa razão, é falsa, e deve ser combatida, a ideia de que a teologia tem a última palavra no colóquio. Nesse sentido, qualquer teologia que tenha a pretensão de encerrar a discussão sobre um assunto deve ser tomada como suspeita.


No fundo, deveríamos compreender todo discurso teológico como uma penúltima palavra a ser pronunciada com relação aos assuntos e situações vividos. Partindo dessa máxima, a teologia gozaria de maior respeito diante de outros saberes. Afinal de contas, ela não pretende fechar, mas abrir as perspectivas de legibilidade da vida, à luz da fé e das elaborações discursivas que desse lugar são possíveis de se fazer. 


Nessa esteira, também é importante considerar que a teologia não pretende operar nenhuma transformação em Deus, no mundo, no ser humano, etc.. Por isso, a teóloga ou o teólogo quando escrevem, por exemplo, cumprem apenas a inútil função de fazer o que deve ser feito (Cf. Lc 17,10): ouvir, responder-anunciar. Mas a teologia aí realizada não deve se eximir da desconstrução de outras linguagens e discursos que pretendem silenciar Deus e nos impedir de tomar a sério os acontecimentos que experienciamos em nossas vidas.


O momento em que vivemos carece de discursos que deem conta da nossa fé e da nossa vida. Carece também de teologia. Porque nossas palavras estão viciadas. Nossos discursos estão viciados, justamente porque pretendem colocar um ponto final sobre nossos problemas e as situações que vivemos, porque pretendem explicar Deus, sem ouvir o que Deus fala de si no imediato da vida de cada indivíduo e grupo que, nesse momento, são confrontados em diferentes dimensões do vivido. 


Por essa razão, uma teologia sem vícios é uma palavra possível para esse momento. Trata-se de uma palavra que não irá dizer nada de maneira absoluta, totalizadora, porque sabe que ela mesma não dá conta de narrar sozinha o drama da existência, quando essa está amplamente confrontada com a brutalidade e a violência do nada, da morte, com o qual nos acostumamos, por medo ou covardia de mergulhar a fundo na busca de um sentido para os nossos dias tristes.