35. Não faço o bem que quero


“Não entendo o que faço:
não faço o bem que quero,
mas faço o mal que detesto” (Rm 7,15)
“Metade de mim é o que sou;
a outra metade é mistério.”
(Frei Prudente Nery)
Pobre Paulo apóstolo! Convertido ao cristianismo e tendo se tornado discípulo do Ressuscitado, o fariseu de Tarso vive um drama: deseja uma coisa, mas faz outra. Será isso possível: querer uma coisa e fazer outra bem diferente?
Bom, quem nunca se sentiu dividido entre o desejo e a realidade, que atire a primeira pedra. Afinal, quem nunca quis fazer algo e acabou fazendo justamente o contrário? Quem nunca deu ouvidos à razão quando queria ter dado créditos ao coração, que tinha desejos bem diferentes dos elencados por sua inteligência? E mais: quem nunca deu crédito à razão fria dos cálculos matemáticos, matando relações preciosas, desacreditando do amor e da aventura da cumplicidade prazerosa, simplesmente por medo de amar e por insegurança tosca? Quem nunca se deixou levar por seus medos e, em nome deles, se enclausurou dentro de si mesmo, escondendo-se atrás de desculpas para não viver o que a vida lhe oferece de mais precioso?
Essa história de nos sentirmos divididos, com partes ocultas para nós mesmos, é coisa bem antiga. De alguma forma, todo mundo já experimentou um pouco a sensação da qual reclama o apóstolo Paulo. Não é de hoje que a gente vive esse drama estranho de pensar uma coisa e dizer exatamente o oposto; de amar algo e, justamente por isso, desprezá-lo. Tal dilema é tão frequente que poderíamos enumerar uma infinidade de poemas e músicas que tratam do assunto.
No campo do amor romântico não faltam canções. Tal tema tem inspirado dezenas de compositores. Uma canção bem popular é Conflito, gravada por Raimundo Fagner: “Ai meu coração, que não entende o compasso do meu pensamento. O pensamento se protege; e o coração se entrega inteiro sem razão... se o pensamento foge dela; o coração a busca aflito...”. E quem não conhece a sofrência de Chitãozinho e Xororó, relatada na música Evidências? “Quando digo que deixei de te amar é porque eu te amo. Quando eu digo que não quero mais você é porque eu te quero...”.
Se tal drama existisse apenas no campo do amor romântico, já seria suficiente para nos desorientar. Mas a coisa é bem pior. Esses dilemas entre o coração e a razão não são específicos do amor romântico. Toda relação acaba sempre muito marcada por ambiguidades, desde a relação entre amigos, entre pais e filhos, entre os amantes, até a nossa relação com Deus!
Lidar com essas nossas divisões e conflitos é coisa nada fácil e trabalho para toda a vida. Pacificar as próprias entranhas, sempre tão reviradas por motivações – ora conhecidas, ora ocultas – pode durar uma vida inteira. Por vezes até nos cansamos e desistimos de nós mesmos, de nos entender, de nos acertar com nossos sonhos e desejos... E acabamos deixando a vida correr solta, ao sabor das ondas de qualquer motivação imediata, sem a obrigação de ser coerentes, de construir uma interioridade que seja sólida, uma identidade que seja nossa...
Bom, se estivéssemos sozinhos nessa peleja, seria compreensível nosso desânimo. Afinal, ninguém é de ferro! Uma hora a gente se cansa de tanto insistir com essas metades doidas que se digladiam e quase se matam dentro de nós. Mas não estamos sós. Na árdua tarefa de nossa vida, contamos com a força de Deus que não nos abandona. Foi este o consolo de Paulo; é este o consolo dos que creem: na tarefa de sermos nós mesmos, com nossos mistérios e dramas ocultos, Deus – que nos ama infinitamente – está conosco e nos auxilia. Sua palavra é força que faz viver, que pacifica nossas angústias, que aquieta nosso coração agitado. E ainda que continuemos eternamente nesse drama da existência, nossa esperança não se esgota: “Aquele que é fiel e começou em nós uma boa hora, há de levá-la a termo” (Fl 1,6). Confiemos nele, até que um dia, como cantou Wander Lee, “nossas palavras sejam gestos; os gestos sejam pensamentos que movem nossos corações”.
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