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126. Os tons do sofrimento

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07.03.2017 | 4 minutos de leitura
Yuri Lamounier Mombrini Lira
Crônicas
126. Os tons do sofrimento

“Meu Deus, meu Deus,

por que me abandonaste?” Salmo 22 (21)


 


“O dolorido da vida está
sempre grávido de beleza”

(Pe. Fábio de Melo)



O sofrimento é uma questão existencial que desperta debates nas mais variadas áreas do saber e é tema sempre presente nas rodas de conversa, até mesmo nas mesas dos bares. É indagação da mente e do coração do ateu, do agnóstico e do religioso. “Se Deus é tão bom, porque existe sofrimento no mundo?”, “Por que uns morrem tão cedo?”, “Por que alguns morrem de forma tão trágica?”. Essas perguntas, com frequência, são dirigidas aos cristãos, na esperança que a fé possa respondê-las. Não tendo resposta para o problema do mal – pois humildemente a fé cristã admite que não tem resposta para tudo –, a angústia persiste. Alguns até nos acusam, a nós cristãos, de sermos sadomasoquistas. Dizem que a fé cristã faz apologia à dor. Para esses, Deus permitiu o inadmissível: que o próprio Filho fosse assassinado de forma cruenta na cruz. Mas os tons do cenário da cruz não devem ser lidos apenas a partir do cinza-escuro da Sexta-feira da Paixão. Só é possível mergulhar no mistério da cruz a partir do crepúsculo fulgurante da manhã do Domingo de Páscoa.


Mesmo sabendo que a morte é o acontecimento mais certo da existência, parece que nunca estamos preparados para enfrentá-la. A experiência da perda é sempre frustrante para o ser humano. A morte é um acontecimento que nos faz experimentar a solidão e é, com certeza, a maior experiência de perda pela qual passamos. Palavras não conseguem descrever nem consolar a dor de perder alguém que a gente ama! Queremos entender e explicar o inexplicável. O entendimento, porém, nem sempre chega quando queremos; chega às vezes em horas inesperadas, se é que chega. Afinal, há coisas que não podem ser explicadas, mas devem ser vividas e saboreadas à luz da fé e da esperança cristãs.


Aprender a viver com intensidade cada momento de nossa vida é arte que não cessa de nos interpelar. Saborear as alegrias e remoer as tristezas são exigências da vida. Não dá para nos vacinar contra o sofrimento, anestesiar o corpo contra o fracasso e a dor do luto... O sofrimento é inevitável, pois estamos no limite imposto por nossa criaturalidade; existimos marcados pela contingência humana; somos feitos de uma fragilidade estranha... Sem o sofrimento, não há possibilidade de existência. Mas se por um lado o sofrimento maltrata, por outro pode ser ocasião de crescimento. Também a roseira chora ao ser podada. Depois de algum tempo porém, vem a beleza da florada... A semente chora ao ser lançada na terra, no entanto, se ela não morrer, não produzirá fruto. O recém-nascido também chora ao sair do aconchego do útero da mãe, mas, sem esse processo de dor, ele não poderia desfrutar da desafiante e maravilhosa aventura de existir... Na vida, haverá sempre obstáculos para serem vencidos e, com eles, as dores.


Mas, na hora da dor, não estamos sozinhos. Sofre conosco Aquele que se fez homem, que habitou a carne humana. Na  hora da dor,descobrimos que Deus nem sempre é encontrado nos altares e mas no coração que sofre...  O Papa Francisco tem insistido em nos ensinar que a fé não preserva da dor, mas garante a força para vivê-la: “ter fé não significa estar livre de momentos difíceis, mas ter força para enfrentá-los sabendo que não estamos sozinhos”.


É bom saber que não estamos sozinhos na hora da dor. É consolador saber que Deus – fiel e silencioso – nos acompanha, nos abraça, nos acolhe, ainda que não fale nada. Essa necessidade de ser acolhido na dor foi descrita pelo cantor mineiro Vander Lee:


“Meu amor, deixa eu chorar até cansar

Me leve pra qualquer lugar
A

onde Deus possa me ouvir

Minha dor

Eu não consigo compreender

Eu quero algo pra beber

Me deixe aqui, pode sair”



Administrar a dor; elaborar o sofrimento – eis um grande desafio!A fé cristã tem muito a contribuir nesse sentido. Para nós cristãos, o sofrimento – inevitável, mas de forma alguma desejado – pode ser vivenciado como uma experiência de humanização como fez o Crucificado. Nele encontramos força para toda superação.