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119. Reflexão para o 17º Domingo do Tempo Comum - Lc 11, 1-13 (Ano C)

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27.07.2019 | 10 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
119. Reflexão para o 17º Domingo do Tempo Comum - Lc 11, 1-13 (Ano C)

Após a acolhida de Jesus na casa das irmãs Marta e Maria, evangelho do domingo passado, o evangelista Lucas nos apresenta uma verdadeira catequese sobre a oração, ainda no contexto do longo caminho para Jerusalém. O texto evangélico que a liturgia deste décimo sétimo domingo do tempo Comum nos oferece é, exatamente, essa catequese: Lc 11,1-13. É muito importante recordar que o caminho proposto por Jesus e evidenciado por Lucas, não se resume a um movimento físico, mas é uma metáfora da própria vida e, especialmente, da vida cristã. Por isso, além do movimento, o evangelista faz questão de mostrar momentos estáveis de paradas, nas quais Jesus ensina, visita pessoas e pára para rezar.


Convém mencionar que, além de Lucas, também Mateus apresenta a oração ensinada por Jesus aos seus discípulos, transmitida pelas tradições cristãs com o título de “Pai Nosso”. Há uma pequena diferença entre as duas versões, como são diferentes também os contextos em que cada um a apresenta. Porém, a essência é a mesma em ambas as versões. A de Lucas é um pouco mais breve, por isso, considerada pela maioria dos estudiosos, a que corresponde melhor às palavras de Jesus. Supõe-se que Mateus adaptou-a às necessidades de suas comunidades, enquanto Lucas a conservou em sua forma mais original.


Iniciamos a nossa reflexão com uma constatação simples, mas muito significativa: Lucas faz referência a Jesus rezando/orando sete vezes, do batismo à paixão, o que corresponde exatamente à totalidade do seu ministério (cf. 3,21; 5,16; 6,12; 9,18; 9,28-29; 11,1; 22,41). Obviamente, o evangelista quer mostrar que a oração foi o grande alimento de Jesus em sua vida pública. Foi pela força da oração que Ele levou a cumprimento o projeto do Pai em sua vida. Outro dado, não menos importante, é o fato de ser Lucas aquele que mais apresenta Jesus em relação de acolhida e atenção para com os pobres, as mulheres e os pecadores; é por excelência, o Evangelho da misericórdia. Certamente, a explicação para tudo isso está no fato de Jesus rezar constantemente, e claro, a oração era determinante para o seu agir, como deve ser para cada cristão e cristã. Podemos dizer, então, que Lucas apresenta com o exemplo de Jesus, a oração conjugada às suas implicações concretas, principalmente à atenção aos mais necessitados.


É comum, portanto, Lucas afirmar que “Jesus estava rezando num certo lugar” (v. 1a). Independente das circunstâncias, Jesus reservava sempre uma parte do seu tempo para a oração, seu colóquio com o Pai. Sabemos que o contexto em questão é o da viagem para Jerusalém. É muito interessante que “Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos” (v. 1b). Certamente, era bonito seu jeito de rezar. Pelas entrelinhas do texto, podemos afirmar que os discípulos estavam olhando-o, admirados. Tanto que não ousaram interrompê-lo, mas esperaram que terminasse. Impressionados, tiveram vontade de fazer o mesmo. Talvez, e muito provavelmente, estavam angustiados porque conviviam com Ele há tanto tempo e ainda não tinham aprendido muita coisa, nem mesmo a rezar como Ele. E, o discípulo tem o dever de tornar-se parecido com o mestre, portanto, deve agir como ele, inclusive no jeito de rezar.


Todo mestre ou rabino tinha um jeito próprio de conduzir o seu grupo, com seus ensinamentos e fórmulas, inclusive, de oração. Geralmente, essas orações eram síntese da espiritualidade do grupo. Parece que Jesus tinha deixado seu grupo muito à vontade, nesse sentido, o que poderia deixar seus discípulos até inseguros, pois não tinham regras estabelecidas a cumprir. A regra de Jesus era apenas o seu jeito de viver. Diante disso, os discípulos de Jesus usam o exemplo de João Batista, o que mais se identificava com o movimento de Jesus, dos tantos movimentos existentes na época. Assim como outros mestres, João Batista tinha ensinado seus seguidores a rezar. A particularidade do jeito de Jesus exercer sua liderança era, exatamente, pelo exemplo. Por isso, não tinha preocupação de ensinar fórmulas para serem repetidas.


Do jeito pessoal de Jesus rezar, nasce a curiosidade e, da curiosidade, a necessidade nos seus discípulos. Por isso, pediram que lhes ensinasse. Ao pedido dos discípulos, Jesus responde. Mas, não dá uma fórmula, como davam os rabinos do seu tempo. Pelo contrário, dá-lhes uma “anti-fórmula”, pois as primeiras palavras da verdadeira oração sugerem exatamente uma quebra de protocolos e paradigmas. Os judeus, ao rezar, faziam longas introduções, exaltando a grandeza de Deus, antes de fazer as suas súplicas. Utilizam termos como “Altíssimo, Todo-Poderoso, Onipotente, Senhor, Santo dos Santos”; esses termos ajudam a reconhecer a grandeza de Deus, mas como alguém distante, em um grau infinitamente superior e alheio à realidade das pessoas. Jesus quer abolir essa mentalidade, e ensina seus discípulos a fazer o mesmo. Por isso, introduz a sua oração ensinando a chamar Deus de Pai, ou seja, como uma pessoa íntima e próxima de quem o invoca. Seu jeito de rezar causa impacto, sobretudo porque ele ensina na oração a chamar a Deus de Pai. Para nós, hoje, parece não ser algo impactante. Mas, para a sua época foi, de fato, algo revolucionário.


Com o imperativo “Quando rezardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome” (v. 2), Jesus quer dizer, antes de tudo, que o primeiro elemento necessário para uma oração autêntica é ter clareza do destinatário da oração. É claro que é a Deus que deve ser direcionada toda oração. E, esse Deus é, antes de tudo, um Pai! Logo, Jesus não apenas inaugura uma nova fórmula de oração, mas propõe um novo jeito de se relacionar com Deus. Dessa maneira nova de se relacionar com Deus, emerge a certeza de que Ele está próximo de nós, como se fosse um amigo e, portanto, pode ser invocado a qualquer hora e em qualquer lugar. A “santificação do nome de Deus” (v. 2) e o “advento de seu Reino” (v. 2) estão intrinsecamente relacionados, a ponto de confundirem-se. Ora, o nome de Deus já é santificado, porque Ele é, essencialmente, santo. O pedido diz respeito ao reconhecimento dessa santidade. Reconhecer a santidade de Deus é saber que Ele é Pai, aceitar a condição de filhos e filhas e, portanto, viver como irmãos e irmãs. Isso é permitir que o seu Reino seja instaurado entre nós. O Reino que já fora inaugurado por Jesus (cf. Lc 4,16-22), precisa ser difundido pelos discípulos até chegar a todos os lugares e épocas. A construção do Reino é, pois, a constatação se o nome de Deus está sendo santificado ou não, ou seja, se Ele está sendo reconhecido como realmente é: um Pai.


Na sequência da oração, Jesus vai recomendando o que é necessário pedir, ou seja, quais são as reais necessidades do ser humano. O pedido pelo “pão necessário para cada dia” (v. 3), além de expressar uma necessidade concreta, a alimentação, exprime, sobretudo, a condição existencial do ser humano: ele não pode ser autossuficiente por um dia sequer, mas em tudo depende de Deus, até mesmo no que é mais básico, como o alimento de cada dia. Um elemento indispensável para que uma comunidade viva efetivamente segundo as características do Reino, é a confiança e a solidariedade. Obviamente, Jesus alude ao antigo maná (cf. Ex 16) com essa petição. Há, aqui, um verdadeiro combate à cultura do acúmulo, tema que será desenvolvido na sequência da viagem, principalmente com as parábolas do rico insensato (cf. 12,13-21) e do rico avarento e o pobre Lázaro (cf. 16,19-31).


A menção ao perdão não poderia faltar na oração que deve caracterizar a comunidade cristã. Por isso, Jesus recomenda que este pedido não pode faltar na oração autêntica: “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós perdoamos também a todos os nossos devedores” (v. 4). O pedido de perdão a Deus era comum nas orações dos diversos movimentos religiosos, daquela época e de todos os tempos. Realmente, é somente Deus quem pode perdoar pecados. Assim como o pedido do pão cotidiano, também esse visa conscientizar o ser humano de sua necessidade diante de Deus. A grande novidade apresentada por Jesus é a condição para buscar o perdão de Deus: “nós também perdoamos aos nossos devedores” (v. 4). Com isso, Ele ensina que o perdão de Deus deve ser mediado pelo perdão fraterno; não porque a misericórdia de Deus esteja condicionada ao agir humano, mas porque a relação com Deus exige uma coerência de vida. A abertura total a Deus deve traduzir-se em uma relação nova com o próximo, tema tão caro a Lucas. Isso implica que, mais que ser perdoado, é necessário viver reconciliado. Por isso, o perdão deve ser mútuo.


A última das petições da oração verdadeira é “não nos deixes cair em tentação” (v. 4). A palavra tentação (em grego: πειρασμός – peirasmós), quando aplicada em relação aos discípulos, e aos cristãos em geral, significa desistir, abandonar. Assim, a comunidade é convidada a pedir ao Pai o dom da perseverança. Em outras palavras, é um pedido de coragem para levar adiante um projeto tão audacioso como o de Jesus. É necessário resistência para lutar pelo Reino, contentar-se apenas com o necessário para cada dia e perdoar aos devedores. Por isso, deve-se pedir constantemente para não abandonar essa proposta de vida tão revolucionária. Isso significa ainda que a nossa continuação no seguimento de Jesus não depende apenas da nossa força ou vontade, mas da graça de Deus, pois é Ele quem dá a força da perseverança.


Na mentalidade hebraica, o filho é aquele que é parecido com o pai. Portanto, chamar a Deus de Pai era bastante comprometedor, pois exigia muitas implicações concretas. Era muito mais cômodo chamá-lo de Altíssimo, Onipotente ou Santíssimo, pois estas expressões evocam a alguém distante e inacessível, aquele não está presente no cotidiano da comunidade para relacionar-se com ela. O Deus de Jesus, que é Pai, está presente. Os discípulos deveriam, assim como Jesus, viver como filhos. Diante das exigências, a tendência à desistência era muito comum. Por isso, Jesus pede que eles peçam, constantemente, a graça de não abandonarem o seu projeto.


Como explicação para o conteúdo da oração ensinada, Jesus conta duas pequenas parábolas: a do amigo inoportuno (vv. 5-8) e a do pai (v. 11). Ambas têm a função didática de explicitar a proximidade do Deus-Pai e a necessidade da perseverança da comunidade na oração. Esse Deus é muito mais disponível que um amigo, e muito melhor que um pai terreno. Desse modo, Ele ressalta que a qualquer momento se pode invocar esse Deus-Pai e, pedindo o que é justo, jamais Ele deixará de atender.


Mas, qual o critério para fazer o pedido justo? É exatamente pedindo, antes de tudo, o elemento imprescindível da oração, e este só pode ser dado pelo Pai: O Espírito Santo! (v.13). A comunidade que se deixa guiar pelo Espírito Santo, saberá discernir para pedir ao Pai o que é, de fato, essencial. E, pedindo o essencial, é claro que o Pai concederá, desde que em consonância com a sua vontade.