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75. O canto do galo

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08.03.2016 | 4 minutos de leitura
Jéssica Oliveira
Crônicas
75. O canto do galo

“Enquanto Pedro ainda falava, o galo cantou…
E saindo, chorou amargamente” (Lc 22,60-62).


 

“Um novo dia vem nascendo.

Um novo sol já vai raiar.

Parece a vida,

rompendo em luz,

que nos convida a amar”.

(Vinicius de Moraes)


 

Quantas coisas nos passam despercebidas, mas com um olhar atento sempre se encontram novos ensinamentos. Nestes dias, chamou minha atenção o detalhe do “canto do galo” apresentado pelos evangelistas no relato da paixão em que Pedro nega Jesus.


O canto do galo que incomodou Pedro devolveu-me à minha infância quando, nas férias, minha família e eu, íamos para o interior. Desfrutar das coisas simples da roça nos dava muita alegria: tomar banho no rio; subir nas árvores; caminhar descalça pelos campos; correr; brincar; ajudar a fazer farinha; tosquiar os animais; enfim, tudo era motivo de festa. Só tinha uma coisa que eu não gostava: do canto do galo!


No fim do dia, quando o sol se punha, chegava a hora da roda de conversa; todos se sentavam na porta da casa para contar histórias e jogar conversa fora; isso ia até tarde da noite e depois dormíamos.


Por volta da 4h30 da manhã, o galo cantava… Que raiva eu sentia daquele galo! Não só por me despertar, pois poderia virar para o outro lado e continuar a dormir; mas, porque depois do seu canto, o dia começava. Todos se levantavam e iniciavam suas atividades; quem fazia o café, quem ia para a roça, quem cuidava dos animais; cada qual assumia sua tarefa diária. Daí a pouco, anunciava o galo, eu tinha que me levantar também!


Tendo despertado, minutos depois eu já esquecia o canto do galo. Os encantos de um novo dia, cheio de surpresas e alegrias, estavam diante de mim para ser desfrutado novamente. Ao cair da tarde, feliz com a jornada diária, chegava a sentir gratidão e agradecia o “bendito galo” que me despertava para a vida.


Retomando as reminiscências de minha infância, eu me pergunto: será que não estamos precisando ouvir o canto do galo? Não será ele um instrumento necessário para nos despertar para um novo dia? Queremos viver o que a vida tem de melhor para nos oferecer, mas para isso é preciso despertar. Despertar para a vida que renasce, cheia de encantos e possibilidades.


Para nós cristãos, o canto do galo é tudo aquilo que nos arranca de nós mesmos e nos lança em direção a Jesus. Ouvir o galo cantar é deixar o amor adentrar no mais profundo do nosso coração; é ouvir a voz misericordiosa de Jesus que nos oferece um novo dia, uma nova vida. É fazer a experiência da ressurreição, que se inicia com a morte. Quando criança, eu não queria despertar para um novo dia; a preguiça me atraía para a cama. Também hoje despertar para a vida autenticamente cristã exige esforço. Exige uma entrega, um entrar em nós mesmos para sermos capazes de ir em direção ao outro, um desalojamento e uma disposição à dinâmica da vida; exige movimento.


Acolher o canto do galo significa olhar para a nossa realidade, nossas limitações e dificuldades; aceitar as noites, pois fazem parte da nossa vida, mas ter a coragem de escolher ultrapassá-las.


Escutar o canto do galo é saber que está nascendo um novo dia e que não podemos ficar indiferente, mas devemos fazer nossas escolhas: acolher o novo dia que ele anuncia ou rejeitá-lo, dormindo enquanto a vida acontece. Mesmo que, a princípio, despertar não seja tão agradável e, muitas vezes, provoque mal-estar, essa é a única forma que temos de desfrutar as belezas do dia.


Pedro escolheu acordar e, apesar da dor, se deixou penetrar pelo olhar misericordioso de Jesus e viveu a sua Páscoa. Que, assim como Pedro, escutemos o canto do galo e, mesmo que seja entre lágrimas, possamos passar de uma atitude de negação – “eu não te conheço” – para uma atitude de amor – “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo” (Jo 21,17).