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6. Primícias das Nações (Mt 2,1-12)

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10.09.2014 | 15 minutos de leitura
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Curso Bíblico
6. Primícias das Nações (Mt 2,1-12)

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1 Depois que Jesus nasceu na cidade de Belém da Judéia, na época do rei Herodes, alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém,
2 perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”.
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou alarmado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
4 Ele reuniu todos os sumos sacerdotes e os escribas do povo, para perguntar-lhes onde o Cristo deveria nascer.
5 Responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta:
6 “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo, Israel”.
7 Então Herodes chamou, em segredo, os magos e procurou saber deles a data exata em que a estrela tinha aparecido.
8 Depois, enviou-os a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo”.
9 Depois que ouviram o rei, partiram. E a estrela que tinham visto no Oriente ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino.
10 Ao observarem a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande.
11 Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra.
12 Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, passando por outro caminho.
Situando

Com o capítulo segundo encerra-se o Evangelho da Infância. Após ter referido a origem remota de Jesus, isto é, a sua inserção na estirpe davídica e abraâmica através de José, e após ter indicado a sua origem próxima, ou seja, a geração do messias no ventre de Maria, não pelo esforço do homem, mas por obra do Espírito Santo, Mateus elabora dois episódios de rara densidade teológica: a adoração dos magos e a fuga para o Egito– seguida do retorno à terra de Israel.Ao primeiro dedicaremos o presente estudo.


Um modo de exprimir o texto

 Tanto o episódio dos magos quanto o relato da fuga para o Egito deixam totalmente descobertas as raízes judaicas do Primeiro Evangelista. No ambiente judaico –no qual se encontra Mateus – praticava-se um método de leitura das Escrituras que consiste em sondar o sentido mais profundo do texto, com a finalidade de atualizá-lo, ou seja, de exprimir sua força e seu sentido para o tempo presente. Esse método era conhecido como midraxe, termo que transmite a ideia de buscar ou perscrutar. Um tipo de midraxe era o narrativo, que incluía contos e histórias de tipo didático ou edificante sobre a vida dos sábios e heróis do passado. A este tipo, pertence todo o capítulo segundo, que deve ser lido consequentemente não como um relato histórico-factual, mas como uma narração teológica de qualidade suprema. Sua finalidade não é instruir o leitor sobre o rigor dos fatos acontecidos, mas, muito mais do que isso, transmitir um sentido profundo de fé, a partir de um relato acerca da vida do menino Jesus.


Simplesmente Jesus

Diferentemente da genealogia (cf. Estudo 4), que nos situa imediatamente diante de “Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1,1), e também da narração do nascimento, que nos coloca diante do “Cristo” (Mt 1,18),o v. 1 nos coloca defronte Jesus. Nem títulos messiânicos, nem célebres ancestrais; apenas a humanidade desnuda do salvador (cf. Mt 1,21). Mas, assim como a perícope anterior na qual apenas são mencionados o nascimento e o nome dado à criança (cf. Mt 1,24), também aqui se omitem todos os pormenores. Eis a grande diferença entre a versão mateana e a lucana do nascimento: enquanto Lucas se preocupa com detalhes que mostram a ação salvífica de Deus na história humana, Mateus procura elucidar exclusivamente o significado profundo do transmitido. A teologia de Mateus o faz mencionar, mesmo que brevemente, como se fosse dado de somenos importância, o lugar do nascimento, Belém, afinal, é preciso deixar claro que Jesus é o Novo Davi que dá a Nova Torah ao Novo Israel de Deus, os cristãos. Mateus vai insistir nesse dado quando chegar ao v. 6. Ainda no versículo 1, aparece a expressão “na época do rei Herodes”. Trata-se de Herodes, o Grande, que reinou sobre a Palestina entre os anos 37 e 4 a.C. Por estranho que pareça, a data do nascimento de Jesus não coincide com o começo da nossa era. Isto se deve a um erro de cálculo cometido por Dionísio, o Exíguo (séc. VI), que foi o criador do calendário cristão, isto é, da divisão da história em antes (a.C.) e depois de Cristo (d.C.). Jesus nasceu, pois, aproximadamente seis anos antes do ano primeiro. Curiosidades à parte, o certo é que Herodes ganhou fama, tanto de construtor, quanto de assassino. De fato, construiu, dentre outras maravilhas, o Templo que Jesus conheceu; além disso, mandou também derramar, como se de água se tratasse, o sangue de todo potencial adversário.


Alguns magos do Oriente

A menção dos magos (v. 1a) merece um parágrafo aparte. Note-se bem: o texto não diz nem que fossem três, nem que fossem reis, nem que se chamassem Melchior, Gaspar e Baltasar. Contudo, assim que lemos o relato, tudo isso vem instantaneamente à nossa cabeça!O equívoco parte da religiosidade popular dos primeiros séculos, que, no intuito de conhecer mais de perto esses adoradores, preencheu o relato de coloridos detalhes que são alheios à narrativa evangélica. Um caso paradigmático é o do Livro Armênio da Infância, que é um livro apócrifo do final do século VI,quando os magos“viraram reis”: “Um anjo do Senhor foi apressadamente ao país dos persas a avisar aos reis magos para que fossem adorar o menino recém-nascido. E estes, depois de terem sido guiados pela estrela durante nove meses, chegaram ao seu destino no momento em que a virgem dava à luz [...]. Os reis magos eram três irmãos: o primeiro, Melkon, que reinou sobre os persas; o segundo, Baltasar, que reinou sobre os índios, e o terceiro, Gaspar, que possuiu os países dos árabes”. Mas, no relato mateano, não aparecem essas informações.


Quem eram, então, esses “magos”? O vocábulo designava uma casta sacerdotal bem conhecida nas cortes orientais – especialmente no Egito, na Pérsia e na Babilônia –, que era responsável de assessorar o rei nas difíceis decisões a serem tomadas. Paz, guerra, fome, seca ou qualquer outra situação que pudesse comprometer os destinos do reino passavam pelo crivo destes homens, que,a partir da observação dos corpos celestes, procuravam discernir o caminho a seguir.Eram, pois, conselheiros régios; uma espécie de mistura de astrônomo com astrólogo (cf. ./7-os-magos-que-viraram-reis/).Eram vindos do Oriente, ou seja,do além-Jordão: território de nações pagãs que, após o exílio, fora habitada também por judeus da diáspora. E chegaram a Jerusalém, o centro religioso do judaísmo, lugar do Templo e sé do sumo sacerdócio.


A pergunta dos magos indica a realeza do recém-nascido:“Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?” (v. 2). Mas que tipo de rei é Jesus? Certamente, não é o rei guerreiro que muitos judeus, cansados do jugo romano, estavam esperando. Também não é o rei “vitorioso” que, às vezes, nós mesmos, angustiados pelo peso das nossas necessidades, esperamos; nem muito menos o rei severo que, com frequência, anunciamos ou tememos. Jesus é sim o rei-messias esperado, mas, contra toda espera, seu trono, feito de áspera madeira, é a cruz. Portanto, é ali, na cruz, que deverá ser buscado por quem, com o Cristo glorioso, queira se encontrar.


Seguindo uma estrela

“Vimos a sua estrela” (v. 2b): os antigos acreditavam que, ao nascer uma criança, com ela nascia uma estrela e que,no ocaso da pessoa, seu astro morria com ela. Supunha-se, então, que havia tantas estrelas nos céus como pessoas vivas na terra. O tamanho da estrela – também se pensava – era proporcional à importância da pessoa, de modo que à uma pessoa ilustre, como um rei ou um herói, correspondia uma estrela maior que as dos outros mortais. Por isso, não é de estranhar que, no apócrifo conhecido como Protoevangelho de Tiago (meados do século II), a estrela de Jesus aumentasse de tamanho: “Vimos uma estrela de um fulgor tão vivo, em meio aos outros astros, que eclipsava a todos até o ponto de deixá-los invisíveis” (cap. 21). As estrelas, por outro lado, eram a principal companhia de navegantes e caminhantes, pois, sem elas, era fácil perder-se, tanto na imensidão do mar, quanto na vastidão da terra firme. Ora, o adivinho Balaão, vindo do outro lado do Jordão quando o povo saído do Egito ainda estava no deserto, tinha profetizado que, nos céus, resplandeceria um sinal messiânico: “Vejo-o, mas não agora, contemplo-o, mas não está perto – uma estrela sai de Jacó, um cetro se levanta de Israel” (Nm 24,17). Desde então, a estrela passou a ser um sinal de esperança, não só para navegantes e caminhantes, mas também para o povo da Antiga Aliança, que era, afinal de contas, grupo de peregrinos. Contudo, não são os judeus que, reconhecendo a estrela, anunciam às nações a feliz notícia, mas, ao contrário, são os pagãos, prefigurados nos magos, que, distinguindo nos céus o astro resplandecente, proclamam a Israel que o messias chegou. “Viemos adorá-lo” (v. 2b): os magos reconhecem a realeza do menino; a adoração, prostração ou inclinação é o sinal externo desse reconhecimento.


Apesar do sinal messiânico e das diferenças que os separavam, Herodes – fantoche de Roma – e Jerusalém – capital do povo oprimido –, coincidem num sentimento comum de alarme e sobressalto (v. 3). Pior ainda: ao invés de alegrarem-se pelo nascimento do messias esperado, as lideranças judaicas acabarão rejeitando Jesus, comprometendo,assim, sua condição de liderança e a razão de ser povo escolhido. Como ser, de fato, líder do povo se, ainda que o céu brilhar,se insiste em permanecer nas trevas? E como ser luz das nações (cf. Is 42,6) se, por obra de pastores iníquos, os próprios olhos foram despojados daquele que é a fonte da luz?


Aonde “deveria nascer” o Cristo? (v. 4). Eis a pergunta de Herodes às lideranças judaicas. A forma verbal “deveria nascer” aponta claramente na direção do messias esperado. Em Belém de Judeia – respondemos magos (v. 5). Imediatamente, Mateus entra na conversa e revela porque o messias deveria nascer ali: “Assim escreveu o profeta”. A seguir, o evangelista reúne, numa única citação, Mq 5,1, que anuncia o nascimento de um governante para Israel na pequena Belém, e 2Sm 5,2, onde Davi, ao ser ungido rei, é reconhecido como pastor pelas doze tribos. Contudo, a citação não é literal. O oráculo do profeta é, de fato, modificado, de modo que Belém não é mais “pequenina entre as aldeias de Judá”; mas, ao contrário, por ter abrigado o menino-príncipe, “de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá”.


Para legitimar sua teologia, Mateus recorre às Escrituras. É a segunda vez que ele o faz nos relatos das origens (cf. Mt 1,23). É preciso insistir para seus leitores, cristãos de origem judaica, que as Escrituras apontam para Jesus como o Cristo, o Messias que havia de vir. Mesmo já tendo dito na genealogia que Jesus é o Filho de Davi (3 séries de 14 gerações), parece fundamental tornar a dizer que a esperança messiânica se cumpre nele. Assim como o rei Davi nasceu em Belém, Jesus, o Novo Davi, deve nascer nessas terras. Para o leitor de Mt, tal indicação geográfica é muito mais que uma informação sobre o lugar de onde Jesus é natural, mas é o atestado de sua messianidade e o garantido direito de governar sobre seu povo, o Novo Israel de Deus. Não se assuste o leitor de Mateus ter insistido que Jesus é o Novo Moisés (por isso a divisão do seu evangelho em cinco livrinhos – cf. Estudo 3) e agora dizer também que é o Novo Davi(como já disse no Estudo 4). Para Mateus, Jesus é o legítimo representante de Deus diante do povo: toda liderança antiga exercida em nome de Deus se efetiva nele; ele é o messias esperado!


Herodes chamou, então, os magos, para conhecer a data exata em que estrela tinha aparecido. Fê-lo “em segredo”(v. 7), de modo que suas verdadeiras motivações – matar a criança (cf. Mt 2,16) – não fossem conhecidas. Depois, enviou os magos a Belém, em busca de informações mais precisas sobre o menino. “Para que também eu vá adorá-lo”: a mesma declaração que, na boca dos magos expressara a feliz acolhida do dom de Deus – “viemos adorá-lo” (v. 2) –, na boca do sanguinário Herodes, resulta perturbadora.


Ao partirem de Jerusalém, “a estrela que tinham visto no oriente ia à frente deles” (v. 9). Mateus não o diz expressamente, mas parece dar a entender, que, ao saírem da Cidade Santa, a estrela, que tinha sumido, reaparece. Ou seja, o luzeiro só brilha para aqueles que, de coração aberto, esperam ardente e incondicionalmente a salvação que vem de Deus. Mas, para aqueles que, como Jerusalém e Herodes, se fecham nos próprios esquemas, preconceitos e interesses, o céu continua em trevas.Assim acontece também conosco: quando, diante dos sinais dos tempos, reconhecemos a presença salvífica de Deus, a vida ganha novo brilho, nova luz, novos horizontes; mas, quando, ao contrário, paralisados pelo medo, apegamo-nos às nossas pequenas tradições (em minúsculo), ao conhecido, àquilo que costumava ser, a vida torna-se opaca, sombria. Então, todo tempo passado parece-nos melhor e o presente, pérola preciosa que nos é confiada, e o futuro, esperança do que pode vir a ser, escorregam-se de nossas mãos. É triste, pois, fechar os olhos às estrelas da nossa vida.


O astro, enfim, se detém e, ao observá-lo, os magos exultam de alegria (v. 10). É assim que acontece com aqueles que são capazes de reconhecer, no pequeno, o dom de Deus: a alegria, que, como a estrela de Belém, assinala a presença de Deus no coração humano, toma posse da vida. “Quando entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe” (v. 11): Para Mateus, é muito importante restringir o quadro a Jesus e sua mãe, pois, no contexto judaico que permeia o Primeiro Evangelho, esse era um modo sutil – mas eloquente – de salientar a realeza do menino. Em Israel, de fato, o rei e sua mãe constituíam o casal real (cf. 1Rs 2,19; 15,2; 2Rs 10,13; 12,2; 23,31.36; 24,18). Para a comunidade mateana, o simbolismo era inconfundível. “Ajoelharam-se diante dele e o adoraram”:a ação, por si mesma, não implica o reconhecimento da divindade do menino, pois a prosternação era o modo como os orientais expressavam veneração e submissão perante a autoridade e, de modo especial, a homenagem devida ao rei.Contudo, a prosternação pode expressar também a obediência reservada exclusivamente a Deus, como adverte Jesus no deserto, diante do tentador: “Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto” (Mt 4,10). Não descartamos, pois, que o gesto dos magos possa ter também esse significado. De resto, a prosternação é, no quadro geral de Mt, a atitude do homem diante de Jesus (cf. Mt 4,9-10; 8,2; 9,18; 14,33; 15,25; 20,20). “Ouro, incenso e mirra”:a entrega de presentes, sinal de obediência e de aliança, complementa o gesto anterior. O pormenor bem pode ser um eco do profeta Isaías, que anuncia a glória da Jerusalém messiânica: “Estarão trazendo a ti os tesouros de além-mar, aí chegarão as riquezas das nações.Multidão de camelos te invade,dromedários de Madiã e de Efá, de Sabá trazem ouro e incenso,anunciando os louvores do Senhor” (cf. Is 60,5-6; também cf. Sl 72,10). Os Padres da Igreja e Lutero viram naqueles preciosos dons símbolos da realeza (ouro), da divindade (incenso) e das futuras exéquias do redentor, que, como todo homem, experimentaria a morte (mirra – cf. Mt 15,23; Jo 19,39).


 Entretanto, Herodes continua maquinando projetos perversos. Mas Deus, que vela por seu ungido, revela-se aos magos, em sonhos, como a José: devem voltar por outro caminho e evitar Herodes (v. 12), que – como veremos no próximo estudo – continua elucubrando.


* * *


Diante do recém-nascido, some qualquer terror: Deus não é um juiz implacável! Ele se fez criança e descansa no colo de uma mulher!Quem o acolhe, seja judeu ou pagão, cristão-católico ou não, experimentará, no seu olhar, a salvação.







Estudo anterior:  5.Filho de Davi e Filho de Deus (Mt 1,18-25)

Próximo estudo:  7. O caminho de Moisés (Mt 2,13-23)