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28. Desescolarizando a catequese

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27.09.2017 | 45 minutos de leitura
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Acadêmicos
28. Desescolarizando a catequese

Alex Cristiano dos Santos


Solange Maria do Carmo


 

Resumo


A catequese contemporânea tem apresentado sinais de falência.  Os resultados dos esforços catequéticos têm sido poucos ou quase nulos: não conseguimos contagiar os catequizandos com a proposta do evangelho a ponto de fazê-los prosseguir no discipulado do Mestre de Nazaré. Diante de tal fenômeno, perguntamo-nos: o evangelho de Jesus Cristo perdeu sua força e, por isso, não possui mais significância para a vida dos contemporâneos ou é nossa catequese que não consegue propiciar a experiência do Ressuscitado, capaz de transformar a vida dos catequizandos? Nós cremos que a pessoa de Jesus Cristo e seu evangelho não tiveram sua significância reduzida e também sabemos que o tempo atual não é menos apto à fé cristã que outros (pois toda sociedade e todo tempo são capazes de Deus). O que nos parece mais provável é a inadequação do paradigma catequético em relação à sociedade secularizada que se implantou, especialmente da pedagogia catequética. A pedagogia ensino-aprendizagem, pilar do ato catequético desde tempos na Igreja, é extremamente escolarizada, preocupada com a transmissão da doutrina ou com a construção do conhecimento. Ela não inicia no mistério pascal, mistério central da fé cristã. É preciso substituir a pedagogia ensino/aprendizagem, cujos recursos para a comunicação da experiência cristã de Deus se mostram esgotados, pela pedagogia iniciática, capaz de proporcionar a experiência com o Ressuscitado. É preciso des-escolarizar a catequese, transformando as “aulas de catecismo” ou “aulas de catequese” em momentos de encontro pessoal com Deus, plenamente revelado em Jesus Cristo, pela ação do Espírito.



Palavras-chave: Des-escolarização. Pedagogia. Iniciação. Encontro. Catequese.


Ao olhar a realidade contemporânea, é difícil não reconhecer o déficit de iniciação cristã deixado ao longo da história entre os católicos. Os dois primeiros paradigmas (a catequese doutrinária dos catecismos de Trento e a catequese antropológica reafirmada no Vaticano II) não foram capazes de corrigir essa lacuna. A atual ruptura no processo de transmissão da fé cristã se tornou visível na queda do número de cristãos e no crescimento do ateísmo e das religiões não-cristãs. Esses dados levam catequetas e evangelizadores em geral a desejar uma pedagogia capaz de proporcionar ao catequizando um encontro pessoal com Deus, por meio do mergulho no mistério pascal de Cristo. Comunicar a experiência cristã de Deus tornou-se urgência na contemporaneidade. A fé cristã, desde muito atrelada ao processo cognitivo, grita por libertação; deseja reencontrar seu caminho genuíno: as vias do coração, da experiência pessoal com Deus.


Em busca de uma pedagogia que favoreça a experiência cristã de Deus, nota-se hoje uma necessidade de separação entre os horizontes catequético e escolar. É preciso reconhecer que catequese não é escola. A catequese deseja promover uma experiência pessoal de Deus, enquanto a escola dá prioridade à assimilação de conhecimentos intelectivos[4]. Por mais que a catequese contemple uma vertente cognitiva da fé, esta não é sua característica fundamental, encontrada, essencialmente, na experiência do mistério pascal de Cristo, capaz de envolver a vida toda da pessoa, sua formação integral (DGC, 69), concedendo a ela novo sentido. Reconhecendo o verdadeiro fundamento do ato catequético na experiência do mistério pascal de Cristo, emerge a necessidade urgente da des-escolarização das práticas catequéticas, retornando à pedagogia original da fé (DGC, 138), a pedagogia da iniciação. Em substituição à pedagogia ensino-aprendizagem, a catequese – que deseja propor a fé cristã – redescobre a força da pedagogia da iniciação como caminho genuíno para comunicar o Deus de Jesus Cristo, Totalmente outro, presente na história, sempre se comunicando aos seus. Não se trata de eliminar a intelecção da fé, que exige dar suas razões, mas de reconhecer que a via cognitiva não é o fundamento primeiro da evangelização e, consequentemente, do ato catequético.


Já foi o tempo em que entendíamos o processo de maturação da fé como consequência de assimilação de conteúdos ou como processo retilíneo, evolutivo, consequente da construção do conhecimento do próprio catequizando. O caráter dinâmico da revelação de Deus nos convida a compreender o processo de maturação da fé cristã como um contínuo devir, um constante e sempre novo mergulho no mistério de Deus, que gera, a cada dia, uma nova experiência capaz de transformar a vida das pessoas. Os processos catequéticos não se encerram em caminhos intelectivos, nem em meros cursos de preparação para a recepção de sacramentos. Nem sequer são aula de doutrinação, objetivando formar apologetas, defensores da fé, católicos de conhecimento da doutrina da Igreja. A catequese propõe um itinerário continuado que visa proporcionar ao catequizando a chance de entrar em intimidade com Deus, de fortalecer com ele laços de proximidade, permitindo saborear sua presença amorosa. A experiência humana de fé é sempre limitada, necessitando de constante evolução, contínuo devir maturativo que impulsione os indivíduos a continuar a caminhada no seguimento ou discipulado do Mestre de Nazaré.


Por muitos anos, a prática catequética católica olvidou o processo contínuo de maturação da fé, de busca de uma experiência profunda dos mistérios de Deus plenamente revelados em Jesus, insistindo em fazer da catequese um curso de preparação para os sacramentos. A catequese contentou-se com a assimilação dogmático-racional da doutrina católica ou com a análise das realidades humanas em prol da implantação do Reino. Tal realidade conduziu à consolidação de uma catequese respaldada por uma pedagogia intelectiva, seja ela fundamentada na doutrina presente nos catecismos (paradigma de Trento), seja ela alicerçada na realidade do catequizando (paradigma da Renovação Catequética). Para que se faça uma transição, da pedagogia escolar (ensino-aprendizagem) para a pedagogia original da fé (iniciação), é preciso que se reconheça que os caminhos do processo catequético passam muito mais pelo encantamento e pela sedução que por uma simples racionalização assimilativa de dados doutrinais. Trata-se não de uma novidade ou de um modismo, mas de um retorno às fontes da fé cristã, não de modo mecânico ou ritualista, mas de forma criativa, pois novas são as realidades que desafiam a transmissão da fé.


Partindo do reconhecimento das novas condições em que devemos viver e anunciar o Evangelho, somos convidados a entrar numa dinâmica de aprofundamento e de volta às fontes que favoreça uma reapropriação da fé, em uma situação nova, a partir de seu centro: o Senhor Jesus, Filho do Deus vivo, revelado, conduzido pela força do Espírito (MARTÍNEZ ÁLVAREZ; et.al., 2006, p. 154)[5].


É facilmente observável que, há muito tempo, a fé cristã deixou de ser uma evidência sociocultural, como nos tempos de cristandade. Em tempos de cristandade, bastava ensinar algumas doutrinas, alguns ritos e umas orações, e a catequese podia se dar por satisfeita, pois a fé cristã era elemento cultural. Para essa catequese, a pedagogia escolar parecia apropriada. Não mais hoje em dia em que a fé cristã desapareceu do horizonte cultural e a catequese é desafiada a transmitir ou propor a fé, ou seja, favorecer ou comunicar a experiência cristã de Deus.


A velha “cristandade” é passado. Estamos, pois, nesta sociedade secularizada, laica e plural, onde existem uma multiplicidade de “propostas” de sentido para a vida humana, desde as mais banais até as mais profundas. Nós devemos aprender a arte de “propor” nossa fé, que é a fé da Igreja, o Evangelho e a pessoa de Jesus de Nazaré como “caminho de humanização” (SABORIDO CURSACH, 2007, p.12)[6].


O desafio é, pois, passar de uma catequese cuja base se assenta sobre a pedagogia escolar para práticas pedagógicas iniciáticas, propositoras da fé. Mudando-se a pedagogia, mudam-se os elementos de didática que favorecem a pedagogia escolhida. Se o objetivo da catequese atual é outro e não mais o acúmulo de conhecimento acerca da fé, mas sim a relação de intimidade com o Ressuscitado no convívio fraterno eclesial, então as práticas anteriores – da pedagogia escolar – caducaram e outros elementos esperam entrar em cena. Em lugar de aula, apreensão de conteúdos etc., a catequese iniciática contará com elementos que irão estimular a experiência de fé, o mergulho no mistério do Ressuscitado.




1 Sinais de escolarização na catequese



Tanto a velha cristandade, como a modernidade passaram, mas os parâmetros catequéticos delas advindos ainda perduram nas práticas catequéticas da sociedade contemporânea. A assimilação das pedagogias do ensino e, posteriormente, da aprendizagem fez com que, ao longo do tempo, a catequese acabasse absorvendo e acompanhando o ritmo escolar. Não é de hoje que a relação catequista-catequizando tem sido entendida a partir do binômio professor-aluno, a ponto de os catequistas se identificarem como professores de catecismo ou de catequese, e os catequizandos como seus alunos. Além disso, a catequese – como uma escola – adotou material didático-pedagógico: livro da criança, caderno, dever de casa, exame final etc. A catequese tronou-se um curso com objetivos específicos: receber a primeira eucaristia ou a crisma. Em alguns lugares, a celebração desses sacramentos parece uma formatura: roupa de festa, diploma de conclusão do curso, fotografias etc. O catequeta francês, Denis Villepelet, alerta: “A catequese […] tem copiado muito a escola: seus ritmos, sua maneira de entender a aprendizagem e sua pedagogia. Alguns livros de catequese estão concebidos como programas escolares que propõe aprendizagem gradual em função de objetivos pré-determinados” (VILLEPELET, 2006, p. 90)[7].


Na prática catequética das paróquias brasileiras, grandes sinais de escolarização estão presentes. Eis alguns.




  1. A maioria dos encontros de catequese acontecem em prédios escolares e, quando acontecem em centros pastorais, estes são estruturados segundo a compreensão de catequese como curso ou aula de religião.

  2. Nos encontros, predomina o ensinamento de um tema da religião, com o auxílio de quadro, giz ou pincel, mas sempre no formato de aula.

  3. As salas são compostas de carteiras com braço para se fazer anotações ou de cadeira e mesinha, próprias de escolas, sendo essas enfileiradas e não dispostas em círculo.

  4. A catequese se dá com o auxílio do livro do catequizando (livro do aluno) e o livro do catequista (livro do professor). Não poucas coleções ainda acrescentam o livro da família, mandando deveres de casa para os pais.

  5. O catequizando vai para a catequese portando material escolar como se fosse para as aulas regulares das escolas; leva material didático: livro, caderno, lápis, borracha, caneta etc., infelizmente – em alguns casos – exigidos em grandes listas no começo do ano, exatamente como se faz nas escolas.

  6. A catequese tem formato de curso, com data para começar e para acabar, com conteúdo programático a ser cumprido e com objetivo específico: fazer a primeira eucaristia ou a crisma;

  7. Muitos catequistas, além das tarefas dadas na catequese costumam atribuir tarefa para ser feita em casa: o conhecido “para casa”.

  8. O catequista apresenta um conteúdo e o catequizando se limita a ouvi-lo e assimilá-lo.

  9. Há exigência de se decorar alguns conteúdos específicos: os dez mandamentos, os sete sacramentos, as virtudes teologais, os mandamentos da Igreja, as orações etc.

  10. Algumas paróquias ainda impõem aos catequizandos a “obrigação” de se participar da missa e de se trazer, na semana seguinte, uma prova de participação na liturgia dominical, tal como o folheto dominical, uma carteirinha assinada ou carimbada, um álbum montado com figurinhas de desenhos acerca do Evangelho dominical.

  11. Não é incomum encontrar quem aplique uma avaliação sobre o conteúdo apresentado a fim de aprovar ou reprovar o catequizando para a etapa seguinte ou para a admissão ao sacramento buscado.

  12. Os nomes dados aos agentes do processo catequético coincidem exatamente com a nomenclatura escolar: o catequista é professor ou tio, e o catequizando é aluno.

  13. As famílias não são catequizadas juntamente com os filhos e são envolvidas no processo catequético somente nos momentos em que se faz necessária a resolução de algum problema grave ou quando se vai marcar datas para a recepção dos sacramentos, acertando-se os preparativos para tal ocasião.



Tais características acima são levantadas da realidade atual brasileira, mas Carmo lembra que


A escolarização da catequese vem de longe, não é particularidade brasileira. Ela tornou-se de tal forma forte que a catequese foi confundida com ensino religioso, presa no âmbito escolar, ministrada nas salas de aula. O calendário escolar regia a catequese, e a recepção dos sacramentos se condicionava ao grau de escolaridade da criança. O catequista foi transformado em professor de religião, o catequizando em aluno, o encontro em aula, a experiência de fé em dado intelectual (CARMO, 2016a, p. 232).


Em alguns lugares, a catequese foi tão atrelada à escola que se tornou parte do currículo escolar, em especial nas escolas de profissão religiosa. Ainda hoje, alguns diretórios diocesanos regulamentam o início da catequese concomitante ao ingresso no primeiro ano do ensino fundamental, mudando a criança de etapa na catequese de acordo com a série escolar que frequenta.


Com a consolidação do processo de escolarização da catequese, ficou traçado um caminho cognitivo para a transmissão da fé. Se a centralidade da pedagogia está no ensino, conforme o paradigma de Trento, segue-se o caminho exposição de conteúdos, memorização e aplicação na vida. Se a centralidade é posta sobre a pedagogia da aprendizagem, conforme o paradigma da Renovação Catequética, então tem-se a sequência experiência-implicação, explicação-compreensão, apropriação-transferência. Em ambas, ainda que por caminhos distintos, o mistério central da fé cristã, a páscoa, fica reduzido ou a uma verdade a ser aceita ou a uma incógnita a ser revelada. Não se entende o mistério como algo no qual se é mergulhado, algo que não é, primeiramente, para ser aprendido ou entendido, mas para ser experimentado como fonte de alegria e força que faz viver.




2 Elementos favoráveis à pedagogia da iniciação



O principal objetivo da catequese iniciática é propiciar uma experiência pessoal de Deus, o Totalmente outro, o Deus transcendente, que se faz presente na vida de seu povo por pura misericórdia, caminhando junto à humanidade. Os processos catequéticos de outrora, utilizados ainda nos tempos atuais, não favorecem tal experiência. Foram pensados com outros fins, como combater a ignorância religiosa por meio da transmissão da doutrina (catecismos de Trento) ou buscar as razões da fé (catequese da modernidade). É preciso uma profunda reformulação, capaz de apresentar, atrativamente, nossa fé, não como imposição ou herança social, mas como proposta a ser livremente aceita ou rejeitada.


Ajudar o povo a fazer essa experiência do Deus totalmente Outro, mas totalmente próximo e presente em nossa história por meio de Jesus, desponta como missão primeira da catequese hoje. A fé cristã não sobrevive mais nas atuais circunstâncias se não for assumida como uma convicção pessoal e livre. A fé herdade de nossos pais já não garante mais a nossa fé. Antes de ser transmissão, a fé reclama seu caráter de proposição que deve ser livremente assumida ou rejeitada (CARMO, 2010, p. 52).


A fé “supostamente” herdada, lapidada por meio da assimilação de doutrinas, precisa ser substituída, nos dias atuais, pela fé livremente assumida, aquela que é fruto da relação íntima-pessoal com aquele que é a máxima revelação de Deus: Jesus Cristo. Como afirmou o papa Bento XVI em sua encíclica Deus Caritas est (Deus é amor): “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DCE, 12). Só a experiência pessoal com Jesus é capaz de encantar as pessoas e mudar seus valores e projetos de vida. A finalidade da catequese atual não se encontra na assimilação de conhecimentos intelectivos sobre a pessoa de Jesus, a Trindade ou algum tema relativo à doutrina da Igreja, mas no contato íntimo e profundo, na comunicação e comunhão com o Ressuscitado e sua proposta salvífica, pela ação do Espírito. Portanto, a catequese deve ser, sobretudo, um convite para saborear, degustar a presença de Jesus, plenitude da revelação do Pai, na vida nova que o Espírito de Cristo possibilita.


O anúncio evangélico é, antes de tudo, anúncio e encontro com uma Pessoa, Cristo Jesus, máxima revelação de Deus ao homem. O cristianismo, já se disse, não é algo, é alguém. Em seu âmago mais profundo está o encontro com uma Pessoa adorável, a intimidade com uma Pessoa que satisfaça os desejos mais profundos do coração humano. [...] O resultado de nossa ação evangelizadora depende, naturalmente, de muitos fatores, porém o mais importante, o desencadeador de todo processo de transformação e de conversão, é o encontro com Jesus Cristo. Quando esse encontro se reveste de uma grande intensidade cativante, repercute nas atitudes que se toma na vida e constitui uma referência essencial para definir a própria identidade e o próprio projeto de vida (ALBERICH, 2008, p. 30).


Reconhecendo a finalidade da catequese e o déficit de iniciação dos dias atuais, torna-se indiscutível a necessidade de construção de um novo modo de fazer catequese, capaz de alcançar os objetivos da evangelização frente às demandas do indivíduo e da sociedade contemporânea. O paradigma catequético proposto por Denis Villepelet aponta a iniciação como um caminho pedagógico, como uma pedagogia a ser assumida em vez de o ensino ou a aprendizagem.


A seguir, alguns elementos que favorecem a pedagogia da iniciação. Se bem trabalhados, podem auxiliar a catequese a se tornar mais dialogal, mais narrativa, mais mistagógica, ou seja, podem fazer reconhecer a ação do Espírito que proporciona o encontro profundo e íntimo com o Ressuscitado.



2.1 O espaço catequético



Nem sempre, na prática catequética, se dá muita importância para o espaço onde acontecem os encontros. Parece que qualquer lugar serve para qualquer atividade. É bem verdade que, na peleja das comunidades eclesiais, costuma-se ter que celebrar, reunir conselhos e dar catequese em qualquer espaço, por falta de opção. Mas um pouco de atenção ao espaço pode fazer bastante diferença. É o caso da catequese que – quase sempre – acontece em espaços que não favorecem a comunicação da fé como experiência, mas favorecem-na como ensino-aprendizagem de conteúdos de religião. É a famosa confusão entre encontro de catequese e aula de catequese. É preciso distinguir essas duas práticas para prosseguir falando sobre o ambiente catequético.


Na aula de catequese, o professor ensina verdades que o aluno deve apreender, assimilar. Trata-se de um processo com característica mais intelectual que vivencial, mais cognitiva que experiencial. No encontro de catequese, o catequista testemunha a fé, anuncia uma pessoa e não verdades, cria possibilidades de comunhão com essa pessoa, cria disposições interiores para a relação com ela. Nesse encontro, as verdades anunciadas estão em função da comunhão com Aquele que é a verdade e não em função do desejo de possuir as verdades ou de sabê-las de cor. Quando comunicadas, tais verdades têm a função de aprofundar a relação com Deus, por isso devem ser amadas, admiradas e assumidas como valores para a vida, em função da comunhão com o Deus da vida que as comunica.


Na aula de catequese, o catequista funciona como um professor e o catequizando como um aluno. Um ensina; o outro aprende. Daí os diversos materiais que compõem a aula de catequese. Para o professor-catequista: mesa, cadeira, giz ou pincel e quadro. Para o aluno-catequizando:  pasta, caderno, lápis, borracha, livro etc. É o modelo tradicional de escola. Mas a catequese paroquial não é escola, nem o encontro catequético uma aula, por isso “uma catequese des-escolarizada não suporta nem mesmo o chamado ‘livro da criança’” (CARMO; SILVA, 2004, p. 8). No encontro de catequese, até os materiais didáticos são diferentes ou usados de forma diferente. Não se trata de uma fobia da escola ou de qualquer outro elemento que possa lembrar sala de aula. Trata-se da necessária desvinculação entre catequese e aula. Materiais escolares não são abominados; são apenas redimensionados os usos. Quando for necessária a utilização de algum material, este deve ser levado pelo catequista. Estes materiais devem ser simples e custeados pela comunidade eclesial. Assim, todos os catequizandos utilizam o mesmo material, criando espírito comunitário, aprendendo a trabalhar em conjunto, a partilhar etc.


 Na catequese-aula, o catequista-professor avalia a aprendizagem do catequizando-aluno através de provas, deveres e arguições. Nesse caso, o objetivo é avaliar a assimilação do conteúdo repassado. Já na catequese-encontro, a avaliação da experiência do catequizando é mais complicada. Na verdade, a catequese-encontro não quer avaliar a aprendizagem do catequizando. Ela quer somente motivar, propor a fé. Não há provas do tipo escolar que possam medir o interesse do catequizando pelo seguimento de Jesus. Somente seu desejo de estar ali e sua participação nos encontros podem sinalizar – ao longe – se ele de fato despertou para o discipulado. As provas são do tipo simbólicas (ritos), apesar de reais. Não são cognitivas, não medem conhecimento. Elas propõem passagens, abandonos, adesões... Daí a importância de o catequista cativar o interesse dos catequizandos, propiciando um encontro atraente, encantador.


O caminho epistemológico da aprendizagem intelectual não é o mesmo caminho epistemológico da aprendizagem vivencial ou experiencial. São duas epistemologias bem diferentes que exigem espaços diferentes. O que fazer então? As salas de catequese dos centros catequéticos das paróquias – quase sempre – foram construídas para favorecer a aula de catequese e não o encontro de catequese. São normalmente quadradas, com carteiras enfileiradas umas atrás das outras, mesa do professor à frente, quadro na parede onde será posta a lição. O ambiente não propicia a partilha, nem a oração, nem a celebração litúrgica, nem a fraternidade. É ambiente pensado para aula, ou seja, para uma catequese escolar. Alguns podem achar bobagem insistir nisso, mas não é sem importância a questão do espaço. “O espaço físico em que se reúne tem um poder de sugestão, exercendo grande influência no processo comunicativo da catequese e gerando disposições interiores que poderão ser favoráveis ou não” (CARMO; SILVA, 2004, p. 7). O ambiente diz o que vai acontecer no local. Se um ambiente tem cadeiras em círculo, quem chega diz: “haverá uma reunião”; se tem cadeiras umas atrás das outras e uma mesa à frente, quem chega diz: “aqui vai ter um curso ou uma aula”. O ambiente fala; ele comunica algo. Um ambiente enfeitado, limpo e bem preparado diz: “teremos algo importante aqui”; um ambiente abandonado descuidado, sujo, sem símbolos comunica: “nada de novo; mesmo abandono de sempre!”. Um ambiente com bandeirolas, fogueiras e balões diz: “festa junina”; um ambiente com altar, velas, flores, músicas litúrgicas diz: “celebração religiosa”. Ora, o ambiente é comunicador; ele fala sem dizer uma única palavra. Ele anuncia o evento. Daí sua importância. Se a catequese quer comunicar a fé, a experiência cristã de Deus, deve preparar o ambiente para que favoreça esse encontro.


O mesmo pode ser dito a respeito do interesse pelo evento, da participação e da disciplina no encontro. Um espaço adequado favorece a concentração, a interatividade, a participação, a oração, o diálogo; um espaço inadequado conduzirá à dispersão, ao isolamento, à intelecção da fé, à dificuldade de comunicação do mistério pascal e da participação no mesmo. Um espaço grande demais com uma turma muito pequena gera dispersão, e o encontro catequético pode ficar prejudicado. Um espaço pequeno demais com uma turma grande vai se tornar desconfortável e gerar inquietação. Não vai ser possível rezar, partilhar ou celebrar bem se os catequizandos estão incomodados com o calor. Por isso, o espaço deve ser cuidadosamente pensado para favorecer o bom rendimento do encontro com Deus. Preparar o ambiente, des-escolarizando as salas dos centros catequéticos, pode ser um bom começo para animar a turma ao encontro.  Tudo que for possível fazer para favorecer o encontro com Deus e com os irmãos e puder minimizar os impactos escolares na catequese (catequese como uma aula sobre Deus) será bem-vindo. Nesse intento, ajuda muito: organizar as cadeiras em círculo, utilizar símbolos conforme a temática do encontro, enfeitar o local com elementos visuais tais como cartazes, painéis, faixas etc. Um pouco de criatividade pode fazer toda diferença. “Apesar de ser trabalhosa, [a criatividade] traz excelentes resultados e produz um efeito agradável e atraente que deixa o encontro muito mais participativo e animado” (CARMO; SILVA, 2004, p. 12).



2.2 As atividades pedagógicas



Herança da catequese de Trento (primeiro paradigma), a pedagogia do ensino, considera o catequizando um recipiente vazio (tábula rasa), pronto para receber e assimilar conteúdos ensinados pelo catequista. A renovação catequética, herdeira de outra opção pedagógica – o construtivismo –, fez opção por caminho pedagógico inverso. Investiu na aprendizagem do catequizando, entendendo que ele próprio pode e deve traçar o caminho do seu conhecimento a partir de sua realidade existencial. O catequista tornou-se apenas um facilitador da aprendizagem; um apoio ao longo do caminho.


Apesar, porém, de todo esforço da renovação catequética de traçar um caminho mais participativo do catequizando no processo catequético, permaneceu nas paróquias a pedagogia do ensino. No máximo, deu-se uma bricolagem entre as duas propostas, costurando uma pedagogia bem escolar, do tipo ensino-aprendizagem. Implantou-se, no Brasil, uma espécie de aula de catequese, com elementos do construtivismo, especialmente no que diz respeito à formação sociotransformadora do catequizando, mas sem o caráter iniciático necessário para gerar a experiência cristã de Deus, ou seja, sem corrigir o déficit de iniciação deixado há anos na história. O catequeta Martinez Álvarez afirma que, mesmo com os avanços da renovação catequética, o problema catequético de fundo permaneceu, porque não foi levado em conta o “déficit de iniciação cristã”[8] da sociedade ocidental que, desde os anos de 1930, atravessa uma verdadeira crise de transmissão da fé (MARTÍNEZ ÁLVAREZ, 2007, p. 363).


 Se a catequese deseja ser verdadeiramente iniciática, toda sua atividade se direciona no sentido de ajudar os catequizandos a fazer a experiência cristã de Deus; até mesmo a exposição de algum conteúdo, parte integrante da catequese, toma nova configuração. A diferença é que, na catequese escolar, a exposição de temas da fé tem como objetivo a apreensão do conteúdo, o conhecimento, enquanto que na catequese iniciática, todo conteúdo da fé está em função da experiência cristã, do encontro com o Ressuscitado.


O papel mais importante do catequista não é expor doutrina, mas estimular os catequizandos a construir a sua noção de religião e fé. O catequista deve criar situações que desafiem o catequizando a expressar suas ideias, pois enquanto se expressa é que aprende. O catequista terá o papel de incentivador, de desafiador, propondo situações que exijam reflexão. É preciso reformular o velho método expositivo. Não basta expor a doutrina. É preciso criar, na catequese, um ambiente em que seja possível conversar, debater, expressar, interagir, opinar. Esse é o segredo do aprendizado (CARMO; SILVA, 2004, p. 54).


As noções religiosas difundidas no encontro catequético vão contribuir para estreitar os laços com Deus que se dá generosamente ao encontro. Deus é convívio – Trindade – e se dá ao convívio. O diálogo, a partilha e até o debate vão reforçar a liberdade da relação com Deus; vão tirar algumas dúvidas e gerar outras; vão estimular a reflexão cristã; vão incentivar a procura... O catequizando, não como uma tábula rasa que acolhe passivamente conteúdos, fará seu percurso rumo a Deus que se dá, se entrega generosamente a ele. Nesses conteúdos partilhados, nas palavras humanas, Deus mesmo se revela e acolhe aquele que se abre para o encontro com ele. Os conteúdos, em vez de fechar a discussão, abrem um leque de possibilidades, afirmando o desejo de buscar a Deus sem arrefecer os ânimos. Por isso, não basta expor a doutrina da fé. É preciso criar clima de diálogo e confiança, pois as disposições internas criadas a partir dos debates e partilhas são mais importantes que os próprios conteúdos.


É por causa dessas disposições internas – tão importantes na decisão de acolher e seguir Jesus – que a catequese da iniciação segue resoluta investindo forças nas atividades pedagógicas ou dinâmicas. Tais atividades – sempre muito lúdicas – predispõem o catequizando à acolhida do Deus bom que se dá no encontro catequético.


Nessa catequese, o catequizando não é um sujeito passivo. Como protagonista de sua catequese, tem participação ativa nos encontros, dando movimento e dinamicidade aos mesmos. As atividades pedagógicas contam com a iniciativa e a criatividade do catequizando. Por meio de sua ação, o catequizando constrói um caminho de acolhida da graça benfazeja do Deus que se dá a ele. A tarefa da catequese é gerar um desejo, uma pulsão, uma curiosidade que motive o catequizando para o conhecimento de Deus, não no sentido intelectual apenas – pois Deus não é objeto a ser conhecido –, mas especialmente no sentido experiencial, relacional. Bem diferente do sistema escolar bancário – tão criticado pelo pedagogo brasileiro Paulo Freire![9]–, a catequese segue seus rumos deixando para trás o velho esquema exposição-apreensão de conteúdos. Investe forças nas atividades pedagógicas, acreditando que a experiência de Deus realizada por meio das atividades lúdicas é bem mais significativa que um estudo sobre religião. Assim, o quadro e o giz (ou o pincel) cedem a vez para as músicas, as brincadeiras, as orações, as performances e as encenações... A exposição de conteúdos dá a vez à partilha, ao debate, ao diálogo fraterno, à liberdade de expressão. Os deveres de casa dão lugar aos encontros fraternos, às meditações semanais, às visitas aos colegas faltosos etc. O livro do catequizando fica obsoleto e, em vez dele, materiais diversos para construir cartazes, painéis, para fazer pinturas, modelagens, assistir vídeos, ouvir músicas.  E, em lugar daquela tarefa enfadonha de decorar orações, surge com força o clima orante do encontro. Tudo isso orientado pela luz da Palavra de Deus, do Deus que se diz nas palavras humanas. Nesses encontros, “a pessoa aprende agindo, fazendo algo, desenvolvendo uma ação. Por isso é que as atividades se tornam importantes no encontro catequético. Elas são uma forma de o catequizando agir” (CARMO; SILVA, 2004, p. 55). A ação é um importante instrumento de assimilação. Não qualquer tipo de ação, mas somente aquelas que forem adequadas à mensagem anunciada e aos objetivos almejados: expressão, participação, comunicação, socialização etc. Com o incremento das atividades, não como um anexo, mas como modo de ser da catequese, a antiga aula de catequese recebe seu atestado de óbito; surge animado o encontro de catequese. Os cursos de primeira eucaristia e crisma entram em extinção e encontros prazerosos de partilha, aprendizagem e convivialidade têm sua vez.



2.3 A música



A música é outro elemento importante no encontro catequético. Ela traz, em si, poder de comunicação, de despertar para a realidade, de descontrair, de relaxar, de socializar, de alegrar, de transportar para experiências marcantes. Além disso, combate o marasmo, a mesmice e o comodismo, concedendo energia e entusiasmo ao encontro. A música pode desatar as amarras da timidez, da inibição, impelindo o catequizando a expressar-se livre e espontaneamente. Ela cria laços entre as pessoas, facilitando a socialização e a comunicação do grupo, sem dizer que se configura como valioso instrumento para a assimilação de valores a partir da mensagem transmitida em suas letras.


Não são poucos os povos que usam a música como instrumento de iniciação. O povo da bíblia cantava salmos, entoava louvores cantados. Quase sempre repletos de rimas, aliterações e feitos com métrica admirável, os salmos na língua original são canções fáceis de serem decoradas, cuja mensagem fica guardada no íntimo do coração. Os jovens aprendizes iam se impregnando do ritmo harmonioso dos cânticos, aprendendo os ensinamentos da Torah por meio da recitação melodiosa de versos cantados. No Brasil, desde remotos tempos, a batida do tambor atiçava o ânimo dos negros escravos, falava-lhes ao coração acerca de seus ideais de libertação, incutindo nos mais novos os mesmos sonhos e projetos de seus antecessores. À beira do Rio São Francisco, até hoje cantam as lavadeiras as suas alegrias e tristezas. E as jovens meninas que acompanham suas mães na lida da roupa são integradas ao grupo, formando o coro que sustenta a esperança na peleja. No Nordeste, os repentistas entoam suas canções... E os filhos, atentos ao saber dos pais, aprendem a arte de responder prontamente ao desafio apresentado. A música parece ser um componente antropológico universal das culturas, sempre utilizada para iniciar o jovem aprendiz no seu mundo específico, fortalecendo os laços de pertença e suscitando o desejo de se comprometer com o grupo.


Na catequese não é diferente. Grande resgate fez o movimento catequético e a renovação catequética com sua corrente litúrgica reintegrando ritos, símbolos e músicas ao roteiro catequético. Esquecidas num canto, as canções puderam retomar centralidade, dada – nos catecismos de Trento – à exposição da doutrina. A música – como tantos outros elementos da liturgia – se viram recuperados como veículos de comunicação da boa-nova, contribuindo para o resgate das linguagens poética e simbólica, próprias da teologia.


A música é a linguagem da alma. Ela não só comunica ideias, mas transmite sentimentos e emoções, criando um estado de ânimo que rompe bloqueios e abre a pessoa para o processo catequético. A linguagem musical é das mais completas e profundas, pois associa palavras, melodias, gestos, ritmo, penetrando mais intimamente na alma humana (CARMO; SILVA, 2004, p. 34).


Exatamente porque a música comunica algo é que deve ser utilizada adequadamente nos encontros, sem excessos ou pieguices. Eis algumas dicas importantes na hora de escolher os cantos.




  1. Escolher músicas em consonância com o momento que se está vivenciando: oração, acolhida, reflexão, preparação para ouvir a Palavra de Deus, atividade lúdica, despedida etc.

  2. Perceber a reação dos catequizandos, evitando-se músicas que os desagradam, mas sempre incentivando a aprendizagem de novas canções, para não cair na mesmice ou no modismo das mídias.

  3. Cantar com todo o corpo: incentivar o catequizando a cantar e a interagir com expressões corporais. As pessoas não cantam só com a boca, mas com todo o ser. Mãos se elevam ou se retraem; corpos balançam, bailam ao som das canções. Exatamente por isso, na catequese, aconselha-se não levar as músicas em folhas impressas, o que dificultaria os gestos. Mais oportuno é levar a letra num cartaz a ser fixado na parede ou usar datashow ou recurso semelhante.

  4. Preferir com crianças ainda não alfabetizadas as músicas com letras curtas e simples, cuja memorização é bem imediata.

  5. Cantar de viva voz, deixando o aparelho de som apenas para músicas de fundo ou instrumental ou para ensaio prévio com a turma.

  6. Utilizar, sempre que possível, instrumentos musicais, mesmo os alternativos, feitos de sucata e outros materiais simples e baratos.



Sabendo da importância da música e de seu poder de comunicação, especialmente de iniciação nos mistérios comunicados, todos precisam cantar, catequizandos e catequistas. O catequista não precisa ser musicista, nem cantor. Deverá, apenas, ter conhecimento prévio da música, aprender letra e melodia sem, todavia, preocupar-se com possíveis desafinações: ele não é um profissional da área, apenas um comunicador de uma boa-notícia por meio das canções.



2.4 A oração



Carmo e Silva afirmam que “a catequese é o esforço de levar as pessoas ao coração de Deus e trazer Deus ao coração delas. Trata-se de estabelecer um encontro entre Deus e o homem” (CARMO; SILVA, 2004, p. 24). Para gerar essa comunhão sonhada, a oração pode ajudar. Não se trata certamente de ensinar a decorar orações tradicionais da Igreja, mas de fazer crescer a confiança no Deus-amor. Muito mais que recitar preces, a catequese deve despertar no catequizando o gosto pela oração, o desejo de cultivar uma intimidade filial com Deus. A recitação de orações diversas da Igreja pode sinalizar piedade e devoção, mas não garante a intimidade relacional com Deus como a fé cristã exige. Se a catequese é encontro, não apenas de pessoas entre si, mas encontro com Deus, então a oração tem aí papel primordial. A oração é uma forma de se estabelecer a relação com Deus, de manter diálogo com ele. Rezar é conversar, e conversar é estabelecer relação com quem está próximo. Muitas vezes, isso se torna difícil pelo fato de as pessoas vislumbrarem Deus como um conceito distante e não como alguém próximo, que se abre ao relacionamento. Ajudar os catequizandos a descobrir o gosto pela oração é ótima forma de contribuir com a experiência cristã de Deus.


Nos encontros catequéticos, as formas de oração devem ser variadas. O diálogo entre amigos é sempre criativo, depende da ocasião. Assim também a oração. Além disso, a criatividade evita a fadiga do encontro. As orações tradicionais, tais como Pai-nosso, Ave-Maria, Oração ao Espírito Santo, não estão descartadas nem proibidas, é claro. Mas elas ficam melhor nos encontros quando esses têm relação com os temas tratados nos encontros. Prender-se a orações decoradas é empobrecer o encontro; é transforma-lo em recitação mecânica de fórmulas, algumas vezes incompreensíveis ou sem significado para o grupo. Orações brotadas do coração do catequista e dos catequizandos devem ser valorizadas. Quando feitas em conformidade com o tema gerador do encontro e em linguagem simples, além de serem expressão da liberdade cristã, são mais favoráveis à comunhão almejada. Elas tocam mais a vida que as fórmulas prontas. São expressão de uma vida colocada em referência a Deus e a ele entregue com confiança.


Há vários tipos de oração e essa diversidade faz bem à catequese: orações tradicionais, preces, orações espontâneas, silêncios orantes, orações a partir de textos (salmos, músicas, poesias etc.) ou de símbolos. E muito mais! Vai depender da criatividade do catequista e do gosto da turma.


Para ajudar a rezar bem, recomenda-se:




  1. Cuidado com a postura corporal: uma postura adequada, confortável, favorece a interiorização e, consequentemente, a oração.

  2. Cultivo do silêncio: calar os ruídos exteriores para voltar-se para o interior. Fechar a boca e abrir os ouvidos para escutar os clamores de Deus.

  3. Utilização da música: quando devidamente escolhidas, as canções ajudam na concentração dos catequizandos, na comunhão do grupo, na elevação do coração a Deus.


Todo esforço deve ser aplicado na tentativa de tornar o encontro orante. Como afirma Carmo,


na catequese iniciática (e toda catequese, em todas as suas fases, deve ser iniciática, não apenas nas primeiras etapas do processo catequético), a oração deixa de ser um detalhe do encontro catequético para se tornar um modo de ser da catequese. Se o objetivo da catequese é comunicar a experiência cristã de Deus, todo o processo catequético deve ser realizado em clima de oração e reverência, percebendo o Deus que se comunica em cada detalhe, em cada palavra humana, em cada rito e gesto, em cada símbolo… (CARMO, 2016b)


Bem mais importante que orar nos encontros, cumprindo-se o ritual esperado de uma catequese católica, é promover um encontro orante, que favoreça o diálogo com Deus.



2.5 A Palavra de Deus



Desde o catecumenato, nas origens da Igreja, a catequese sempre teve o bom costume de alimentar o catequizando com a Palavra de Deus. A Sagrada Escritura sempre fora alimento do povo hebreu, afinal “não só de pão o homem viverá, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3). Os cristãos, honrando suas raízes, continuaram a se alimentar da Palavra e a apresenta-la como alimento para a vida, força que faz viver.


Assim, a bíblia tornou-se, pouco a pouco, o principal livro da catequese. A Palavra de Deus que ela comunica é lugar privilegiado para a realização do encontro pessoal entre criatura e Criador. Ela direciona o encontro catequético, devendo ser incentivada a sua escuta e a sua vivência.


Costuma-se dizer que a Bíblia é o principal livro da catequese, a mais importante fonte do processo de evangelização. E isso é fácil de entender, pois sabemos que a Bíblia é para nós Palavra de Deus. Se na catequese o que se pretende é ajudar o catequizando a realizar o seu encontro com Deus, fica clara a importância da Palavra de Deus, por meio da qual se realiza esse encontro. A catequese deve, portanto, ser centrada na Palavra de Deus. O catequizando deve aprender a escutar a Bíblia e deve ser incentivado a vivenciá-la. Por meio da Palavra, Deus se comunica e nós nos comunicamos com Ele (CARMO; SILVA, 2004, p. 45).


Todavia, muitos textos bíblicos são de difícil compreensão, primeiramente para crianças, mas também para adolescentes, jovens e adultos. No caso de catequese com crianças, seria mais aconselhável utilizar o texto numa versão com linguagem mais apropriada[10]. Cuidado, porém, deve ser tomado com as versões de bíblias para crianças, pois, no afã de deixar a mensagem mais acessível, não raramente desfigura-se o texto roubando-lhe o sentido mais profundo. Como lembra Gopegui, “o relato evangélico permanece normativo para a fé e ao adaptá-lo à criança devem ser tidos em conta os dados de uma correta exegese” (1986, p. 10).


Nos encontros catequéticos com crianças, o mais importante não é o ter a bíblia em mãos, mas o adequado anúncio e a acolhida da mensagem anunciada, capaz de gerar a experiência de fé relatada na Escritura. Já na catequese com adolescentes, jovens e adultos, parece bom incentivar a aquisição da bíblia, ajudando-os a familiarizarem-se com ela.


Para todas as idades, das crianças menores aos adultos, a Escritura Cristã precisa ser bem explicada, com reta hermenêutica, oportuna para a vida. Porém, a catequese, apesar da centralidade da bíblia, não quer ser um curso bíblico. O uso da bíblia na catequese não é com fins de conhecimento intelectual, o que não significa que tal conhecimento não seja útil ou importante. Mas, na catequese, como no catecumenato nas origens da Igreja, a Escritura é tomada como palavra que faz viver, como sustento para o discípulo no caminho a percorrer. Por isso, a Palavra anunciada está em função da experiência cristã de Deus que se deseja fazer. Os textos não são estudados de forma sistemática, mas são partilhados e meditados de acordo com uma escolha previamente pensada com esse fim, numa sequência de temas escolhidos para os encontros.


Para melhor acolhida da Palavra de Deus, recomenda-se um clima de silêncio e concentração. O texto deverá ser proclamado de maneira clara, pausada, com a devida entonação, sendo precedido de breve motivação que instigue o desejo da escuta, e sucedido de oportuna partilha e apropriado aprofundamento para melhor proveito da turma. Tal deve ser a proclamação que aquele que ouve deverá acolher a Palavra como diretamente dirigida a ele, numa conversa pessoal entre um “eu” e um “Tu”. É a leitura narrativa das Escrituras. O Deus que se disse ao povo que viveu e escreveu o texto continua se dizendo a quem acolhe sua Palavra.


Quando se fala em catequese narrativa, é preciso voltar aos Evangelhos, relatos catequéticos que mostram a práxis da Igreja primitiva. Neles, encontra-se o cerne da experiência cristã de fé: a pessoa de Jesus, Filho de Deus; o seu mistério pascal. Seu objetivo não é, primeiramente, transmitir um conjunto de normas morais e éticas a serem seguidas por aqueles que aderiam ao Ressuscitado, mas narrar a pessoa de Jesus e sua proposta de salvação através da experiência pessoal que as primeiras comunidades tiveram com ele. Trata-se de à ação do Espírito que impulsiona a pessoa a fazer a experiência vivificadora do Ressuscitado, capaz de conceder sentido para sua vida e suas ações. A ênfase das narrativas evangélicas não se encontra na proposição de práticas morais e éticas, mas na apresentação sedutora da figura de Jesus, na manifestação de sua força reveladora, geradora de vida e salvação. “[Na] apresentação da figura de Jesus, o acento deve estar [...] na própria imagem do Senhor, na força reveladora da sua vida [...]. O importante é que [...] [se] chegue a uma vivência do amor de Deus [...], que se manifesta nos gestos e nas palavras de Jesus” (GOPEGUI, 1986, p. 12).


A narratividade evangélica, utilizada para transmitir a pessoa de Jesus, sua boa-nova, através da experiência de proximidade dos apóstolos com o Mestre, continua sendo um eficaz instrumento para a práxis catequética. Uma adequada narração sobre Jesus e seu mistério pascal, presença real, viva e verdadeira no caminhar da humanidade, despertará o desejo de experienciar uma relação de proximidade com o Ressuscitado, fonte do qual jorra sentido para a vida e as ações humanas.




CONCLUSÃO



Faz-se urgente reconhecer que nossa práxis catequética tornou-se muito escolar, dificultando a transmissão da experiência da fé, necessitando urgentemente de remodelação. Reconhecer que a pedagogia escolar é insuficiente para o ato catequético e que catequese não é aula não significa propor uma catequese feita de improviso, mas admitir que o mistério que a catequese comunica exige pedagogia própria, com elementos de didática que favorecem a comunicação de Deus.


A catequese não se confunde com uma reflexão improvisada; ela provoca um mergulho em Deus, um encontro com Deus. Esse encontro exige uma teologia elaborada, com sequência de temas concatenados e com rigor lógico, mas com pedagogia própria – é claro! A catequese não é aula. É iniciação no mistério de Jesus morto e ressuscitado. É algo bem mais circular que linear, mais vivencial que intelectual, mais afetivo que racional. Mas isso não elimina o caráter organizado, intelectual e racional da experiência de fé, nem tira da catequese sua obrigação de dar respostas razoáveis, de procurar entender as razões da fé (CARMO, 2010, p. 54).


No centro do encontro com o Ressuscitado, encontra-se o seu mistério, não como algo indecifrável, enigmático, a ser intelectivamente conhecido, mas como realidade transcendente possível de ser alcançada, experenciada e vivida. Não se ensina o mistério; é-se iniciado nele para que se possa, a cada dia, buscar um mergulho mais profundo (VILLEPELET, 2005, p. 43).


Herdamos dos tempos de cristandade uma catequese doutrinária, mais preocupada com a assimilação cognitiva de conteúdo do que com uma verdadeira experiência do mistério a ser experimentado e vivido. Não negamos que tal prática possa ter dado seus frutos, numa realidade marcada por uma cultura de cristandade, de transmissão sociocultural da fé. Todavia, a pedagogia utilizada anteriormente não consegue dizer quase nada nos dias atuais, quando a transmissão da fé não acontece mais automaticamente como antes.


No interior de uma cultura pluriétnica e plurirreligiosa, que considera a liberdade e a realização pessoal como valores indiscutíveis, a fé cristã não é tomada como um dado adquirido. [...] A catequese tradicional é especialidade em “nutrir a fé”, uma fé já dada. Essa se revela incapaz de “propor a fé” (BIEMMI, 2008-2009, p.2)[11].


Também a catequese da modernidade, com exigências muito rigorosas da razão, cuja pedagogia da aprendizagem era carro-chefe, arrefeceu seus ânimos. O pós-moderno, cansado da razão instrumental, deseja mais sentir e experimentar a presença de Deus, que ressignifica sua existência, que dar as razões de sua fé por meio de elaborados raciocínios teológicos.


Nem a catequese baseada no ensino de doutrinas (cristandade), nem a catequese construída a partir da elaboração criteriosa do catequizando com a pedagogia da aprendizagem (modernidade) parecem apropriadas para a transmissão da fé no tempo presente. Ambas assimilaram demais o ritmo escolar; ambas se preocuparam excessivamente com o conhecimento cognitivo, seja pela assimilação da verdade por meio do ensino ou pela construção do conhecimento de Deus por meio da aprendizagem. Resta-nos buscar novos caminhos catequéticos, abandonando os caminhos escolarizados que a catequese assumiu, revisitando os caminhos pedagógicos da iniciação, capaz de mergulhar nos mistérios de Deus que a catequese comunica.


Na recuperação da pedagogia da iniciação, torna-se necessário o processo de des-escolarização da catequese, eliminando as práticas escolares e o que a ela remete. Não se trata certamente de um combate gratuito aos sinais de escolarização e a seus elementos de didática, tais como quadro e giz, carteiras organizadas “umas atrás da outras” (fila indiana); uso de caderno, lápis, borracha, caneta etc.; aplicação de processos avaliativos de aprendizagem (provas); tarefas para se fazer em casa; livro do catequizando; expressões como professor, aluno e aula de catecismo etc. Trata-se de redescobrir os caminhos da iniciação, de identificar os elementos que lhe são próprios, que facilitam a comunicação do mistério em vez de proporcionar a assimilação de conteúdos. O ato catequético, ao ser des-escolarizado, ajuda o catequista a reconhecer que seu papel não é o de professor, daquele que ensina conteúdos a serem assimilados, mas é proporcionar uma experiência de Deus, capaz de estimular os catequizandos a acolher em seus corações o Deus que a eles se comunica.


Neste processo de des-escolarização, é preciso redescobrir: a) o poder de sugestão do espaço catequético: cadeiras organizadas em forma circular, propiciando a comunicação e a integração entre catequizandos e catequistas; b) a importância das atividades pedagógicas: uso de dinâmicas ou atividades lúdicas nos encontros; c) o papel da música: instrumentais, para os momentos de oração, e outras com letras adequadas à mensagem que se deseja transmitir; d) a oração como lugar da experiência de Deus: bem pensada e elaborada para não se tornar apenas uma repetição mecânica de palavras; e) a força transformadora da Palavra de Deus: deve ocupar lugar de destaque em nossa catequese, com o devido cuidado para não se cair numa interpretação fundamentalista, retirando dela aquilo que, verdadeiramente, não diz... Todos estes elementos devem ser revalorizados, possibilitando um novo modo de fazer catequese hoje.


Não negamos as dificuldades inerentes ao processo de des-escolarização da catequese. Sabemos que a prática milenar da escolarização não será superada senão com muito empenho e de forma lenta. Des-escolarizar a catequese é des-instalar a prática pastoral estabelecida nas paróquias. Como disse Portela Amado, “estamos tão acostumados à cristandade e à sua pastoral de conservação que temos dificuldade em ultrapassá-la” (AMADO, 2010, p.577). Todavia, reconhecemos que o embrenhar-se por tais caminhos, por mais difíceis que sejam, é condição sine qua non para a construção de uma catequese capaz de propor a experiência cristã de Deus para as pessoas hoje. A des-escolarização da catequese permanece por ser feita, não só nas atividades práticas de catequese, mas como pesquisa que exige fundamentação teórica. A pedagogia da iniciação como pedagogia original da fé é campo aberto para muitos estudos. A inabilidade da pedagogia do ensino e da pedagogia da aprendizagem para comunicar a fé e seus mistérios exige estudos posteriores. Não nos falte coragem neste caminho! Deus permita que outros amantes da catequese continuem investindo esforços nos passos já iniciados!




Referências bibliográficas



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VILLEPELET, Denis. Catequese como iniciação: consequências para a ação catequética. Revista de Catequese. n. 110, abr./jun. 2005.



[1] Artigo resultante do trabalho de pesquisa do aluno de graduação em teologia Alex Cristiano dos Santos, sob a orientação da professora Dra Solange Maria do Carmo, financiado pela FAPEMIG, a quem agradecemos o apoio, e vinculado ao PROBIC da PUC-Minas.


[2] Graduado em filosofia pela FAM - Faculdade de Mariana; gradua