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32. O CREDO: Creio na remissão dos pecados

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03.11.2016 | 8 minutos de leitura
Pe. Paulo Sérgio Carrara- C.Ss.R
Para Pensar
32. O CREDO: Creio na remissão dos pecados

A remissão dos pecados


O Espírito Santo garante a santidade da Igreja porque torna presente nela Jesus Cristo, no qual o Pai tudo criou e em quem o Espírito tudo santifica. Ele cria a comunhão dos santos, que só existe por causa da graça misericordiosa e perdoante de Deus. Esse artigo de fé do credo nasceu no contexto da prática batismal da Igreja primitiva. Por isso o Credo Niceno especifica: “Professo um só batismo para a remissão dos pecados”. O batismo, para os primeiros cristãos, marcava uma mudança radical de vida, uma transformação profunda, por isso havia, e ainda há, o catecumenato, longa preparação para o batismo, que exige conversão verdadeira a Cristo por iluminação do Espírito. O batismo se destaca como o grande sacramento do perdão e da misericórdia em vista da adesão sincera a Cristo. Jesus deixa aos seus seguidores o evangelho e, segundo Mateus, ordena aos apóstolos: “ide e ensinai a todas as nações; batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).


 O batismo faz dos seres humanos membros da Igreja, corpo de Cristo e realiza sua filiação divina através do banho da regeneração (cf. Tt 3,5). Marcados em nome da Santíssima Trindade, os cristãos entram em comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Através desse sacramento, participam do mistério pascal de Cristo, são sepultados e ressuscitados com ele (cf. Rm 6,4; Ef 2,5-6). O batismo realiza na vida da pessoa o mistério pascal, fazendo os batizados passarem da morte e do pecado à verdadeira vida em Cristo. No início da Igreja, esse era o sacramento do perdão dos pecados. Quem buscava o batismo, se arrependia dos seus pecados, se convertia, recebia o perdão e sua vida se transformava. A experiência mostrou ao cristão, no entanto, que, mesmo depois do batismo, ele continuava necessitado de conversão e de perdão. Afinal, a conversão acontece no dinamismo da vida, sempre cheia de altos e baixos.


Quando o batismo – possível somente aos adultos no início da Igreja – começou a ser conferido às crianças, por razões culturais e teológicas, ganhou força o sacramento da reconciliação, que renova a graça batismal através do perdão dos pecados cometidos depois do batismo. Mesmo assim, a Igreja jamais perdeu a convicção segundo a qual a existência cristã exige novo nascimento, garantido pelo batismo, porque “ser cristão é sempre o resultado de uma virada da existência humana que se afasta da autossatisfação da vida desatenta para converter-se. Nesse sentido, o batismo continua sendo o início de uma conversão que se estende pela vida afora, sendo o sinal básico da existência cristã, lembrado pela expressão remissão dos pecados” (Ratzinger). A Igreja não nasce apenas do desejo de se agrupar em torno de Cristo e sua mensagem; ela nasce da graça de Deus que, ao entrar na vida dos seres humanos, provoca transformação e os integra a uma comunidade que também deve ser recebida como um dom.


A misericórdia de Deus


A existência do pecado está atestada no Antigo Testamento: “Javé viu que a maldade dos homens se multiplicava sobre a terra e que todos os projetos do seu coração tendiam continuamente para o mal” (Gn 6,5-6). Os Salmos falam de um pecado que ultrapassa o povo de Israel: “não há quem faça o bem, nenhum sequer” (Sl 14,3). A história de Israel se caracteriza por uma aliança sempre rompida pelo povo e sempre restaurada por Javé. A pecaminosidade atinge a todos; nem mesmo os líderes mais admiráveis escapam: Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Salomão. Criado à imagem e semelhança de Deus para estar em comunhão com ele, com os semelhantes e com as criaturas, o ser humano se afasta pelo fechamento em si mesmo. Todo pecado se resume na recusa da amizade com Deus e com os semelhantes, pela busca orgulhosa e egoísta dos próprios interesses. Pecar é se fechar para o amor a Deus e aos irmãos. O contrário do amor não é propriamente o ódio, mas o egoísmo.


No Novo Testamento, Jesus denuncia a atitude pecaminosa do ser humano (cf. Mt 7,11; 12,34.39.45). O pecado brota do coração, do núcleo mais profundo do ser. Os males vêm do interior (cf. Mc 7,20-23). João fala do pecado do mundo. Como estrutura cósmica criada por Deus, o mundo é bom, mas as opções históricas do ser humano o transformaram em um reino do pecado (cf. Jo 1,10-11). Sobre o acontecimento histórico da vinda de Jesus, o evangelista sentencia: “a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras eram más” (Jo 2,19).


Mas nenhum pecado é capaz de fazer Deus desistir do ser humano. Quando o povo exclama: “Javé me abandonou, o Senhor me esqueceu”. O Senhor responde: “Acaso uma mulher esquece seu bebê e deixa de comover-se pelo fruto de seu seio? Mesmo se as mulheres esquecessem, eu, porém, jamais te esquecerei. Eis que te gravei sobre a palma de minhas mãos” ( 49, 14-15). A eleição de Deus se revela dom absolutamente gratuito (cf. Dt 7,6-8; 9,4-6; 10,14-15). Trata-se de um amor que a Bíblia descreve de maneira comovedora (cf. Ez 16). Deus nunca deixa de amar o ser humano, porque sua essência é amor e sua onipotência se manifesta no amor e na misericórdia.Ele apenas não constrange o ser humano a amá-lo, respeita sua liberdade e, quando perdoa, perdoa não apenas um ato isolado de infidelidade, mas o ser humano cuja responsabilidade está implicada em seus atos.O ser humano, apesar do seu pecado, se encontra sempre sob o apelo de Deus para que se converta e encontre a verdadeira vida (cf. Jr 31,31-34; Ez 36,24-28). Tal conversão envolve o esforço humano, mas é sempre fruto da graça de Deus; cada pessoa conta com Deus para livrar-se de sua culpa (cf. Jr 2,22).


O auge do amor de Deus ao ser humano se encontra na encarnação, vida, morte e ressurreição de seu Filho Jesus Cristo. “Deus tanto amou o mundo que lhe deu seu Filho unigênito, para que não morra quem nele crê, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).  Jesus anuncia o Reino, que é paz, justiça, fraternidade e misericórdia; pura graça cuja iniciativa vem somente de Deus. Tal graça é oferecida a todos, mormente aos pecadores. O ser humano permanece livre para aceitá-la, convertendo-se; ou recusá-la, persistindo no egoísmo. As parábolas da misericórdia revelam a predileção divina pelos pecadores. Jesus prefere os menos dignos de serem amados porque são os que mais precisam de seu amor. A salvação não se encontra na fuga e no desejo de uma vida emancipada e distante da casa paterna, mas no regresso humilde à casa do Pai, que, longe de humilhar o filho pecador, se alegra enormemente de poder perdoá-lo e tratá-lo com misericórdia, devolvendo-lhe a dignidade perdida: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e, movido de compaixão, correu ao seu encontro, atirou-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos” (Lc15,20). Jesus se comporta exatamente segundo o que ensina; une perfeitamente teoria e prática: ele come com os pecadores, gesto simbólico que significa comunhão de mesa e de vida. Tal gesto provocou reações contrárias (cf. Mc 2,15-16; Lc 15,2). Porém, assim é o Reino, feito de misericórdia e bondade: os pecadores são os preferidos; os últimos são os primeiros; os menores, os maiores (cf. Lc 9,48). O Reino é feito de debilidade, gratuidade, não de força, poder, sucesso, prestígio.


O Papa Francisco tem insistido na misericórdia. Em seu livro-entrevista, “O nome de Deus é misericórdia”, exalta a misericórdia como o atributo mais próprio de Deus, sempre disposto a perdoar o ser humano quando nele encontra verdadeiro arrependimento. E sentencia: “A misericórdia será sempre maior do que qualquer pecado, ninguém pode impor um limite ao amor de Deus que perdoa. Se olharmos para ele, se apenas levantarmos o olhar humilde sobre o nosso eu e sobre nossas feridas e deixarmos pelo menos uma pequena abertura à ação da sua Graça, Jesus faz milagres também com nosso pecado, com aquilo que somos, com o nosso nada, com a nossa miséria” (Papa Francisco). E se somos perdoados, também não podemos negar o perdão a quem nos ofende, como rezamos no Pai-Nosso: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. A Pedro, que pergunta a Jesus se deve perdoar o irmão que peca contra ele até sete vezes, o Mestre responde: “Não apenas 7 vezes, mas 70 vezes 7 (cf. Mt 18,21-22), ou seja, assim como o de Deus, o perdão dos cristãos só é autêntico ser for inesgotável.