78. Devoção mariana e a superação da violência contra as mulheres
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08.12.2020 | 4 minutos de leitura

Diversos

Maria de Nazaré, tal como nos relatam os evangelhos de Mateus e Lucas, teria tudo para ser punida, com o rigor da lei judaica: uma jovem, prometida em casamento, grávida. Pior: de alguém que não era seu prometido. É o que nos traz as narrativas. Interessante quando lançamos nosso olhar para a genealogia de Jesus, conforme nos traz Mateus (1,16-17). Antes de narrar o modo como se deu a origem de Cristo, o evangelista traz a genealogia: nela, algo que não deve nos passar despercebido, que é a presença de cinco mulheres, incluindo Maria. Para quem está acostumado com as listas genealógicas na Bíblia, sabe como é incomum o nome de uma mulher constar nelas.
Tamar, Raab, Rute, a esposa de Urias e Maria. Chama a atenção a não citação do nome da mulher de Urias, Betsabéia: o envolvimento dela com o rei Davi, segundo a historiografia bíblica nos conta, é culpa do próprio rei, e não dela. Ainda assim, fruto do pecado do adultério, nasceu Salomão, o rei sábio de Israel. Tamar foi uma jovem viúva sem filhos: o que a colocava numa situação de vulnerabilidade social. Segundo a chamada lei do levirato, os parentes próximos do falecido marido tinham por obrigação conceber um filho junto com Tamar, a fim de que ela não ficasse desvalida, e que a memória do falecido marido se mantivesse viva. Como os homens da família do falecido não cumpriram seu papel legal, Tamar precisou usar de um estratagema para ter seu direito garantido: vestiu-se de prostituta para seduzir o sogro e, assim, conceber um filho (cf. Gn 38).
Raab foi uma prostituta. Sem sua ajuda, os hebreus não teriam chegado à Terra Prometida, pois seriam derrotados em Jericó (cf. Js 2). Rute, uma mulher estrangeira, provou-se profunda conhecedora da fé israelita. Teve verdadeiro amor e lealdade por sua sogra. Também precisou de astúcia para ter seu direito garantido, no cumprimento da lei do levirato. Não fosse Rute, a estrangeira, o rei Davi não teria nascido. Todas essas mulheres, cada uma à sua maneira, foram partícipes da atuação salvífica de Deus, na história de Israel. Fôssemos nos pautar na moral veterotestamentária, e na moral cristã apregoada pelo catolicismo e pelo protestantismo puritanos, essas mulheres deveriam ser vistas sob suspeita. Com Maria de Nazaré, a quinta listada na genealogia, não seria diferente.
Esse detalhe narrativo não faz muito eco na religiosidade católica. O catolicismo reservou um lugar todo especial à Maria: na devoção popular, na devoção oficial, na teologia. Dos evangelhos, mesmo que sem episódios biográficos, podemos perceber a piedade desta mulher e sua confiança nas promessas de Deus para o seu povo. A sua disponibilidade e entrega a Deus, sinalizada no seu \"sim\", significam a verdadeira compreensão do que é sua virgindade.
Esse \"sim\" já foi e é constantemente refletido e meditado em pregações, homilias e tratados teológicos. Essa valorização da figura de Maria, importa dizer, não significa uma contraposição à narrativa da genealogia do Evangelho de Mateus. Mas é preciso considerá-la, a fim de que não caiamos numa percepção ideológica da figura mariana.
Na história do catolicismo, os altos hierarcas que mais foram duros contra as mulheres, em seu magistério, são aqueles que mais demonstravam devoção à Maria. Essa não é, propriamente, uma questão para a teologia. Caberia mais à psicanálise.
O ponto, aqui, é chamar a atenção para aquilo de perverso que pode se tornar uma devoção mariana, quando muito ideologizada, pautada num ideal de mulher que não existe.
O resultado disso é que a religião acaba por se tornar um instrumento do machismo, que violenta o cotidiano existencial das mulheres, que nunca alcançarão aquele ideal fantasioso. Maria é mulher, mãe, vítima das violências de seu próprio tempo. Ela é com as mulheres! Nós, os homens de fé, precisamos reconhecer Maria em seu justo lugar: foi aquela que cantou a inversão do poder, para que a justiça pudesse acontecer! Maria, a mulher da igualdade!
Tamar, Raab, Rute, a esposa de Urias e Maria. Chama a atenção a não citação do nome da mulher de Urias, Betsabéia: o envolvimento dela com o rei Davi, segundo a historiografia bíblica nos conta, é culpa do próprio rei, e não dela. Ainda assim, fruto do pecado do adultério, nasceu Salomão, o rei sábio de Israel. Tamar foi uma jovem viúva sem filhos: o que a colocava numa situação de vulnerabilidade social. Segundo a chamada lei do levirato, os parentes próximos do falecido marido tinham por obrigação conceber um filho junto com Tamar, a fim de que ela não ficasse desvalida, e que a memória do falecido marido se mantivesse viva. Como os homens da família do falecido não cumpriram seu papel legal, Tamar precisou usar de um estratagema para ter seu direito garantido: vestiu-se de prostituta para seduzir o sogro e, assim, conceber um filho (cf. Gn 38).
Raab foi uma prostituta. Sem sua ajuda, os hebreus não teriam chegado à Terra Prometida, pois seriam derrotados em Jericó (cf. Js 2). Rute, uma mulher estrangeira, provou-se profunda conhecedora da fé israelita. Teve verdadeiro amor e lealdade por sua sogra. Também precisou de astúcia para ter seu direito garantido, no cumprimento da lei do levirato. Não fosse Rute, a estrangeira, o rei Davi não teria nascido. Todas essas mulheres, cada uma à sua maneira, foram partícipes da atuação salvífica de Deus, na história de Israel. Fôssemos nos pautar na moral veterotestamentária, e na moral cristã apregoada pelo catolicismo e pelo protestantismo puritanos, essas mulheres deveriam ser vistas sob suspeita. Com Maria de Nazaré, a quinta listada na genealogia, não seria diferente.
Esse detalhe narrativo não faz muito eco na religiosidade católica. O catolicismo reservou um lugar todo especial à Maria: na devoção popular, na devoção oficial, na teologia. Dos evangelhos, mesmo que sem episódios biográficos, podemos perceber a piedade desta mulher e sua confiança nas promessas de Deus para o seu povo. A sua disponibilidade e entrega a Deus, sinalizada no seu \"sim\", significam a verdadeira compreensão do que é sua virgindade.
Esse \"sim\" já foi e é constantemente refletido e meditado em pregações, homilias e tratados teológicos. Essa valorização da figura de Maria, importa dizer, não significa uma contraposição à narrativa da genealogia do Evangelho de Mateus. Mas é preciso considerá-la, a fim de que não caiamos numa percepção ideológica da figura mariana.
Na história do catolicismo, os altos hierarcas que mais foram duros contra as mulheres, em seu magistério, são aqueles que mais demonstravam devoção à Maria. Essa não é, propriamente, uma questão para a teologia. Caberia mais à psicanálise.
O ponto, aqui, é chamar a atenção para aquilo de perverso que pode se tornar uma devoção mariana, quando muito ideologizada, pautada num ideal de mulher que não existe.
O resultado disso é que a religião acaba por se tornar um instrumento do machismo, que violenta o cotidiano existencial das mulheres, que nunca alcançarão aquele ideal fantasioso. Maria é mulher, mãe, vítima das violências de seu próprio tempo. Ela é com as mulheres! Nós, os homens de fé, precisamos reconhecer Maria em seu justo lugar: foi aquela que cantou a inversão do poder, para que a justiça pudesse acontecer! Maria, a mulher da igualdade!
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