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167. Discurso paraninfo 2024 (janeiro/25)

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19.02.2024 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Diversos
167. Discurso paraninfo 2024 (janeiro/25)
Queridos alunos, formandos em Teologia da PUC Minas 2024, “a vida necessita de pausas”, disse o mineiríssimo poeta Carlos Drummond de Andrade. Quando essas pausas não são respeitadas por imposição do ritmo frenético da vida, especialmente por excesso de trabalho, somado às múltiplas demandas da sociedade e da família, o corpo dá o grito dizendo: “Estou exausto! Dá-me um tempo para me refazer para a luta diária. Pausas são necessárias”.
Eu fiquei muito honrada com o convite para ser a paraninfa de vocês. Entendo essa função como uma espécie de madrinha, alguém que os acompanhou no trajeto acadêmico e que continuará rezando e torcendo para que cada um possa viver o seguimento de Jesus, o Nazareno, colocando em prática as reflexões elaboradas durante quatro anos de estudos na Universidade. Eu estaria aí com vocês celebrando a conquista da graduação, mas as injunções da vida me obrigaram a uma pausa prolongada. Trata-se de um processo longo de adoecimento, de excesso de trabalho e compromissos éticos, que coroou num esgotamento físico e mental que me pôs de molho por um tempo, longe dos afazeres acadêmicos, que dispendiam muita energia e boa saúde.
É difícil explicar o que passei e que infelizmente ainda passo. Estou me cuidando diligentemente para deixar para trás esse quadro de adoecimento. Como as palavras ainda me fogem devido ao quadro do esgotamento, vou pedir aos mestres da escrita que me emprestem suas intuições. E hoje vou só de poetas mineiros. Adélia Prato descreveu com maestria o que tenho vivido.

Exausto,
De Adélia Prado

Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

É assim que me sinto: cansada, exausta, com licença para dormir e inclusive para me ausentar dessa cerimônia. Mas carrego vocês comigo “no lado esquerdo do peito, dentro do coração”, como cantou Milton Nascimento. Estou feliz por vocês e suas famílias, que hoje celebram essa formatura. Desejo que a teologia tenha trespassado a alma de vocês como a espada de dores descrita nas palavras do velho Simeão à jovem Maria em Lucas 2,35 ou como a lança que o centurião cravou no lado esquerdo de Cristo do qual jorrou sangue e água, como narra João 19,34. A teologia, vocês bem sabem, não é apenas o estudo sobre Deus e tudo que toca as questões da fé; é muito mais: é uma ciência por meio da qual a fé busca suas razões mais profundas. Só quem já tem fé no Cristo morto e ressuscitado está apto a se deixar trespassar pela beleza da teologia cristã, encontrando dentro de si, mais que nos documentos ou manuais teológicos, as razões da esperança que nos faz viver, que nos põe na luta em prol da justiça e nos leva a nos consumir pelo Reino de Deus, ainda que ao final nos encontremos exaustos. Como afirmou Paulo na sua segunda Carta aos Coríntios 4, 8-11: “Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos;  trazemos sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também nos nossos corpos. E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na nossa carne mortal”. 

Aos que serão ou foram convocados pela Igreja para serem ordenados, seja como diácono permanente ou como presbítero, desejo que não se deixem iludir pelo glamour do altar, pelas vestes finas e brilhantes, pelos privilégios do poder sagrado e pela estabilidade que essas funções oferecem. Lembrem-se o que escreveu o evangelista João no famoso legado de Jesus do qual somos herdeiros pelo batismo: “Um novo mandamento vos dou. Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (João 13,34-35). Esse legado pertence também aos demais estudantes, cujo curso de teologia foi feito na mais pura gratuidade em busca do conhecimento da fé e de uma autêntica vivência cristã. Numa linguagem já conhecida de sala de aula: “Não se iluda, coração!”. A teologia não nos oferece privilégios, ela nos coloca ainda mais a serviço, de modo que ministros ordenados ou não-ordenados estão todos a serviço do povo, especialmente dos mais empobrecidos, subalternizados e enfraquecidos. Só o amor pode curar essa sociedade doente e ferida que exclui ou mata os mais fracos e que, ao mesmo tempo, protege e ampara os opressores. Lembrem-se: a eclésia de Jesus é uma comunidade lavadora de pés; todo seguidor de Jesus está obrigado pela fé cristã no poder do Espírito a amar e servir os semelhantes, especialmente os mais vulneráveis da terra. Bem diz o ditado que “o hábito não faz o monge”. O que faz de alguém um cristão autêntico não são suas vestes nem suas palavras, pois vestir-se com destaque ou dizer “Senhor, Senhor”, como afirma Mateus 7,21, não é tão difícil, mas não é garantia de comunhão com o evangelho. Exigente mesmo é deixar o Espírito nos conduzir pelas veredas nem sempre prazerosas do amor cristão, que deve ser tão desmedido quanto o amor do próprio Jesus, que se entregou sem reservar nada para si.
Parabenizo a todos pelo caminho que fizeram até aqui e lhes desejo muita força do Espírito nas pegadas de Jesus. Contem com minhas preces e meu apoio, mesmo quando estiverem longe dessas Minas gerais. A todos que me escolheram para lhes representar neste momento, meu abraço mais forte e meu muito obrigada. Que Deus abençoe a todos vocês!