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278. REFLEXÃO PARA O 4º DOMINGO DA PÁSCOA – Jo 10,27-30 – Ano C

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07.05.2022 | 1 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
278. REFLEXÃO PARA O 4º DOMINGO DA PÁSCOA – Jo 10,27-30 – Ano C
Todos os anos, a liturgia do quarto domingo da Páscoa utiliza um trecho do capítulo décimo do Evangelho de João, no qual Jesus se auto apresenta como o único, autêntico e bom pastor. Por isso, este domingo foi declarado como o “domingo do bom pastor” e, oportunamente, instituído como o “Dia mundial de oração pelas vocações”, pelo Papa Paulo VI, no ano de 1964. Embora o evangelho deste dia seja sempre tirado do mesmo capítulo, alternam-se os textos, conforme o ciclo litúrgico. O trecho lido neste “Ano C” é bastante breve, composto de apenas quatro versículos: Jo 10,27-30. Curiosamente, o termo pastor não aparece nessa passagem específica da liturgia de hoje. Mas, ao falar das ovelhas e de sua relação com elas, Jesus mostra também as características e as qualidades da sua condição de pastor. Como o texto faz parte de um amplo discurso que compreende o capítulo inteiro, muita coisa já fora dita nos versículos que antecedem o texto de hoje, o que torna ainda mais necessária uma contextualização para ser compreendido adequadamente, como faremos a seguir.

De acordo com o evangelista, no momento do discurso Jesus se encontra em Jerusalém, nas dependências do templo, participando da “festa da dedicação” (cf. Jo 10,22). É importante ressaltar que as idas de Jesus ao templo são sempre marcadas por polêmicas; toda vez que ele vai, entra em confronto com aqueles que tinham transformado ou permitido a transformação da casa do Pai em comércio (cf. Jo 2,16) e em covil de ladrões (cf. Mt 21,13; Mc 11,17; Lc 19,46). Embora não figurasse entre as três maiores festas judaicas (páscoa, pentecostes e festa das tendas), a festa da dedicação também era grande e atraía muitos peregrinos a Jerusalém. Esta festa foi estabelecida por Judas Macabeu no ano 165 a.C., para celebrar a vitória dos macabeus sobre a dominação grega e a nova dedicação do templo e do altar, que tinham sido profanados pelos gregos (cf. 1 Mc 4,36-59). Desde então, essa festa que entrou no calendário judaico, era celebrada solenemente em Jerusalém, com duração de uma semana, sendo chamada também de “festa das luzes”. O principal texto bíblico utilizado na liturgia dessa festa era o capítulo 34 de Ezequiel, no qual profeta faz uma enfática denúncia aos maus pastores de Israel. Estes, segundo o profeta, apascentavam a si mesmos, ao invés de apascentar o (povo) rebanho (cf. Ez 34,1-2). Por isso, de acordo com o profeta, Deus iria destituir os maus pastores e cuidar ele mesmo do rebanho (cf. Ez 34,11).

Foi a partir deste contexto que Jesus aplicou a si a imagem do bom pastor, aproveitando a ocasião em que o texto de Ezequiel estava muito vivo na memória das pessoas, uma vez que era lido e relido diversas vezes durante a festa. É importante recordar que a figura do pastor sempre foi muito significativa para o povo de Israel. Essa imagem foi aplicada a Deus e também aos líderes que assumiram funções de guia e comando sobre o povo, como reis e sacerdotes. Atualizando a perspectiva do profeta, Jesus como o único e autêntico pastor, dirige à classe dirigente de Jerusalém, especialmente aos sacerdotes do templo, uma de suas mais pesadas críticas. Ora, ao afirmar ser o bom pastor (cf. Jo 10,14), Jesus denunciava que os sacerdotes do templo eram aqueles maus pastores destituídos por Deus, como profetizou Ezequiel. Indiscutivelmente, suas palavras tiveram grande repercussão porque mexiam com os privilégios da classe dirigente de Israel, composta por funcionários do sagrado, ao invés de pastores verdadeiros. A prova do incômodo causado pelas palavras de Jesus está na reação dos líderes judeus durante e após o seu discurso: disseram que ele estava endemoniado (cf. Jo 10,20), quiseram apedrejá-lo (cf. Jo 10,31) e tentaram prendê-lo (cf. Jo 10,39).

Feita a contextualização, olhemos para o texto: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (v. 27). No versículo anterior, que não consta no texto da liturgia, Jesus tinha dito aos seus interlocutores, os líderes do judaísmo, que eles não pertenciam às suas ovelhas (cf. Jo 10,26). Isso porque não correspondiam aos critérios de pertença, ou seja, não lhe ouviam e nem lhe seguiam. É de suma importância essa afirmação de Jesus, pois revela quais são as características fundamentais do seu tipo de pastoreio e os critérios para pertencer ao seu rebanho: escutar e seguir; esses dois verbos são chaves de leitura para toda a mensagem de Jesus, sobretudo para a compreensão do seu discipulado. Escutar a voz de alguém, na linguagem bíblica, não significa simplesmente a percepção de um som ou ruído, mas é acima de tudo dar adesão completa àquele que fala, é deixar-se transformar e, consequentemente, conduzir-se pelas suas palavras. Por isso, a escuta vem acompanhada de um segundo elemento, que é a sua consequência: o seguimento. Os interlocutores de Jesus não viviam a dinâmica do “escutar-seguir”; apegados aos ritos e preceitos, tinham sido instruídos a obedecer e cumprir normas, apenas. O seguimento proposto por Jesus, como consequência da escuta, significa seguir os mesmos caminhos dele, com liberdade e disposição. Logo, ao invés de cumpridores de ordens, fazer parte das ovelhas de Jesus é ser descobridores de estradas, buscadores de novos horizontes. O Deus pregado no templo era um soberano que, através de seus representantes ditos pastores, a casta sacerdotal, ditava normas do alto; apresentando-se como pastor, Jesus revela que Deus age de maneira completamente diferente: caminha a frente, não dá ordens, apenas aponta a direção; quem escuta a sua voz e o segue torna-se íntimo dele.

A quem, motivado pela escuta, se coloca no seguimento de Jesus, o bom pastor, Ele garante o maior dos dons: “Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão” (v. 28). Os falsos pastores do templo, denunciados por Jesus, apenas pediam; Jesus, pelo contrário, é quem dá, e não dá qualquer coisa, mas a vida em plenitude, ou seja, a “vida eterna”; por sinal, a “vida eterna” dada por Jesus a quem lhe segue, não é um prêmio que as pessoas boas receberão no futuro, mas a vida conduzida segundo a escuta da sua voz, desde agora. A adesão a Jesus e ao seu Evangelho, compreendida como a escuta da sua voz e o seu seguimento, eterniza a vida. Não é uma vida para o pós-morte, mas é uma vida tão plena, tão cheia de sentido e autêntica, a ponto de nem a morte poder destruí-la; por isso, mesmo após o fenômeno que chamamos de morte, essa “vida eterna” prosseguirá. É a vida presente que se torna eterna à medida em que a pessoa se deixa conduzir pela voz de Jesus. Ora, o próprio Jesus, mais adiante, afirmará que a vida eterna consiste no conhecimento dele e do Pai (cf. Jo 17,2-3). Portanto, quem ouve a sua voz lhe conhece e, por sua vez, conhece também o Pai, já que Ele e o Pai são um (v. 30). Logo, vida eterna é a vida de toda pessoa que escuta a voz de Jesus e abraça o seu seguimento.

Ninguém consegue arrancar as ovelhas da mão de Jesus (v 28b) porque tudo o que está em sua mão está também na mão do Pai: “Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (v. 29). Ora, tudo o que Jesus tem, recebeu do Pai, porque o Pai, amando-lhe tanto, entregou-lhe tudo nas mãos (cf. Jo 3,35), principalmente a vida dos seus filhos, as ovelhas que estavam nas mãos de mercenários (cf. Ez 34; Jo 10,12-13). Quando o Pai decide cuidar ele mesmo das ovelhas (cf. Ez 34,11), na verdade decide entregá-las ao seu Filho, que é Jesus. A mão, na linguagem bíblica, é uma metáfora do poder protetor de Deus, da sua força e dos seus cuidados paternais e maternos (cf. Os 11,3; Dt 33,3; Is 43,13; 49,2; Sl 31,6; 95,4; Sb 3,1; Dn 5,23). As mãos que protegem são as mesmas que acariciam. Com essa imagem, Jesus diz que também é Deus; daí, a afirmação: “Eu e o Pai somos um” (v. 30). Por causa desta afirmação, seus interlocutores quiseram apedrejá-lo, acusando-o de blasfêmia, por fazer-se Deus, sendo apenas um homem (cf. Jo 10,31-33). Ora, Jesus sendo Deus e estando no mundo, é óbvio que aqueles que se diziam representantes de Deus – os sacerdotes do templo – estariam destituídos de suas funções, pois Deus já não necessita mais de ser representado, pois está pessoalmente presente, por meio do Filho. Jesus, o autêntico pastor, não é um representante de Deus, mas é Deus mesmo. Isso revela a superioridade do seu pastoreio e da sua messianidade em relação às expectativas messiânicas da época. E o mais importante é que ele compartilha com a humanidade inteira a sua intimidade com o Pai.

Quem se deixa acariciar pelas mãos de Jesus, é acariciado também pelo Pai. As mãos dos chefes religiosos de Israel faziam o contrário: oprimiam, exploravam, sugavam o povo, ao invés de proteger e acariciar. Que o Bom Pastor, único e autêntico, inspire vocações que ajudem a ressoar sua voz no mundo e sejam extensões de sua mão que protege, cuida e defende, sobretudo, as ovelhas mais vulneráveis e necessitadas.