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141. Reflexão para Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus - Lc 2, 16-21

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01.01.2020 | 7 minutos de leitura
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Evangelho Dominical
141. Reflexão para Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus - Lc 2, 16-21

Apenas um versículo separa o texto evangélico da noite de Natal do indicado para a solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria, celebrada hoje: Lc 2,15. Na noite de Natal, o evangelho foi Lc 2,1-14, e para a solenidade de hoje o texto proposto é Lc 2,16-21. De início, temos convicção de que o Evangelho de hoje, Lc 2,16-21, não pode ser bem compreendido sem considerarmos o versículo que o antecede: "Quando os anjos os deixaram e foram para o céu, os pastores disseram uns aos outros: 'Vamos já a Belém para ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer'" (Lc 1,15).


Os pastores ficaram maravilhados com a Boa Notícia que o anjo lhes tinha anunciado: um Salvador nasceu para eles! (cf. Lc 2,10). Ao anúncio, seguiu-se o canto dos anjos glorificando a Deus (cf. 2,13-14). Portanto, era inevitável a surpresa e a perplexidade nos pobres pastores e, mais ainda, a dúvida, afinal, conforme os parâmetros religiosos da época, eles seriam os últimos a receber uma mensagem do céu, pois pertenciam à categoria das pessoas impuras e desprezíveis.


Uma das grandes novidades de Jesus, desde o nascimento, foi contradizer o que a sua religião tinha afirmado sobre o Messias. Ora, a religião tinha classificado as pessoas como puras e impuras, piedosas e pecadoras, imaginando que a vinda do Messias seria marcada pelo extermínio das classificadas como impuras e pecadoras, como os pastores, por exemplo. Ao invés de seguir as determinações da religião, Jesus prefere, desde o início, exatamente as categorias excluídas, contradizendo e frustrando muitas expectativas.


É nessa perspectiva que podemos e devemos compreender a reação dos pastores; a eles, a religião tinha dito que estavam fora de cogitação a salvação, eram gente da pior qualidade e, de repente, recebem um anúncio de salvação e sentem-se amados por Deus. Perplexos ainda, decidem ir a Belém para conferir e tirar todas as dúvidas (cf. Lc 2,15).


Diante de uma novidade sem precedentes, é impossível esperar, por isso “Os pastores foram às pressas a Belém e encontraram Maria, José, e o recém-nascido deitado na manjedoura” (v. 16). Chama a atenção a expressão ‘às pressas’, embora a tradução mais correta, de acordo com o texto original é ‘apressaram-se’; trata-se de uma maravilha que não pode ser adiada! Não há tempo a perder para quem passou toda a vida às margens, na exclusão. Para esses, a inclusão tem que ser agora, hoje! Por isso, foram às pressas.


Se os pastores ficaram surpresos com o anúncio do anjo, talvez ficaram mais ainda com o que viram em Belém: ‘encontraram Maria, José, e o recém-nascido deitado na manjedoura’ (v. 16b). Certamente, pensaram entre si: ‘Que Salvador é esse? Pequeno, frágil, em meio às moscas, com cheiro de esterco?’; ao mesmo tempo perceberam que se fosse um salvador conforme as expectativas da religião oficial, eles não conseguiriam sequer chegar perto. Aos poucos, foram compreendendo que um novo tempo com uma nova ordem estava surgindo, quem estava às margens estava passando para o centro.


Após contemplarem a cena, ainda maravilhados, os pastores “contaram tudo o que lhes fora dito sobre o menino” (v. 17), tornando-se assim, também mensageiros de salvação, portadores de Boa Notícia. Contaram que o anjo lhes aparecera anunciando o nascimento do Salvador, e que depois ‘uma multidão da corte celeste’ baixou perto deles glorificando a Deus e anunciando a paz a quem Ele ama (cf. Lc 2,10-14). Contaram coisas maravilhosas, de modo que quem os escutava também se maravilhava, ou seja, ficavam perplexos, admirados, pois, até então, não se tinha notícia de um Deus que fizesse conta de gente que não presta, conforme os padrões da religião da época.


O texto deixa uma lacuna: diz que os anjos encontraram Maria, José e o menino; em seguida afirma que ‘todos escutavam’ o que os pastores contaram. Inicialmente, podemos imaginar somente os três, mas na descrição da reação do auditório dos pastores, é provável que houvesse mais gente ao redor da manjedoura, sobretudo quando dá destaque à reação diferenciada de Maria: “guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (v. 19). No entanto, é mais plausível supor que o autor quer apenas evidenciar a reação diferenciada de Maria, ao invés de procurar outros ouvintes para os pastores.


A reação de Maria é mais profunda que a dos demais, afinal de contas, ela já estava habituada às maravilhas de Deus, pois foi a primeira destinatária do anúncio salvífico através do anjo Gabriel (cf. Lc 1,26-38), assistiu à exaltação de Isabel quando a visitou (cf. Lc 1,39-52). No entanto, ela não deixará de maravilhar-se, pois a trajetória de Jesus lhe trará outras surpresas, como no episódio da apresentação no templo, Maria e José ficaram admirados com o que se dizia do menino (cf. Lc 2,33). Mas, sua reação é diferenciada.


A reação de Maria é de discípula: “guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (v. 19). O verbo grego traduzido por meditar é συμβαλλω – symbálô, o qual possui um significado muito mais profundo que meditar; literalmente significa ‘colocar junto’, ‘unir’, ‘reunir’. É exatamente aqui que Maria se sobressai sobre os demais ouvintes, porque ela guardava, ou seja, escutava com atenção tudo o que os pastores tinham dito, e juntava com o que já sabia: as palavras do anjo Gabriel e as declarações de Isabel.


Aquela que já era mãe, inicia agora uma nova etapa, o discipulado, e isso ela vai fazer ao longo de toda a vida de Jesus; ao invés de ver os fatos isoladamente, ela vai juntando cada um, unindo as peças e percebendo, no seu coração, que a história da salvação está sendo reescrita com novos parâmetros, uma inversão de ordem: os últimos, como ela e os pastores, passaram a ser os primeiros!


Tendo comprovado e visto que tudo o que lhes tinha sido anunciado era verdade, “os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus” (v. 20). Realmente, não faltavam motivos para os pobrezinhos dos pastores glorificarem a Deus! É importante lembrar que a alegria e o louvor são traços bem característicos de Lucas; quem faz a experiência do amor de Deus reage louvando e glorificando.


O louvor dos pastores é mais um indício de que a distância entre o céu e a terra foi eliminada: cantar glória a Deus era função exclusiva dos anjos no céu, que excepcionalmente desceram à terra e louvaram a Deus diante dos pastores (cf. Lc 1,13-14), mas logo retornaram para o céu. Agora, também aos pastores, os últimos da terra, tem esse direito. Quanta revolução: o que era privilégio dos primeiros do céu, se torna acessível aos últimos da terra!


No final, vem evidenciado o papel importante de José e Maria na educação de Jesus, levando para a circuncisão conforme previa a lei e, ao mesmo tempo, a liberdade que tinham para seguir mais a Deus que a lei que já não comunicava mais a vontade de Deus: “deram-lhe o nome de Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido” (v. 21). Ao dar um nome contrário ao que lei previa, nome de parente próximo, Maria e José se declaram a favor da nova história que Deus está começando a escrever com a colaboração de homens e mulheres, principalmente os mais simples e humildes.


O significado do nome é “Deus salva”, porque agora a salvação entrou definitivamente na história, como o anjo tinha anunciado: “Hoje, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (cf. 2,11). Portanto, hoje, especialmente, é mais do que justo recordarmos a Mãe desse Salvador, e seguir seu exemplo de discípula fiel.