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12. A embaraçosa e encantadora boa notícia (Mc 3,1-19)

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16.12.2013 | 7 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Curso Bíblico
12. A embaraçosa e encantadora boa notícia (Mc 3,1-19)

3


1 Outra vez, Jesus entrou na sinagoga, e lá estava um homem com a mão seca.
2 Eles observavam se o curaria num dia de sábado, a fim de acusá-lo.
3 Jesus disse ao homem da mão seca: “Levanta-te! Vem para o meio!”
4 E perguntou-lhes: “Em dia de sábado, o que é permitido: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar?” Eles ficaram calados.
5 Passando sobre eles um olhar irado, e entristecido pela dureza de seus corações, disse ao homem: “Estende a mão!” Ele estendeu a mão, que ficou curada.
6 Saindo daí, imediatamente os fariseus, com os herodianos, tomaram a decisão de eliminar Jesus.
7 Jesus, então, com seus discípulos, retirou-se em direção ao lago, e uma grande multidão da Galileia o seguia.
8 Também veio a ele muita gente da Judéia e de Jerusalém, da Idumeia e de além do Jordão, e até da região de Tiro e Sidônia, porque ouviram dizer quanta coisa ele fazia.
9 Ele disse aos discípulos que providenciassem um barquinho para ele, a fim de que a multidão não o apertasse.
10 Pois, como tivesse curado a muitos, aqueles que tinham doenças se atiravam sobre ele para tocá-lo.
11 E os espíritos impuros, ao vê-lo, caíam a seus pés, gritando: “Tu és o Filho de Deus”.
12 Mas ele os repreendeu, proibindo que manifestassem quem ele era.
13 Jesus subiu a montanha e chamou os que ele quis; e foram a ele.
14 Ele constituiu então doze, para que ficassem com ele e para que os enviasse a anunciar a Boa Nova,
15 com o poder de expulsar os demônios.
16 Eram: Simão (a quem deu o nome de Pedro);
17 Tiago, o filho de Zebedeu, e João, seu irmão (aos quais deu o nome de Boanerges, que quer dizer “filhos do trovão”);
18 e ainda André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o cananeu,
19 e Judas Iscariotes, aquele que o traiu.

A incômoda boa notícia


À medida que toca o sentido e as motivações mais profundas da vida humana, a religião pode se tornar espaço de afirmação da mais verdadeira humanidade ou da mais legitimada das desumanidades. No capítulo 2 (cf. Estudos 10 e 11), a boa notícia de Jesus, de um Reino que já chegou, já demonstra a envergadura de sua novidade. Por um lado, restitui aos doentes a serenidade de saber-se querido por Deus (cf. Mc 2,1-12); revela a predileção do Pai pelos mais aparentemente reprováveis (cf. Mc 2,13-17) e devolve o sentido original dos costumes religiosos, recolocando-os a favor da vida (cf. Mc 2,18-28). Por outro, perturba a ordem religiosa estabelecida e denuncia um sistema legitimado de exclusão deliberada e observância cega (cf. Mc 2,6-7.16.18.24). Não sem razão, o evangelho de Jesus permanece um escândalo, na exata medida de sua novidade.


Novamente na sinagoga (v. 1), Jesus encontra um deficiente físico, um “homem de mão seca” (ou atrofiada). Os presentes se põem na expectativa de que ele o cure, não por se importarem com o sofrimento do enfermo e se alegrarem por seu alívio, ou para “se admirarem” com a boa nova de Jesus, como fazem os discípulos, mas para acusá-lo com base numa determinada interpretação da Escritura (v. 2). Pois o risco para quem esquadrinha a vida a partir das leis, mesmo religiosas, é o de contemplar não mais pessoas, com suas necessidades e singularidades – sinais de Deus mesmo – mas apenas cânones: em lugar da espontaneidade, enxergam infrações; em vez de alegria, irreverência; não a sensibilidade, mas a rigidez; ao contrário da misericórdia, a acusação.


Jesus, porém, mantém a integridade de seu anúncio e não se constrange por essa atmosfera de desconfiança. Chama o homem, pede que “se levante” (é o mesmo verbo da ressurreição – “e foi levantado”) e que “venha para o meio” (v. 3), rompendo a barreira legal de sua impureza e pretensa maldição divina. Antes de curá-lo, se dirige aos atentos observadores e, como em Mc 3,25-28, relembra-lhes o sentido do mandamento do sábado: que condiz mais com o sábado, a vida ou a morte? (v. 4). A resposta é óbvia, pois todos sabem que, se o mandamento de Deus passa a favorecer a morte, já não pode ser divino; merece se lançado ao fogo, como qualquer lei humana injusta. Mas se, pelo contrário, é um mandamento de vida, urge cumpri-lo às últimas consequências. Os ouvintes o sabem e por isso se calam. O olhar de Jesus é “irado” ou “indignado”, mas também de tristeza, por causa da “dureza de coração” daqueles que estão reunidos no lugar de oração (v. 5). Nas Escrituras de Israel, também o povo mostrou-se de “coração duro” e de “cabeça dura”, quase sempre pela idolatria (Ex 32,9; 33,3.5; 34,9; Dt 9,6.13). “Não endureçais o coração”, exorta o Sl 95,8. A dureza de coração na sinagoga de Cafarnaum remonta a incredulidade de Israel a caminho. Depois de tanto tempo, o povo ainda se perde nas mesmas infidelidades do deserto – e por isso Jesus se entristece.


Jesus se mantém. O homem “estende a mão” e fica curado. O sábado não coaduna com a morte e o sofrimento permitido, e o Pai socorre sempre aqueles que a ele recorrem – está anunciada a boa notícia do Reino. Incômoda e embaraçosa o suficiente para desencadear “imediatamente” uma trama política e religiosa (“herodianos e fariseus”) para a morte de Jesus (v. 6).


Para estar com ele


As cenas se repetem, por onde passa Jesus. As multidões já o seguem, atraídas por aquilo que dele se dizia (v. 7.9-10), não só judeus, mas também estrangeiros (v. 8). Por isso, Marcos faz questão de mencionar o esforço de Jesus por manter o segredo messiânico, violado continuamente pelos “espíritos impuros” (v. 11-12).


E, depois dessa cena confusa, Mc abre um novo quadro: Jesus sobe a montanha (v. 13). Nas Escrituras judaicas, a montanha tinha sido sempre o lugar do encontro e da revelação: Moisés recebeu na montanha seu chamado (Ex 3,1) e, na mesma montanha, a Torah (Ex 19,2-3); Elias subiu a montanha em busca de refúgio à sua fidelidade profética (1Rs 19,8). Agora, Jesus também sobe. Não chama a “multidão”, mas somente “os que ele quis e foram até ele”. E a missão desses “queridos” é descrita como, primeiramente, “ficar com ele” (v. 14) para só depois pregar o evangelho e expulsar tudo quanto se oponha o Reino, os “demônios” (v. 15). Tal qual o querer de Deus, que outrora fizera a promessa a Abraão, Isaac, Jacó e seus Doze filhos, dos quais formou Israel, Jesus também escolhe doze homens, sobre os quais refunda o Israel de Deus. A lista oferecida por Mc apresentará algumas diferenças em Mt e Lc quanto aos nomes, mas não quanto ao número – sempre doze. Esses, somente depois de aprender da boa notícia caminhando com Jesus, discípulos atrás do mestre, serão também seus anunciadores.


 * * *


A boa nova do Reino anunciada por Jesus é desconcertante e convida a ir além das mesquinhas ordens estabelecidas. Mais que a lei, importa a generosidade, a compaixão e o amor sem limite. Para nos tornarmos anunciadores dessa mesma notícia, Jesus convida a subir com ele a montanha e estar com ele, aprendendo do seguimento. Também nós somos parte desse Israel, escolhido pelo querer de Jesus e formados por seu ensino.