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11. Os dilemas da Lei: a Pureza, o Jejum, o Sábado (Mc 2,13-28)

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09.12.2013 | 6 minutos de leitura
Frei João F. Júnior - OFMCap
Curso Bíblico
11. Os dilemas da Lei: a Pureza, o Jejum, o Sábado (Mc 2,13-28)

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13 Outra vez, Jesus saiu para a beirado lago. Toda a multidão ia até ele, e ele os ensinava.
14 Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu,sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me”! Ele se levantou e seguiu-o.
15Enquanto estava à mesa na casa de Levi, muitos publicanos e pecadores puseram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Pois eram muitos os que o seguiam.
16 Os escribas, que eram fariseus, vendo que ele comia com os pecadores e os publicanos, disseram aos discípulos de Jesus: “Por que ele come com os publicanos e os pecadores?”
17 Tendo ouvido, Jesus respondeu-lhes: “Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas as doentes. Não é a justos que vim chamar, mas a pecadores”.
18 Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Vieram então perguntar a Jesus: “Porque os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?”
19 Jesus respondeu: “Acaso os convidados do casamento podem jejuar enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar.
20Dias virão em que o noivo lhes será tirado. Então, naquele dia jejuarão.
21 Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha; senão, o remendo novo repuxa o pano velho, e o rasgão fica maior ainda.
22 Ninguém põe vinho novo em odres velhos, senão, o vinho arrebenta os odres, e perdem-se o vinho e os odres. Mas, vinho novo em odres novos!”
23 Certo sábado, Jesus estava passando pelas plantações de trigo, e os discípulos começaram a abrir caminho, arrancando espigas.
24 Os fariseus disseram então a Jesus: “Olha! Por que eles fazem no dia de sábado o que não é permitido?”
25 Ele respondeu: “Nunca lestes o que fez Davi quando passou necessidade e teve fome, e seus companheiros também?
26 Ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães da oferenda, que só os sacerdotes podem comer, e ainda os deu aos seus companheiros!”
27 E acrescentou: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado.
28 Deste modo, o Filho do Homem é Senhor também do sábado”

A pureza


Jesus continua a ensinar por onde passa, formando discípulos pela palavra, mesmo numa inusitada beira de lago (v. 13). Tão inusitados quanto os lugares, são os discípulos chamados por Jesus para segui-lo (a cena comum de Mc: o mestre à frente, cujos passos são seguidos pelos discípulos). A palavra de Jesus se cumpre já no modo e nas pessoas a quem chama (cf. Estudo 8). Nesse caso, Levi, um publicano – coletor de impostos a serviço do domínio romano, em conluio com as autoridades judaicas. Esses funcionários eram desprezados pelo povo por duas razões: por sobretaxarem os impostos, de onde hauriam sua riqueza, e por colaborarem com a dominação estrangeira. Segundo os fariseus, eram pecadores; para os saduceus do Templo e a corte de Herodes, executores fieis e indispensáveis para manutenção da “ordem pública”. E é justamente a esse que Jesus chama (v. 14). Não só chama, como vai a sua casa e se põe à mesa com ele e os seus (v. 15). Ora, pôr-se à mesa é partilhar não só a comida, mas a vida dos comensais.


Mesmo sob os protestos dos “puros” (v. 16), Jesus não evita se misturar aos “impuros” para chamá-los. Um médico que tivesse reservas de tocar a doença de seus pacientes jamais poderia curá-los; ou jamais poderia educar um mestre que não suportasse as dificuldades de seus discípulos; ou ainda, alguém jamais será instrumento da misericórdia de Deus se não se permitir entrar em contato com as misérias dos corações – assim responde Jesus (v. 17).


Pode parecer contrário aos princípios da pureza, mas o chamado de Jesus se revela eficaz. Pois, em nenhuma dessas ocasiões de refeição com pecadores públicos, Jesus lhes pedirá nada, nem mesmo que sejam melhores. Mas, do convívio e da palavra de Jesus, são eles mesmos que se decidem por mudar de vida.


O jejum


Os dilemas diante das prescrições legais continuam a partir de um gesto de piedade: o jejum. Pois, aparentemente, todos estavam jejuando, menos os discípulos de Jesus (v. 18). Ainda hoje, não é raro que pessoas muito fiéis aos costumes religiosos observem atentamente aqueles que não praticam esses mesmos costumes. A pergunta já é condenatória: “por que não jejuam?”. Em Mc, Jesus nunca prescreverá jejuns, nem preces, nem costumes piedosos. Para Jesus, em Mc, a Reino se assemelha a uma festa de casamento (v. 19-20), em que o noivo está presente. Uma imagem muito rica, se nos lembrarmos que a Aliança de Deus com seu povo é frequentemente comparada a um casamento, com direitos e deveres conjugais de fidelidade e dedicação. O Reino anunciado por Jesus é, assim, uma festa, uma boa notícia (evangelho) a ser comemorada com alegria. Uma novidade tamanha que não cabe nos limites da mentalidade vigente. Crer no evangelho de Jesus e não se dispor à conversão é como pôr um remendo novo num pano velho ou vinho novo em odres velhos – no fim, tudo se perde. Crer na boa notícia de Jesus exige estar disposto a renovar toda a vida, convertendo-se sempre, sem remendos (v. 22).


O sábado


Em Mc, as famosas “espigas do sábado” são arrancadas para “abrir caminho” (v. 23); em Mt, servirão para “matar a fome”. Ambos os sentidos são muito ricos, pois a boa nova, se realmente nova, exige novos caminhos e alimento novo – exige conversão.


Os defensores do “tecido velho ou dos odres velhos” logo se manifestam: é proibido fazer isso, em nome das Escrituras. A eles, entendidos das Escrituras, Jesus responde com as mesmas Escrituras: Davi, o grande rei messiânico, diante da necessidade e no momento em que a vida se viu ameaçada, não hesitou e também violou as leis; pois, por mais sagradas que fossem, não estariam acima da vida (1Sm 21,2-7). Mas Jesus também recorda o sentido mais original do sábado: dar descanso ao corpo, gasto pelo trabalho; dar descanso aos animais, fiéis companheiros do homem em seu labor; dar descanso à terra, fadigada pelo plantio contínuo. Ou seja: o sábado deve oferecer descanso e alento, revigoramento e ânimo – e não o contrário. “O sábado foi feito para o homem e não o homem par ao sábado” (v. 27-28) – o sábado serve às pessoas e as pessoas servem a seu Senhor – O Cristo, o Filho do Homem. Inverter essa ordem não é apenas uma inversão, mas perversão do verdadeiro sentido da religião.


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 Crer em Jesus e em sua boa notícia implica converter-se. Do contrário, nunca se crerá. Muitos gastam energias infindas remendando com o evangelho os panos velhos da própria vida; ou tentando fazer caber a novidade do Reino nos odres velhos da mentalidade legitimada. Jesus desinstala essas tentativas, chamando até os ditos indignos, e formando-os por sua palavra.