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109. Tão nova e tão antiga

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10.10.2021 | 4 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Diversos
109. Tão nova e tão antiga
Tão antiga quanto o evangelho é a tarefa de evangelizar. Desde o início de sua vida pública, Jesus escolheu discípulos e discípulas a quem designou a tarefa de comunicar a boa nova (Lc 10,1-12). Apesar de os evangelhos sinóticos listarem apenas homens no grupo dos doze (Mc 3,13-19; Mt 10,1-4; Lc 6,12-16), sabemos por outros textos canônicos que ele era seguido de perto por muitas mulheres, que o serviam (Lc 8,13; Mc 15,41) e que o acompanharam até o momento derradeiro de sua entrega na cruz (Mt 27,55-56; Mc 15,40; Lc 23,49; Jo 19,25).
Tendo morrido, sua palavra não morreu com ele. Beleza tão antiga e tão nova, a boa nova continuou viva e eficaz na ação evangelizadora dos primeiros cristãos, que deram a vida para fazê-la conhecida pois se tornara para eles palavra que faz viver. O livro dos Atos dos Apóstolos nos fala do efeito multiplicador dessa palavra. Cada pessoa que a escutava e se deixava transformar por ela torna-se seu anunciador. Assim, uma imensa nuvem de testemunhas (Hb 12,1) fez com que ela chegasse até nossos corações e se 
Dentre esses evangelizadores, destacam-se os catequistas. Homens e mulheres que, por meio do ofício de catequizar, se dedicaram – e ainda se dedicam – a tornar Jesus Cristo e seu projeto de vida conhecidos. Certamente, nem todo evangelizador é catequista, mas com certeza todo catequista é – ou deveria ser – em primeiro lugar um evangelizador, uma testemunha do Cristo (At 1,8).
Esse ministério – real, mas não oficialmente reconhecido até que o papa Francisco recentemente o tenha feito por meio do motu proprio Antiquum ministerium – tem raízes antigas. Nos primeiros séculos da vida cristã, o catecumenato deu provas de sua eficiência. Uma comunidade eclesial verdadeiramente catequista acompanhava os candidatos à fé, ajudando-os a dar passos no seguimento de Jesus, até o martírio se preciso fosse. Nascia aí o ministério do catequista: um ofício nobre e belo, mas também exigente e comprometedor, pois não se anuncia o evangelho com repetição de fórmulas e ensinamentos de dogmas, mas com a própria vida tocada desde dentro pelo mistério de Cristo.
Veio o governo do imperador Constantino e a fé cristã saiu da clandestinidade. Teodósio, seu filho, reconheceu a religião cristã como a religião oficial do império e inverteu a lógica do cristianismo nascente. De perseguida, a religião cristã passou a perseguidora, pois o culto a outros deuses não era mais livre e, por interesses do império, não lhe convinha mais a liberdade religiosa.
Foram tempos gloriosos, dizem alguns menos esclarecidos. Mas o que parecia a vitória da fé cristã tornou-se sua sentença de confinamento. Uma catequese organizada, sistemática e planejada para proporcionar a experiência cristã de Deus não era mais necessária, pois todos eram obrigatoriamente cristãos. O catecumenato se extinguiu e nasceu uma espécie de catequese por osmose social, na qual a fé era recebida por herança familiar. Assim, para que catequistas? Para que fazer um itinerário formativo que visava o seguimento do Nazareno se a pessoa já se considerava cristã? Foram mais ou menos mil e cem anos de uma catequese às avessas, ou de uma não-catequese, de uma compreensão equivocada acerca da transmissão da fé, que deixara de ser opção livre, pessoal e consciente por Jesus Cristo para ser uma adesão por conveniência e ou costume social. Nesse ínterim, certamente os catequistas não entraram em extinção. Sempre houve homens e mulheres que se dedicaram ao ofício de transmitir a fé, mas a relevância desse ofício ficou sob nuvens.
A catequese recuperou sua importância por ocasião do Concílio de Trento, também conhecido como Contrarreforma. Tendo sua identidade ameaçada pelo movimento que teve Lutero como ícone, a Igreja Católica tornou a organizar seu processo catequético no desejo de evitar uma debandada geral para a Reforma. Proliferaram-se os catecismos, em contraposição aos ensinos de Lutero, que foram consignados em dois catecismos publicados na mesma época. Um dos mais importantes catecismos foi o dos Párocos, também conhecido como Catecismo de Trento ou de Carlos Borromeu, encarregado de sua elaboração pelo Concílio.
A princípio, o Catecismo de Trento foi pensado tendo o pároco como catequista, mas, até para os párocos, esse manual apresentava suas dificuldades. Não demorou para que o povo mostrasse predileção por outros catecismos mais fáceis, tais como as obras de Pedro Canísio e a síntese da doutrina de Belarmino. Mais tarde, em 1905, o papa Pio X lançou seu próprio catecismo e, além disso, deu um empurrão para a catequese ganhar formato infantil como conhecemos hoje, quando permitiu a comunhão eucarística para as crianças.
Passaram-se quase 500 anos desde Trento e a catequese dos catecismos não respondia mais às exigências da modernidade que se impunha. Os catequistas não eram mais ouvidos e os modernos reivindicavam uma fé mais lúcida e esclarecida. De novo, foi preciso a catequese se reinventar. O Movimento Catequético somou-se aos movimentos renovadores que precederam o Vaticano II e a Renovação Catequética ganhou forma. Sua primeira iniciativa foi declarar a falência dos catecismos e a necessidade urgente de buscar novos catequistas e colaboradores para a difusão da fé. Desde então, a catequese se tornou ofício praticamente dos leigos, como outrora no catecumenato. Era preciso transmitir a fé no mundo secularizado que a modernidade engendrava. 
Nesses últimos 120 anos, a Igreja tem contado com ministros dedicados a esse ofício, mas esse empenho evangelizador não é suficiente para responder aos desafios desse mundo complexo e multirreferencial. Os pós-modernos não sentem mais a vida como antes. Uma nova gramática existencial tem se configurado, mudando nosso modo de amar, de trabalhar, de nos relacionar uns com os outros, de entender o tempo e o espaço, de rezar, de crer etc. Novas problemáticas roubaram a cena e as questões antigas acerca de Deus e da verdade não nos tocam mais. Mas infelizmente a catequese, afeiçoada ao regime de cristandade, não tem conseguido se reinventar. Não basta animar a catequese, cantar, brincar e fazer atividades lúdicas. Não se trata de uma didática equivocada apenas, mas da pertinência do que é comunicado. A catequese está comprometida na sua base. Como afirmou Emílio Alberich, a catequese \"utiliza linguagens que ninguém entende, se dirige a auditórios que já não existem e responde a questões pelas quais ninguém se interessa\". Precisamos de um novo paradigma catequético, capaz de responder aos anseios dos nossos contemporâneos.
Transmitir a fé cristã de forma que ela possa gestar uma nova criatura a partir de Cristo é uma tarefa árdua que não pode ser negligenciada. Homens e mulheres de fé, para quem a boa nova do evangelho faz viver, devem assumir essa missão sem medo. No entanto, tal tarefa não depende apenas da boa vontade e da percepção do chamado para exercê-la. Como a catequese é uma missão da Igreja, é a comunidade eclesial, e não apenas o catequista, quem deve enfrentar esse desafio. Coragem, criatividade e espírito evangelizador não são suficientes para que uma boa catequese aconteça. É preciso formar bem os catequistas, fazer investimentos financeiros para a aquisição de material pedagógico e para assessorias qualificadas, repensar a organização catequética em função dos sacramentos (que já mostrou sua falência), construir espaços de convivialidade para além do centro catequético com as tradicionais salas de aula, possuir um projeto catequético consistente que responda às demandas de hoje etc.
Os catequistas e as catequistas que perseveram sem essa estrutura eclesial são verdadeiros bandeirantes da fé. Gastam sua vida e seus recursos financeiros para que a catequese aconteça. Já é tempo de a Igreja repensar sua catequese e assumir sua efetivação, se é que ela quer que a fé cristã tenha futuro. Em queda livre como o cristianismo se encontra e com a catequese de hoje – tão deficiente – formando o ateu de amanhã, não demora muito para imitarmos as dioceses da Europa, que vendem seu patrimônio material para se tornarem bibliotecas, cinemas e bares. Se desejamos que a beleza tão antiga e tão nova se torne vida também para outros, precisamos levar a sério a tarefa catequética.
A todos os catequistas, dou minha palavra de ânimo e de incentivo. Aos presbíteros e bispos, faço um apelo para que a catequese seja priorizada e possa contar com os melhores recursos humanos e financeiros, para tornar a fé crível para nossos contemporâneos.