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95. Do homem e suas buscas

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19.07.2016 | 7 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Crônicas
95. Do homem e suas buscas

“A quem procurais?” (Jo 1,39)


 

“Antes da noção do certo 

Se revelar um engano,

Saio do cotidiano: 

Adentro em outras rotinas, 

Noutros mares vou pescar”

(Rubem Alves)


 

O homem está à procura do inominável. Parece haver uma carência no fim de todas as buscas. Quando atingimos nossas metas, quando alcançamos nossos sonhos, quando realizamos aquilo que antes era apenas projeto, quando, então, pensamos ser a hora de gozarmos da plenitude, eis que o nosso coração palpita por um faltante, por um ainda-não, como se ele mesmo, não obstante todas as conquistas e realizações, ainda não tivesse encontrado aquilo que tanto procura. É quando os olhos se voltam para o que ainda falta, às vezes descuidando do que já temos. Vamos, então, à procura do sem-nome, daquilo que nós mesmos não sabemos definir, ao certo. É a dinâmica do desejo: não se realizar definitivamente. Buscar mesmo entre presenças, justamente o que ainda está ausente. Clarice Lispector tinha uma importante frase pra falar desse inconteste agitamento do coração: “liberdade é pouco. O que eu desejo, ainda não tem nome”. O mais estranho, porém, é que essa experiência do faltante não se dá muito frequentemente nos momentos de dificuldade; nesses instantes, o que mais se quer é romper com o sofrimento. Ao contrário, esse desejo que nos estranha insurge quando tudo parece gozar de perfeita ordem, desordenando tudo, colocando-nos em crise.


Outras vezes, o faltante tem nome; está bem identificado, é facilmente localizado. Nessas ocasiões, não demoramos em buscá-lo. Entretanto, quando finalmente possuímos aquilo que estava nos convocando, somos assolados pela irrealização daquilo que, pensávamos, nos realizaria.


Onde estará, pois, o fim de todas as buscas do ser humano? Aquele lugar no qual ele finalmente poderá, reconfortado, descansar de todas as fadigas e, pleno, poderá cantar as maravilhas da vida? Ou, ao menos, onde estará o lugar em que ele será feliz?  Haverá esse lugar?


Há verdade nos clichês que dizem: o nosso lugar é uma construção, a felicidade não está fora de nós. Sim, é preciso ponderar, nenhum lugar é um recipiente pronto para receber o que somos, nem nós somos uma “massa de bolo”, preparada para nos encaixar numa fôrma. E muito mais profundamente: nós não somos seres para a fixidez, para o sedentarismo espiritual; somos seres em fluxo, sem lugar determinado, pois nosso lugar é o não-lugar ou: nós mesmos. É bem verdade que sempre haverá aqueles lugares que nos ajudarão a retirar de nós aquilo que temos de melhor, mas essa preocupação é apenas secundária, pois o fundamental é lembrarmo-nos de que o nosso coração é a nossa própria “topia”. Assim, em qualquer lugar que estivermos, seremos quem realmente somos. O espaço em que estivermos será apenas relativo, um favorecimento ao espírito e não a morada para ele. A verdadeira morada para o ser é o próprio espírito – esse movimento que nos põe fora do lugar (na “u-topia”).


Quanto à felicidade, procurá-la fora é não se conhecer, é sequer desconfiar de que colocá-la nas mãos das circunstâncias, das pessoas, das vontades é já perdê-la, pois, as circunstâncias mudam, as pessoas nós jamais as teremos e as vontades acabam. A felicidade, a que realmente importa, nós a encontramos nas coisas mais sutis, como prova quase que definitiva de que a felicidade foi feita para a simplicidade, para as coisas que realmente interessam. E as coisas que realmente interessam vêem de dentro, ou, ao menos começam de lá.


Que nós não nos enganemos, contudo. A vida humana não é fácil. Quando tudo o que queremos é ser felizes, é o sofrimento que se descortina, a dor, a insegurança, o medo, a aflição, a covardia, a mediocridade. Quase como um solavanco sobre nossos sonhos, nós nos deparamos mais frequentemente é com o desespero e com a irrealização. E, ainda que de posse do essencial, nós podemos não o enxergar ou não o entender como tal, ou ainda perdê-lo. Às vezes é assim: só tomamos ciência do que é essencial depois de perdê-lo, justificando uma assertiva que parece se confirmar: às vezes é preciso perder, para encontrar.


Cabe ao ser humano, pois, saber o que lhe é essencial. E o essencial é sempre invisível aos olhos. É necessário que ele percorra o próprio coração, a fim de saber onde está o seu tesouro. É imprescindível que ele escute a voz silente, que lhe orienta. Pois, embora o espírito não seja contido em nenhum lugar, é nos diversos lugares que ele é chamado a se dar, de diversas formas. Não importará quanto vai demorar, seja por que motivo for, o importante é que, tendo descoberto o essencial, o ser humano não seja leviano em não vivê-lo; sabendo o que realmente importa, não se entregue ao que não interessa tanto; conhecendo o amor e a verdade, ele procure viver honestamente consigo mesmo.


Apesar disso, é verdade: o cálice do vinho da alegria pode ser o mesmo cálice de sangue. O mesmo trigo pode na verdade ser joio. O deserto, lugar de encontro consigo e com Deus, pode ser o lugar da aridez e da sede, o exílio de nosso próprio paraíso. A água da vida que sacia é a mesma água que em quantidades maiores afoga e mata. O mesmo mar que para uns é horizonte azul que beija o céu, para outros é o naufrágio da vida. Assim também, o sonho pode tornar-se pesadelo; as limitações que ajudam a crescer podem converter-se em necrose da própria vida; a fantasia pode virar ilusão; o amor pode descambar para a ingenuidade; a esperança pode desesperar-se; a segurança pode acovardar-se e, na busca pela felicidade, pelas realizações, a vida pode tornar-se uma tragédia.


Cada um deverá escolher fazer-se ou não, primeiro fundamentalmente, depois em questões mais secundárias. Cada pessoa poderá olhar para as vicissitudes da vida e tirar proveitos delas, arriscar-se e, ainda que perdendo tudo, encontrar-se de novo. Poderá permanecer mudando para ser o mesmo e descobrir que pouco fez, ou nada, mas que, ainda sim, tentou. Poderá também negar-se, fugir de si mesmo e, no medo sucumbir, que seja; mas até aí, terá se feito. E poderá, finalmente, buscar de que forma enxergar a realidade.


No fim, talvez seja verdade que o “jardim do vizinho é sempre mais verde”. Contudo, convém que mudemos a ótica urgentemente. Ao invés de olharmos para aquilo que nos falta, que olhemos para o que já temos. Ao invés de adotarmos o olhar da carência, adotemos o olhar da plenitude, como ensinaram os padres do deserto.


Que experimentemos, portanto, fazer a experiência da plenitude no pouco que nos foi dado, que, de posse apenas dos vestígios da realização ou da esperança de que ela um dia aconteça, possamos dar valor às coisas mínimas e sejamos capazes de ver num minuto a eternidade, num sorriso a alegria, num abraço o amor, num beijo a entrega, na sutileza a verdade, na singeleza a fraternidade, num suspiro a vida...Aí, finalmente, nós seremos realizados, não porque não temos mais desejos, ou carências, ou desencontros, ou frustrações, ou vontades, mas porque teremos aprendido a olhar cada coisa mínima como graça, como presente, como dom e, então, ainda que nos faltasse tudo, não nos faltaria nada.