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93. Voltar para casa

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12.07.2016 | 5 minutos de leitura
Solange Maria do Carmo
Crônicas
93. Voltar para casa

“ Vou voltar para meu pai” (Lc 15,18)



“Regressou como quem repetiu o nosso nome cada dia.

Regressou como quem repetiu o caminho cada dia.”


(Daniel Faria)



Antigo dito popular afirma que o “o bom filho a casa torna”. Essa frase tornou-se lugar comum na nossa cultura. Vai e volta, ela é empregada para justificar a repetição de antigos hábitos ou para consolar um coração saudoso que lamenta a ausência do ente querido.


Na Bíblia, tornou-se célebre a parábola do filho pródigo, aquele filho mais novo, rebelde e esbanjador, que, depois de ter gastado seus bens numa aventura pelo mundo, voltou para a casa de sua infância, confiante na misericórdia de seu pai. Nos braços amorosos do pai, o filho encontrou mais que abrigo, comida e proteção. Encontrou paz, dignidade e festa; encontrou-se a si mesmo que ficara perdido nos lugares errantes por onde andou.


A emoção de voltar para casa é algo tão forte que a expressão “foi como voltar para casa” se tornou símbolo de bem-estar e conforto. Não poucas vezes já ouvimos alguns dizerem: “estar com ele (ou com ela) foi como voltar para casa” ou “retomar meu trabalho foi como voltar para casa”.  E, porque essa sensação de voltar para casa abranda as angústias e refaz as vidas, o retorno já foi tema de muita canção... Roberto Carlos, por exemplo, eternizou o tema cantando: “Eu voltei, agora pra ficar. Porque aqui, aqui é o meu lugar; eu voltei, pras coisas que eu deixei...”.


Na cultura atual, sair de casa é rotina que já não nos traz estranhezas. Vivemos um êxodo permanente. Saímos à procura de uma vida melhor; corremos atrás de sonhos; procuramos realizar nossos projetos. Cada dia que passa, mais cedo os filhos se despedem dos pais e saem de casa; mais cedo aprendem a bater asas como pássaros que abandonam seus ninhos em busca da êxodo , deixando seus pais com a síndrome do ninho vazio. E não tem como reter. Cada um precisa fazer seu voo, descobrir seus caminhos. Resta a quem fica incentivar a partida e rezar em segredo:“Desejo-te asas. Nem tão grandes para que não te queimes ao tocar o sol. Nem tão pequenas que não alcances o cume das montanhas. Asas... Do tamanho dos teus sonhos. Do tamanho da minha vontade! Para que, quando eu tiver saudades, tu voltes até mim” (Mauro Ramos).


Às vezes, sai-se de casa por opção, por desejo de correr atrás dos sonhos, de ir em direção ao sol. Outras vezes, sai-se de casa por obrigação. A vida impõe a distância entre os entes queridos. Ela separa, distancia, dita as regras da convivência entreposta por espaços que os meios de comunicação amenizam, despistando a dor da separação. Quem vai espera a hora de poder voltar. Quem fica espera a hora de poder abrir os braços pra fazer morrer no abraço a dor da saudade.


Desde pequena, aprendi a dor da separação e a alegria do reencontro. Retornar para o lar simples de meus pais e para o aconchego fraterno da convivência com meus irmãos era uma das alegrias de menina de sete anos. A vida impôs a distância entre mim e os meus amados, quando minha família se mudou para o sítio por causa do trabalho de meu pai. Eu – a sétima de oito irmãos – precisei, com apenas sete anos, ir morar com a madrinha de minha irmã para continuar os estudos. A madrinha era mulher cheia de bondade e ternura, mas era mãe de três pestinhas em forma de gente, que me atormentavam com monstros, fantasmas e assombrações. Eu, menina da roça, encolhia-me de medo e contava as horas na expectativa da bendita sexta-feira, quando meu pai – qual herói montado em seu cavalo pangaré – vinha à cidade me buscar para o ambiente familiar. Ao longe, ouvia o tropel do cavalo; depois, a voz conhecida de meu pai – carinhoso – a me chamar pelo nome e a me estender seus braços queimados de sol. Na boca, nem um dente, mas sorriso mais lindo não podia haver. Na garupa do cavalo, lá ia eu com o coração palpitando, experimentando a felicidade de voltar para casa. No domingo à noite, era hora de ir de novo para o matadouro; a escola me esperava na segunda e não podia parar de estudar – jamais! A dor do domingo à noite só não era maior por causa da lembrança da sexta feira: o cavalo pangaré, os braços de meu pai, sua voz, a poeira batida da estrada, o abacateiro avistado ao longe, a casinha no escondido da roça, a farra na companhia de meus irmãos, o abraço carinhoso de minha mãe, o mingau de milho verde ou o arroz doce do fim de semana. Era tão bom retornar ao lar que chegava a valer a pena a dor da separação. As lágrimas engolidas na despedida dos meus no domingo ganhava sentido na comunhão celebrada logo em seguida na próxima sexta-feira.


Foi assim que aprendi a urgência da separação e a alegria do retorno. É assim que tenho vivido a dor da separação daqueles que amo: de meu pai, que partiu tão cedo; de minha mãe, que não gostava de separações; de minha irmã, que se foi subitamente sem nem dizer adeus; de meu sobrinho, que nos foi arrancado com violência; de alguns amigos, a quem a vida me impôs a separação. Aguardo – na esperança da fé – a hora do reencontro, o abraço amoroso que faz esquecer a dor da saudade. Reencontrar os que amamos é voltar para casa.