Evangelho DominicalVersículos Bíblicos
 
 
 
 
 

41. O Pai-nosso: Mas livrai-nos do mal. Amém.

Ler do Início
25.10.2017 | 8 minutos de leitura
Pe. Paulo Sérgio Carrara- C.Ss.R
Para Pensar
41. O Pai-nosso: Mas livrai-nos do mal. Amém.

O mal


O Pai-nosso termina, em Mateus, com um pedido que está ligado ao anterior: livrai-nos do Mal. O termo grego no qual foi redigido o Pai-nosso pode ser neutro ou masculino,  permitindo, assim, duas traduções: mal ou Maligno. No conjunto da pregação de Jesus nos Sinóticos, o mal aparece personificado. O Maligno também é chamado de “tentador” (Mt 4,3), “inimigo” (Mt 13,39), aquele que não deixa a Palavra de Deus dar frutos no coração dos cristãos (cf. Mt 13,19). Ele semeia a cizânia (cf. Mt 13,25) no meio do trigo que caracteriza o Reino dos céus.  Segundo Lucas, seu poder está vencido, por isso Jesus o vê “cair do céu como um raio” (Lc 10,18), ou seja, Jesus é o portador do Reino de Deus (cf. Mc 1,15) que elimina o mal, fazendo-o desaparecer na velocidade de um raio. Ele é aquele que expulsa o mal. Suas ações em favor da vida humana mostram a força de Deus entrando na vida das pessoas para que sejam livres dos males que as oprimem e ofuscam sua dignidade de filhos e filhas de Deus (cf. Mc 1,21-34).


Hoje teólogos discutem se o Maligno é personagem concreto ou figura com a qual o povo bíblico personificava o mal. O mais importante, no entanto, é a afirmação da existência do mal. Ninguém nega que ele exista e seja adversário do Reino de Deus, cujos traços são a justiça, a paz, a fraternidade, a liberdade, a igualdade. Jesus, com sua morte e ressurreição, venceu o mal definitivamente. O bem saiu vitorioso; no entanto, resta-lhe um pouco de tempo (cf. Ap 12,12) e a vitória que Jesus nos trouxe precisa ser atuada numa ação concreta contra o mal para que o bem se implante desde agora. Jesus não constrói uma teoria sobre a origem do mal, apenas mostra que ele contradiz o plano de salvação de Deus, que só quer o bem do ser humano. Ele não fica indiferente ao mal, mas o enfrenta desde dentro, ou seja, sofrendo em si mesmo as consequências do mal.


A morte na cruz é fruto desse mal perpetrado pela liberdade humana e não vontade de Deus para o seu Filho amado. Deus, Pai misericordioso e bom, não se vingou do ser humano castigando seu Filho na cruz para satisfazer sua justiça e salvar, assim, os seres humanos. Na morte, Jesus se entregou ao Pai para que o Reino triunfasse sobre a maldade humana. O Pai, acolhendo a oferta do Filho, pela ressurreição o faz vitorioso sobre a injustiça que recaiu sobre ele e pesa sobre os seres humanos. Jesus vence o mal pela força do bem. Não se vinga de seus inimigos, mas lhes oferece o perdão. Assim ele morre, pedindo que o Pai perdoe os que o crucificam porque “não sabem o que fazem” (cf. Lc 23,34). A vitória sobre o mal emerge como fruto de um amor que chega ao extremo da doação total de sua vida por todos, não só pelos seus amigos. Ele permanece fiel à lógica do Reino, segundo a qual “o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida para resgatar a multidão” (Mc 10,45). Jesus vence a maldade para que essa seja vencida, em todas as situações da existência, sejam pessoais ou sociais.


Livrai-nos do mal


O pedido para ser libertado do Maligno ou do mal explica o pedido anterior, uma vez que o papel do Maligno ou do mal é tentar, enquanto o Pai protege contra a tentação de sucumbir ao mal. O próprio Jesus enfrentou e venceu as tentações (cf. Mt 4,1-11). Pelo Espírito, o cristão participa da vitória de Cristo, todavia, precisa torná-la realidade em seu quotidiano: “Ficai firmes, portanto, tendo a verdade como cinturão, a justiça como couraça e, como calçado aos pés, o zelo em propagar o Evangelho da paz; tendo sempre na mão o escudo da fé, graças ao qual podereis extinguir todos os dardos do Maligno; tomai, finalmente, o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6,14-17). Paulo utiliza metáfora militar para expressar que a vitória do cristão em Cristo é segura, desde que não se acomode, mas lute para vencer a batalha contra tudo o que se opõe ao projeto de salvação de Deus manifestado em Cristo. O cristão precisa combater o bom combate, correndo até o fim e guardando a fé; assim ele receberá a coroa da justiça (cf. 2Tm 4,7).  


A missão do cristão será combater o mal na vida pessoal e na vida social, sem ingenuidades, porque, se de um lado somos vítimas do mal que existe no mundo, de outro somos responsáveis por ele. E o mal não está somente no coração das pessoas; está encarnado nas estruturas humanas, nos sistemas injustos, na cultura e nos diversos setores da sociedade. Também na Igreja o mal está presente, por isso afirmamos que ela é santa e pecadora. O mal atua no mundo e bloqueia a instauração do Reino de Deus (cf. Jo 1,29). Pedimos ao Pai que esse mal não nos arraste e que resistamos a ele com sua ajuda. E o Pai, que nos ama, também nos protege com seu amor, uma vez que “Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do seu Filho amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados” (Cl 1,13).  


Segundo o Papa Francisco, “o projeto de Jesus é instaurar o reino de Deus (...). À medida que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Tanto o anúncio como a experiência cristã tende a provocar consequências sociais” (EG 180). O cristão pede para que o Pai o livre do mal e se compromete a fazer o bem para libertar as pessoas da injustiça e do pecado, aguardando a vitória final, quando todo o universo alcançará a glória dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19-21).  Não basta ao cristão, portanto, a decisão de “por hoje não pecar” (PHN).  Quem apenas evita o mal corre o risco de se tornar medíocre. O mal precisa ser combatido com atitudes de amor e solidariedade, com uma atuação constante a favor do Reino e contra tudo o que se lhe opõe na própria vida e na vida das pessoas. A missão dos discípulos consiste num amor exigente, que chega até aos inimigos: “Amai vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem, para que sejais filhos de vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os maus e os bons e faz cair a chuva sobre os justos e os injustos” (cf. Mt 5,44-45).


A melhor maneira de combater o mal, segundo o apóstolo Paulo, é se deixar conduzir pela lógica da caridade fraterna: “Que o Senhor vos conceda crescer e prosperar no amor de uns para com os outros”  (1Ts 3,12).  “Pelo amor colocai-vos a serviço uns dos outros” (Gl 5,13).  “Amai-vos uns aos outros com amor fraterno e, quanto ao respeito, cada qual considere os outros como mais merecedores” (Rm 12,10). “Não tenhais dívida para com ninguém, a não ser a do amor mútuo” (Rm 13,8).  O apóstolo tem uma visão realista da caridade e a considera o dom por excelência, sem o qual nada somos enquanto cristãos (cf. 1 Cor 13,1-13).


Ele insiste: “Cuidai que ninguém pague o mal com o mal, mas procurai sempre o bem, quer entre vós, quer para com todos” (1Ts 5,14-15). “Pelo amor colocai-vos a serviço uns dos outros, porque toda lei está contida numa só palavra: amar ao próximo como a si mesmo” (Gl 5,13-14). “Que vosso amor seja sem fingimento, detestando o mal e aderindo ao bem” (Rm 12,9). “Procuremos, pois, o que favorece a paz e a edificação mútua” (Rm 14,19). “Que cada um de nós procure agradar ao próximo para o bem, para edificá-lo, pois Cristo não buscou o que lhe agradava” (Rm 15,2-3).  “Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão e de paciência” (Cl 3,12). “Sede bondosos e compassivos uns com os outros, sabendo perdoar uns aos outros como Deus vos perdoou em Cristo” (Ef 4,31-32). Paulo, nesses textos, descreve o ágape/amor a ser vivido pelos cristãos em todas as dimensões de sua vida. “Tudo se faça entre vós na caridade” (1Cor 16,14). Nessa tarefa, o cristão será ajudado por Deus na certeza de que “se Deus é por nós, quem será contra nós”?


Amém.


O Pai-nosso termina com o Amém, termo que não aparece nos textos originais dos evangelhos. Essa palavra vem do culto da sinagoga, tem raiz hebraica e significa firmeza e confiança. Sua tradução poderia ser “assim seja”, “verdadeiramente”, “assim há de ser”, “certamente”. Com o Amém, confirmamos o que acabou de sair de nossos lábios. “Sim. Assim é. Assim há de ser. Assim quero orar para sempre. Assim quero viver, com uma confiança total em Deus, nosso Pai, glorificando seu nome, acolhendo seu Reino, fazendo sua vontade, recebendo dele o pão, o perdão e a força para vencer o mal. Amém, sim, amém” (Pagola).