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3. Não lágrimas

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07.12.2017 | 4 minutos de leitura
Pe. Eduardo César Rodrigues Calil
Contos
3. Não lágrimas

Talvez o nosso amor, perfume e dor, tenha se perdido em algum lugar...
Talvez, igual mesmo ao perfume, seu aroma tenha se estiolado no tempo e no espaço...


Foi assim que comecei a dizer-lhe as palavras mais doídas. Dizê-las exige uma coragem que nem sempre existe; que provavelmente esteja só por nascer, e permaneça nesse estado, irrevogavelmente. Com o coração lancinado, os dentes cerrados, as lágrimas rasgando as feições desgostosas. Lábios crispados, mãos empunhadas, olhar fixo. Do outro lado, um olhar que não ousava pousar sobre os meus. Voltavam-se para cima os olhos dele, seguravam uma lágrima no canto do olho e eu via, via a fronte partida ao meio por aquela veia que lhe saltava, quando segurava consigo toda dor. Ele não me dirigia palavra alguma.


As palavras mais belas que trocamos; os cantos mais belos que cantamos; os caminhos mais árduos que fizemos, os nossos e só nossos que abrimos. A taça de que bebi: seu vinho, sua doce alegria, sua amarga tristeza. O pão e o peixe que partimos à beira das cachoeiras, nas trilhas da vida, nos campos, nas casas. Seu abraço e sua força envolvente. Sua mão calejada pondo-me de pé. Seu sorriso amarelo e grande, e seus beijos mais suaves, mais cândidos. O jeito com que pousava seu queixo sobre meus ombros. Seus sussurros em minha orelha... Não vou suportar que tudo termine assim. Não assim. É assim que deixará acabar tudo? Navegando para dentro desse silêncio absurdo e abissal; escondendo-se atrás das cascatas, nas fendas rochosas do nada, tornando intransponível a passagem que, outrora, eu tinha o prazer de cruzar? Itinerários perdidos e lembranças amargas: é com isso que ficarei?


Ele permaneceu impassível. Aquela maldita lágrima escanteada, nem ela descia, desrespeitosa.


Indiferente às minhas lágrimas? Ouse me olhar! Eu insisto... Não rasgue a colcha de nossa história com a adaga de sua apatia. De sua insensibilidade. Não ter seus pesados dedos para enxugar meu choro, não ter sua voz para quebrar meus monólogos insuportáveis, não ter suas verdades para rir de minhas mentiras com a doçura dos amantes. Não sente mais alegria em esconder-me de meus medos, os que sempre senti? O seu amor me salvou de mim mesmo e agora, é assim que permanecerá? Eu lançado ao nada e ao absurdo de que tanto ri, de que tanto trocei por me ver aconchegado em seu acalento? Lançado nessa náusea permanente de não confiar no amanhã... Esmagado pelo terror de não ser eu, já que você leva consigo tudo que sou e tenho, tudo que lhe dei resoluto, tudo que lhe dei sem olhar para trás? Não fará nada... nada? E se eu me lançar no escuro definitivo...ainda assim, o que terei serão apenas esses olhos voltados para cima e essa lágrima escanteada?


A noite foi roubando as feições do homem impassível. As palavras foram sumindo... O desespero foi dando lugar a um sentimento de morte, de ausências, de desamparo insistente. Aquela relação estava quebrada. Fraturada como um desses ossos difíceis de emendar. Ironicamente partida, na exata medida em que tinha sido estabelecida com promessas de eternidade. Uma aliança rompida, mas certamente um fim em que cada um deveria fazer seu mea culpa e assumir sua parcela de responsabilidade. Levantei diante do homem imóvel, inerte, morto.


Para trás, antes de fechar as portas daquele recinto lúgubre, deixava a imagem de um crucificado. Seu olhar voltado para o alto, guardava uma lágrima escanteada, para chorar em outro instante.