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13. Catequese e crise da transmissão

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04.12.2014 | 22 minutos de leitura
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Acadêmicos
13. Catequese e crise da transmissão



Solange Maria do Carmo



Paulo Sérgio Carrara




Artigo original: VILLEPELET, Denis. Catéchèse et crise de la transmission. In: VILLEPELET, Denis; GAGEY, Henri Jérôme. Sur la proposition de la foi. Paris: L’Atelier, 2000.


Como toda missão educativa, a catequese não escapa da ruptura da tradição que especifica a cultura ocidental contemporânea. Ela confronta-se hoje com uma situação inédita, plena de desafios, mas não desesperante. Para nos convencer, deter-nos-emos no questionamento e na advertência de dois especialistas da teologia e da catequese. Emilio Alberich[1] nos adverte que “nós nos encontramos diante de um dos problemas mais sérios e difíceis da pastoral européia contemporânea: o de ter que considerar em profundidade todo o processo de iniciação do cristianismo”. André Fossion[2], do Instituto Lumen Vitae da Bélgica segue a mesma intuição quando escreve: “o conjunto dos processos tradicionais da comunicação da fé, pelo menos na sociedade ocidental contemporânea, está abalado e os esforços da catequese contemporânea, apesar de sua criatividade, parecem insignificantes e muito frequentemente desproporcional em relação ao que acontece nas novas culturas”. Se esse mundo em mutação permanente não é menos digno do evangelho do Cristo que outro, somos obrigados a levar mais a sério essa crise e a medir os deslocamentos aos quais ele obriga a teologia da catequese ou, para retomar a expressão de André Liégé[3], a catequética.



Catequese e catequética


A catequese é em primeiro lugar um ato de comunicação que põe as pessoas em relação. Trata-se menos de comunicar uma informação ou uma mensagem que de iniciar uma arte de viver, de motivar cada um a viver como discípulo no seguimento de Jesus Cristo. Se esse ato de comunicação nas suas dimensões interpessoais, sociais e institucionais é finalizado pela aprendizagem de uma vida cristã, ele requer uma arte da transmissão. Retomando categorias de Aristóteles, como ato de comunicação, a catequese reenvia à praxis, ou melhor, à ação com tudo o que isso comporta de começo, de invenção e de aventura; como arte da transmissão, ela reenvia à técnica e ao saber fazer, à estratégia pedagógica. Na catequese francesa, ao seguir as tentativas e as buscas pedagógicas da escola, temos privilegiado a arte catequética esquecendo-nos do ato de comunicação que comporta sua parte de iniciação e de risco, sua parte de proposição.


Considerar a catequese como comunicação é considerar que, o que é comunicado é indissociável de suas condições de enunciação e de recepção e do contexto espacial, temporal e sociocultural no qual o ato se acontece. Não há uma mensagem quimicamente pura: o receptor coopera com a transmissão e essa não tem nada de unilateral. Falar de catequese como ato de comunicação é também situá-la como um cruzamento no seio do qual se concentram, se articulam, se cruzam e se opõem até dinâmicas diferentes. Há a tradição viva, os catequizandos e seus projetos de vida, os catequistas, dos quais se diz que estão eles mesmos tocados pela crise da transmissão e demandam ser catequizados. Essas dinâmicas se inscrevem também em conjuntos mais vastos e mais complexos. Se a catequese faz parte da missão evangelizadora da Igreja, que para ela é um momento essencial, não se pode esquecer, como repete o Diretório Geral da Catequese (n. 46) “que qualquer definição parcial e fragmentária não dá conta da realidade rica, complexa e dinâmica que é a evangelização”. A catequese deve encontrar o equilíbrio entre acolhida, testemunho e anúncio, entre palavra e sacramento, entre conversão e transformação social.


A serviço da catequese há a catequética. Como escreve Fossion[4], a catequética é a ciência da catequese. Ela é “uma reflexão sistemática e metodológica”, um lugar de tomar distância teórica e de evolução crítica sobre a práxis catequética.


Se, no entanto, ela tenta oferecer à catequese os elementos teóricos necessários ao seu desenvolvimento nos contextos complexos e diversos, compreende-se bem que ela não pode adotar o ponto de vista de Sirus. Ela é, ao mesmo tempo, teórica e prática, e reveste-se de um caráter inacabado e provisório. Ela é um trabalho que tenta articular o conjunto das disciplinas necessárias à compreensão desse ato de comunicação da fé. Entre essas disciplinas, nós encontramos, é claro, a teologia e a Sagrada Escritura, mas também a pedagogia, a história e as ciências da cultura, a antropologia e a filosofia. Essa ciência prática da catequese continua o trabalho da teologia. É uma inteligência da fé que se elabora na catequese e considera a mensagem cristã no seu ato mesmo de ser comunicada e recebida. A catequética é a elaboração teológica do ato de catequese. Sublinhamos isso para melhor compreender que a catequese não é nem uma vulgarização nem uma aplicação da teologia. Catequética e teologia tem a mesma matéria, mas objetivos diferentes.



As bases catequéticas atuais


De onde viemos nós? A catequese contemporânea lança suas raízes no que chamamos de renovação catequética. O movimento de pesquisa inicia-se em 1905 com o trabalho da escola de Monique que insiste sobre a função central da Palavra de Deus e sobre a caminhada da aprendizagem do catequizando. Na realidade, ele ganha mesmo a amplidão a partir dos anos cinquenta – na França com o trabalho notável de Joseph Colomb – autor de grandes eventos internacionais de catequese (Anvers em 1956, Nimègue em 1959, Eichtätt em 1960, Manila em 1967 e, enfim, Medellín em 1968). Através dessas grandes assembléias, elabora-se realmente uma catequética. Daí emergem as correntes querigmática, catecumenal, antropológica e histórico-profética[5]. De fato, não se trata de aproximações diferentes que se opõem umas às outras, mas de um mesmo trilho que se aproxima e se necessita, graças a uma interação permanente entre experiência e a teorização. Nós propomos aqui algumas dimensões estruturantes da catequese, resultantes dessa renovação.


A renovação catequética é confrontada com o desenvolvimento da modernidade. Em tal mundo, a fé não é transmitida automaticamente, o ambiente não é mais portador da fé. Trata-se de pensar a catequese passando de uma visão religiosa tradicional para uma visão secular moderna. A renovação catequética não pode, então, senão tomar sua distância do catecismo resultante da Contrarreforma que a precedeu. Essa forma catequética, ainda dominante em 1937 no catecismo usado nas dioceses da França, é composto segundo o esquema “dogma, moral, sacramento” e promove uma pedagogia do ensinamento segundo o eixo “memorização, explicação, aplicação”. Essa forma catequética convém bem a uma sociedade homogênea, de mudanças lentas onde a fé se transmite como uma herança. O ensinamento frontal por repetição das verdades que se impõem porque elas deram suas provas no passado é o principal artesão da memória social e o garantidor da coesão do grupo. O catecismo é concebido com fins apologéticos; é um pequeno resumo da doutrina.


Para a renovação, a catequese não transmite primeiramente uma doutrina, mas uma mensagem, a Palavra de Deus. Essa mensagem é o Cristo, a revelação de Deus na sua plenitude. Para além da doutrina, há a pessoa de Jesus, o Cristo. A fé cristã não é primeiramente adesão a verdades, mas apego a uma pessoa. Vai-se “por Cristo, ao Pai, no Espírito”. Se a catequese é a transmissão dessa palavra viva e encarnada, para que ela encontre eco em todo o ser daqueles a quem ela é endereçada, ela é fundamentalmente cristocentrada. Evidentemente, tal processo que convida ao encontro do Cristo não impede o acesso a seu ensinamento nem ao da Tradição da Igreja. Trata-se antes de formar discípulos e de introduzi-los na organicidade da fé cristã. Mas o Cristo não é primeiramente um mestre de sabedoria e, se ensina com sabedoria, não o faz à maneira dos escribas. A importância está na pregação profética e escatológica do Reino de Deus, e a catequese é de certa forma a porta-voz dessa pregação.


A catequese é também como um movimento de maturação da fé. Como a tradição o indica, ela caminha da fé para a fé. Mas, para a renovação, é menos da fé da Igreja – a fides quae creditur – para a fé do discípulo – a fides qua creditur – que da fé inicial, justamente despertada para uma fé adulta e eclesial ou que esposa o melhor possível a fé da Igreja da fides qua creditur, para a fides quae. Insiste-se sobre uma concepção dinâmica da vida de fé vivida na Igreja. A fé não é uma aquisição, ela é hoje um processo e uma tarefa. O movimento de conversão e de adesão ao Cristo deve constantemente ser reforçado. A fé da Igreja – concebida como comunidade reunida por seu Senhor – é a mediação e o ponto de chegada dessa maturação.


A catequese está desde então centrada sobre a pessoa e seu devir cristão. Insiste-se sobre a caminhada do catequizando e o desenvolvimento de sua fé como atitude, sobre a dimensão de decisão própria do ato de fé. Põe-se resolutamente a prioridade na catequese dos adultos. O adulto é um permanente iniciado e a catequese ajuda a construir de forma continuada a estrutura de fundo da fé cristã, desde o tempo do primeiro anúncio (kerigma) passando pelo catecumenato e se prolongando pelo aprofundamento.


A renovação concebe menos a catequese como a exposição e a transmissão da estrutura sincrônica da fé – a integralidade, a sistematicidade e a organicidade da mensagem – que como seu desenvolvimento diacrônico e histórico. A escolha induz a uma concepção evolutiva e dinâmica da revelação cristã. O anúncio da salvação está na história dos homens. Há conexão entre essa história e a história da salvação. Evidentemente, essa conexão é complexa, diferenciada e dinâmica. Se ela impede toda confusão, ela exclui também toda dicotomia. A catequese torna-se iniciação ou dinamismo interpretativo da história dos homens à luz da fé e correlativamente do sentido da fé cristã em relação à história dos homens. A catequética abandona a ontologia substancialista do catecismo clássico em vista de uma hermenêutica dos sinais dos tempos.


A catequese promovida pela renovação vai desenvolver a pesquisa pedagógica apoiando-se sobre os dados da psicopedagogia nascente, das ciências cognitivas e da aprendizagem. Ao contrário da pedagogia frontal e dedutiva do catecismo da Contrarreforma, ela defende uma pedagogia indutiva e interativa que se apoia sobre a experiência. Ao esquema exposição-memorização-aplicação, ela substitui o esquema experiência-implicação, explicação-compreensão, apropriação-transferência. Nessa orientação pedagógica, a exposição é mais narrativa que didática. Narra-se mais que se ensina. É preciso sublinhar que o fato de levar em conta a experiência do catequizando não é só uma tentativa de aperitivo que visa a otimizar suas capacidades de escutar a Palavra de Deus. Ela é um momento constitutivo do ato catequético que se funda sobre uma teologia da criação e da encarnação. Em nome do mistério da criação e da encarnação, a catequese assume todas as realidades da existência humana. O Cristo plenitude da revelação, que conjuga em si duas naturezas distintas ao mesmo tempo, completa em sua pessoa as mais altas aspirações humanas. Certamente, ele revela o que Deus é para o homem, mas também o que o homem é aos olhos de Deus. A catequese é assim conduzida a uma dupla fidelidade: a Deus e ao homem. A fidelidade ao homem é requisitada pela fidelidade a Deus, que se revela em seu Filho, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.



Alguns deslocamentos a serem feitos


Como difundir hoje esse rumor de alegria? Emilio Alberich[6] evoca a urgência de uma reinterrogação fundamental sobre a maneira de inscrever e de conceber o testemunho da fé na sociedade contemporânea. A catequética deve, pois, pôr mãos a obra e retomar com valores novos suas problemáticas. Em contribuição a tal trabalho, apresentamos aqui quatro pilares de interrogação. Esses pilares explicitam os deslocamentos a serem operados nos campos da catequética, a ciência da catequese. Para melhor compreender essa ideia de questões e de deslocamentos, nós recorremos ao filósofo Gaston Bachelard[7] e seu conceito de obstáculo epistemológico. Para Bachelard, é em termos de obstáculo que é necessário pôr o problema da pesquisa e do conhecimento científico. O obstáculo é dito epistemologicamente porque ele é inerente ao pensamento. Ele não vem de fora. De que se trata? Uma ideia e uma teoria que são dotadas de uma fecundidade e uma eficácia notáveis, adquiridas pela tradição que elas dispensam; um valor e uma evidência tais que elas dispensam o pensamento de continuar a buscar. O instinto conservador do pensamento é qualquer coisa de muito forte, e a valorização das teorias habituais tornam-se um fator de inércia. O pensamento científico deve lutar contra seus próprios obstáculos para encontrar a flexibilidade e a mobilidade necessária à pesquisa. No campo da catequética, os princípios que permitiram à catequese tomar pé da modernidade devem ser reavaliados, repensados, à custa de não se tornarem verdadeiros obstáculos epistemológicos e de impedirem a catequese de ter qualquer eficiência para a situação atual.


1) O princípio da convergência


Para a renovação catequética, é uma pressuposição fundamental que há convergência entre os desejos profundos, as aspirações vitais, as expectativas apaixonadas dos homens e das sociedades e a mensagem evangélica. A humanidade inteira, quer ela saiba ou não, quer ela aceite ou refute, participa das verdades mais profundas da mensagem cristã. Ela é sua beneficiária. A experiência e a história dos homens não são em vão ou predestinadas ao nada; relidas à luz do evangelho, elas encontram seu sentido último nele e nele acolhem seu futuro. O princípio de convergência se apoia sobre uma teologia da criação e da encarnação. Deus é o Criador e o Pai de todos os homens concebidos à sua imagem. O Espírito Santo opera em cada coração humano desde muito tempo. Tudo encontra sua identidade em Jesus Cristo, Verbo encarnado no qual Deus fala ao homem e ilumina assim a experiência humana em seus diversos aspectos.


A experiência não é simplesmente o entreposto da memória, e as Escrituras uma coletânea de conhecimentos. Não basta ter vivido os acontecimentos para reivindicar uma experiência. O vivido se transforma em experiência por uma lenta elaboração reflexiva e um trabalho de interpretação e de síntese ativa. Não se trata de um jogo intelectual, nem de uma brincadeira; o ser humano tem necessidade de reler e de fazer sentido. A catequese é o lugar privilegiado onde se pode fazer esse trabalho à luz do evangelho. Ela põe, então, pedagogicamente acento sobre a articulação entre essa experiência em vias de elaboração e a mensagem evangélica como palavra de Deus. Uma encontrará sempre sua verdade na outra. Essa convergência pode levar a pensar que a revelação se identifica, sobretudo, a uma tomada de consciência do que cada um carrega desde sempre em si de modo escondido. Essa concepção da revelação se assemelha à reminiscência platônica. A catequese resultante da renovação transfere para o homem da sociedade secularizada moderna o que a catequese resultante da Contrarreforma atribuía à sociedade tradicional: no fundo, tanto a sociedade tradicional quanto o homem moderno são coniventes com o evangelho e nada os pode separar essencialmente do ato do Criador.


Quer queiramos ou não, o mundo presente se encontra frio e indiferente a todas as razões de ser que o judeu-cristianismo lhe deixou como legado. Essa indiferença não é nem uma recusa, nem uma oposição; ela se dá no plano da possibilidade de crer e de aceitar a imagem de Deus e a visão de mundo que foi proposta pela fé cristã. Trata-se de lengalengas por longo tempo remoídas, de velhas histórias desgastadas e estéreis. As respostas propostas são suspeitas de impertinência. Nós contemporâneos estamos menos em busca de sentido que de sabedoria; como viver nesse mundo que parece ter perdido a cabeça? Nós não podemos esquecer aqui que a fé cristã testemunha uma sabedoria que Paulo nos diz que “não é deste mundo, nem dos pensamentos do mundo, destinados à destruição [...]; ela é sabedoria de Deus misterioso e escondido” (1Cor 2,6-7). Nós sabemos também que ela é loucura para aquele que é “entregue à sua própria natureza”. Ela reconhece o Deus que relativiza as realidades, quebra as suficiências, esvazia as pretensões humanas de poder e de ser mestre para inventar a verdadeira vida.


Esse Deus ao qual o homem pode escolher para além dos ídolos que se apresentam a ele é um Deus totalmente outro, de uma alteridade irredutível: Deus sempre maior, disse santo Inácio de Loyola. Sua realidade é imensamente maior que a experiência que nós podemos ter. A distância entre a experiência humana e o mistério impensável de Deus é inesgotável. “Deus ultrapassa infinitamente o homem!”, exclama Pascal. Não está no fim das racionalizações, porque ele vem de outro lugar e se revela através de seu Filho que acreditou nele e no seu amor que ultrapassa toda medida[8]. Essa projeção feita sobre a alteridade de Deus que se comunica ao homem em seu Filho e sobre a experiência de fé como abertura jamais fechada e superada conduz a repensar catequeticamente a articulação entre os mistérios da revelação, da criação e da encarnação. Criação e encarnação não são mais tão evidentes: elas fazem também parte dessa revelação do totalmente outro e da sua gratuidade absoluta, que culmina no mistério pascal. A catequese resultante da renovação preocupou-se com a encarnação. A catequese de hoje deve se enraizar mais fundamentalmente no mistério pascal, sem o qual jamais viríamos a falar de encarnação.


2) Pertença e identidade


Há hoje uma reivindicação dos indivíduos para serem reconhecidos como inteiramente sujeitos a tal ponto que se pode falar, como o fez Lipovetsky[9], de uma psicologização do social. Ora, nossa cultura científica moderna, ao menos no campo das ciências sociais, se esforçou para privar-se da noção de sujeito: nós a expulsamos da ordem das razões e a confinamos à afetividade. Somente as ciências da vida psíquica se interessaram em desmascarar as ilusões e os erros de uma interioridade exageradamente narcisista. A subjetividade caiu assim na armadilha das preocupações da ação. Pôde-se reduzir o sujeito a ator e apenas reter a identidade social do indivíduo, relegando o resto à esfera privada. A identidade de ator ficou definida como interiorização das pertenças sociais através de modelos e de representações de conduta. Esse ator é tanto mais autônomo e senhor de si mesmo quanto sua apropriação das normas sociais se fortalece. O ator se identifica com o sistema no qual trabalha para seu desenvolvimento. Reconhecemos que a catequese se situou nesta onda dos tempos, tendo por objetivo a passagem de uma fé inicial, apenas despertada, para uma fé adulta eclesial. O fiel de Cristo catequizado é um ator engajado que é capaz de “gastar sua força para a obra de evangelização” e “que coopera com a missão de toda a Igreja” (AG, 983). O DGC (n. 24) reconhece, por fim, que a renovação catequética deu muitos frutos, dando à luz um tipo de cristão verdadeiramente consciente de sua fé e vivendo em coerência com ela, tendo o sentido da corresponsabilidade da missão da Igreja, partilhando as exigências sociais da Igreja em nome de uma redescoberta mais profunda de Jesus Cristo.


Mas nosso presente desmente em todo lugar a crença moderna na eficiência e na utilidade social. Como o indica Touraine[10], de acordo com pesquisadores como Sainsolieu, Croizer e até mesmo Bourdieu[11], o sujeito se torna mero figurante quando abandona o papel de ator. Ele é o excluído, o sem-direito, o desempregado de longa data, o sem-domicílio fixo, o doente isolado e sua própria existência é uma prova da inumanidade de um sistema que promete a ação sem ator. Muitos condenam os funcionamentos institucionais e os organismos que levam ao vazio. O sujeito ali é menos o ato de ocupação de uma fortaleza que uma exposição a todas as tendências que procura desesperadamente sua identidade. O indivíduo se reconhece menos como ator social que como ator de sua própria vida à procura de sua identidade.


Essa busca de identidade pessoal não tem nada a ver com a procura desesperada de si no seu próprio reflexo. Nós desconfiamos da palavra “individualismo”, pejorativa em muitos sentidos. Nesse universo flexível e instável que resiste à adaptação permanente, o tornar-se sujeito é um trabalho sobre si geralmente penoso. Cada um tem que assumir sua história pessoal. Todo sujeito é uma complexidade e conflitualidade contínua, que procura se reconciliar consigo mesmo para tirar dessa identidade as referências para a ação, porque tal busca não impede a vontade de ser agente de transformação. Certo número de perguntas levantadas durante as catequeses das JMJ giraram em torno da seguinte questão: “Como nós podemos viver e agir como cristãos num universo profissional no qual não se pode mudar nada?”. A questão da identidade cristã é menos uma questão de pertença eclesial a uma comunidade que uma questão que toca a identidade pessoal de um sujeito que se busca na fé. No campo da catequese, essa valorização do adulto responsável e engajado, membro de uma comunidade missionária, pertencente ao Povo de Deus, é um obstáculo epistemológico que arrisca mascarar os verdadeiros desafios da proposição da fé hoje. É preciso trabalhar sobre o que constitui uma identidade cristã, sobre a destinação de um sujeito crente confrontado com o problema vital de sua identidade e de sua relação com a tradição.


Tal tomada de posição obriga também a reexaminar os laços que a catequese forjou entre a fides quae creditur – o conteúdo da fé cristã – e a fides que creditur – a caminhada subjetiva de adesão. A exarcebação da distinção da oposição entre a objetividade do dado e a subjetividade da recepção poderia ter uma consequência contraditória em relação aos efeitos esperados. Arrisca-se assim a desencorajar o sujeito na sua busca de identidade, impondo-lhe uma alteridade pronta à qual ele não poderá jamais chegar e que ele próprio se interdita. Ao contrário, todo sujeito é capaz de se abrir a uma alteridade que dialogue com ele de forma fecunda sem o despojar de sua responsabilidade. Quando se fala em sujeito, fala-se em interioridade, capacidade de simbolizar, de projetar e de introjetar, resumidamente, de interpretar e de conferir significados. Por outro lado, não é porque um sujeito procura sua identidade que sua caminhada é apenas subjetiva, narcisista, eliminando como um inferno toda prova de alteridade. Quanto mais um sujeito pode dizer ‘eu’, mais ele desenvolve sua capacidade de interioridade, suportando sua inconsistência e sua vulnerabilidade e tanto mais pode deixar lugar ao outro e o acolher para crescer. No ato de comunicação que a catequese representa, é necessário sempre situar a fides quae, não como a origem ou o fim do ato de fé, mas como uma mediação permanente, aquela alteridade inesgotável que permite ao sujeito crente – fides qua – amadurecer como sujeito. Não se vai mais da fides quae para a fides qua, nem da fides qua para fides quae, mas da fides qua para a fides qua pela mediação da tradição e pela fé da Igreja. Trata-se de animar uma comunicação verdadeira entre a tradição viva da Igreja transmitida hoje através dos discípulos e dos sujeitos prontos para se entregar ao encontro com Cristo.


3) Catequese e pedagogia


O que propor às pessoas batizadas e catequizadas na infância, que estão aparentemente afastadas desde a adolescência, mas que se despertam no momento do nascimento de uma criança ou da morte de um ente querido? O que propor como caminho catequético às pessoas indiferentes à Igreja, mas que se interessam pelo fato cristão através da descoberta do patrimônio arquitetônico e artístico? O que propor aos pais que se engajam de novo num caminho de fé a partir da catequese de seus filhos, àqueles e àquelas que não querem ouvir falar de formação, mas que dão seu tempo em nome de sua fé para o serviço da caridade? O que propor aos antigos companheiros de engajamento pastoral e missionário animados pelo Vaticano II, mas sobrecarregados hoje pela urgência da tarefa, muitas vezes cansados e às vezes imersos na morosidade? E a todos aqueles e aquelas que precisam ser despertados, a quem poderíamos oferecer a fé como uma possibilidade crível, dando-lhes o gosto de Deus e da aventura cristã?


Nós poderíamos continuar a lista ou poderíamos enumerá-la de outra maneira até o infinito. A cada sujeito, uma proposta catequética particular! Nós somos provavelmente hoje conduzidos a privilegiar os percursos personalizados, flexíveis, capilares, adaptáveis. Notamos que, na sua tradição, a Igreja faz a diferença entre os simpatizantes, os catecúmenos, os eleitos, os neófitos e os fiéis, e propõe sendas catequéticas adaptadas ao processo de maturação de cada um. Esta lógica processual do tornar-se cristão se complexifica ainda mais até porque, hoje, passa-se de um estatuto a outro sem saber qual seu sentido. Uma pessoa pode ter vivido como fiel em uma época de sua vida, ter tomado distância em outra, permanecendo simpatizante, e se encontrar em uma caminhada catecumenal entre aqueles que são chamados, para dizer melhor, os reiniciantes.