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105. Encontrando-te, me encontrei

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26.09.2016 | 5 minutos de leitura
Rodolfo  Lourenço
Crônicas
105. Encontrando-te, me encontrei

“O Reino dos Céus é como um tesouro escondido no campo” (Mt 13,44)


 

"Desde que te amo, o mundo inteiro te pertence. 

Por isso, nunca cheguei a dar-te nada.

Apenas devolvi"

(Mia Couto)


 

Um belo fato sobre a pessoa de Jesus é que, quando ele se encontra com as pessoas, ele não as rouba de si próprias, pelo contrário, as devolve a si mesmas. E como, neste nosso mundo mosaico, precisamos de pessoas que nos devolvam!


Notemos: pagamos por caras revistas somente para olhar onde determinada pessoa foi viver seu fim de semana; gastamos horas do nosso dia somente para observar pessoas presas numa casa paradisíaca; olhamos o nosso feed de notícias somente para monitorar a rotina alheia.


Nesses últimos dias, descobri através dos meus alunos a palavra stalker, palavra inglesa que significa “perseguidor” e é base do neologismo stalkear. Há pessoas capazes de deixar sua vida ao léu para perseguir, mesmo que virtualmente, os rastros de outros. Pessoas que se esquecem de suas próprias vidas e passam a viver em função da vida dos outros.


Novamente, o encontro com Jesus implica numa mudança de direção do olhar: não mais para os outros, mas para nós. Se me lembro bem das aulas de antropologia teológica e das leituras feitas naquele tempo, só há pessoa se ela se apoiar em dois pilares: tomar posse daquilo que ela é e depois doar isso aos outros. Não há de ser diferente, pois só podemos dar aquilo que descobrimos de nós.


Todas as pessoas que se encontraram com Jesus não escaparam de voltar o olhar para dentro de si próprias e redescobrir o seu valor, valor que uma doença, um pecado, uma situação enganosa ou uma deficiência lhes parecia ter roubado. A partir do encontro com Jesus, até as mazelas mais profundas passam a ser olhadas não com depreciação de si, mas com um olhar renovado e guiado pelo novo sentido que a fé é capaz de dar. Lembremo-nos do axioma patrístico: Jesus é aquilo que seremos e somos chamados a ser. É olhando para Cristo que podemos voltar nosso olhar para nós mesmos e nos redescobrir à sua imagem. Quando diante do espelho, nos organizamos (cabelo, roupa, acessórios etc.) e saímos diferentes depois de ver nossa imagem refletida. Também igualmente somos transformados quando colocados diante de Jesus – por meio da eucaristia, da palavra ou de outro sinal de sua presença –que, na sua bondade, nos acolhe e nos revela quem somos. Da sua presença, não saímos da mesma forma que chegamos. Para mim, este é o sentido mais profundo da adoração: redescobrimo-nos diante de Cristo e tornarmo-nos imagem daquele a quem adoramos.


E isso faz toda diferença no nosso dia a dia. A pessoa que se possui machuca menos quem está por perto, pois ela conhece seus limites e é capaz de olhar o outro com caridade e paciência; ela fala menos dos outros, pois percebe-se como uma imensidade de riquezas e possibilidades mais atraentes do que o brilho alheio, que muitas vezes não passa de ouro dos tolos; não aceita em sua vida aquilo que não a complementa, já que é ciente de si e não um depósito sanitário, onde outros vêm e depositam o seu lixo e, o pior, o receptor acaba por amar isso; sabe que toda a vida será uma aventura, situações sairão de seu controle, agressões virão, mas ela permanece firme e serena, na única certeza que Jesus nos dá nos Evangelhos: Eu estou com vocês até o fim.


Que linda essa atitude de Jesus! Na fragilidade daqueles que vêm ao seu encontro, estado oportuno para o sequestro subjetivo, ele nos devolve a nós mesmos e nos pede para cuidarmos de nossa seara interior. Jesus não nos rouba, ele nos devolve. Jesus é a oportunidade ímpar de sermos aquilo que esperamos ser. Como as personagens dos Evangelhos que – em Cristo – encontraram novo rumo para suas vidas, podemos também dar um novo sentido ao caminho percorrido até aqui. Não podemos negar nossa história, nem anulá-la; não podemos esquecer o passado; não podemos fingir que não vivemos experiências dolorosas e marcantes em na nossa vida, mas podemos dar um novo olhar, um novo sentido para tudo isso, através do olhar de Jesus.


Não basta ser um perfil bonito, precisamos ser pessoas, por analogia, stalkeadores,não dos outros, mas de nós mesmos. Descobrir-se é a pérola preciosa da vida; por ela, vale a pena vender campos, pois esse é um processo vital. E se o fardo de tomar posse de si é demais para alguns de nós, coragem!, o próprio Jesus se põe ao nosso lado para nos ajudar.


E a beleza de tudo isso é que, ao nos possuirmos, poderemos nos doar aos outros sem receio, com tudo que somos: luzes e trevas, dons e limites. E agradecemos por haver pessoas que também se possuem e se doam a nós intensamente. Pessoas que percebem a beleza do que são não por mero ato narcisista, mas pelas luzes que são capazes de doar à vida alheia. Como precisamos de pessoas assim atualmente!


Vem, Jesus, rompe a nossa surdez, nossa cegueira, e ensina-nos a nos enxergar com teu olhar; ajuda-nos a nos encontrar em ti e sermos mais donos de nós mesmos.